Em Alverca o carteiro toca sempre duas vezes
Luís Perdiz podia ser chefe de posto mas optou por manter o contacto com as pessoas
Prefere os dias de muito calor, porque quando chove “a roupa ensopa no corpo toda a manhã”. Luís Perdiz sai de casa todos os dias pelas 06h30 para o posto de distribuição de correios onde trabalha, em Alverca do Ribatejo, para um dia que decorre, na sua maior parte, pelas ruas da cidade. “Chegaram a convidar-me para chefe, mas eu gosto de andar na rua e tomar contacto com as pessoas”. Luís Perdiz é carteiro há 25 anos e diz que “não trocaria esta profissão por nenhuma outra”. O profissional, que assegura serem a “adaptação ao ritmo de trabalho e falta de vontade de levantar cedo da cama” o que afasta alguns dos candidatos mais jovens da profissão, garante que para ser carteiro “não basta chegar ao posto e começar a distribuir cartas”. O próprio, na sua primeira passagem pelos correios, não ficou mais do que seis meses, mas por razões financeiras.Iniciado nas lides das cartas e encomendas na Calçada da Boa Hora, em Lisboa, Luís trocou um lugar na Polícia de Segurança Pública pelo trabalho nos correios. “Depois de seis meses de instrução, estava a fazer a segurança da embaixada de França, em Lisboa. Senti que devíamos ser mais acompanhados mas estávamos muito sozinhos, dando azo a erros”, relata. A primeira passagem pelos correios durou no entanto apenas outros seis meses por causa de uma nova oferta de trabalho. A oportunidade era a de ganhar 9.600 escudos na metalúrgica Previdente, no Sobralinho, perto do local de residência do profissional. Cinco anos volvidos, a empresa inícia um processo de despedimentos e Luís recorre a uma carta de recomendação que lhe fora passada pelo seu chefe de posto. O ano de 1984 marca a reentrada nos correios, em definitivo, para o posto de Vila Franca de Xira. “Estou em Alverca, porque fiz uma permuta com um colega”, esclarece Luís Perdiz. Da actividade de carteiro, o profissional destaca o “contacto com todo o género de pessoas, de engenheiros a políticos, empresários e reformados”. No caso dos últimos, nota, a entrega dos vales para levantamento da reforma é o ponto mais importante. “Elas chegam a tempo e horas, ao posto. No Natal é que os atrasos surgem, por causa do volume de correspondência. Muitos já recebem pelo banco” explica. O dia de Luís Perdiz começa com a divisão da correspondência por zonas geográficas, ainda no posto de correios. A cada área corresponde um giro, cuja extensão varia com o número de lares de cada zona. “Às 08h00 saímos para a rua e fazemos a distribuição, até acabar. Depois vamos para casa”, explica. Durante a distribuição, uma carrinha de apoio coloca em locais estratégicos, como cafés e casas comerciais, vários sacos de “reabastecimento” que são recolhidos pelos carteiros para evitar levar consigo carga em excesso desde o início. Cada carrinha apoia oito giros. No escritório, refere o profissional, há mais trabalho para lá da hora de saída. Se os carteiros de distribuição terminam o serviço após a entrega no posto da correspondência devolvida e dinheiro de entregas à cobrança, para os que ficam no posto há que fazer contas e redistribuir o correio não entregue.A evolução na correspondência distribuída faz-se sentir, revela o profissional dos serviços postais. “Antigamente, havia mais correspondência pessoal, enquanto hoje dominam as encomendas e cartas de empresas e bancos”, refere. Luís Perdiz reconhece, ele próprio, “não se recordar de quando escreveu uma carta”. Residente em Trancoso, Luís Perdiz é filho de um carteiro e foi também nos correios que encontrou a sua cara-metade. Natural de Mação, distrito de Santarém, adoptou o concelho de Vila Franca de Xira como sua casa e local de trabalho, de que guarda histórias para contar. “Num certo Verão, a uma sexta-feira, tinha duas entregas de um jornal regional à cobrança em Vila Franca de Xira. No segundo endereço, quando chego à entrada da habitação, a jovem abre-me a porta apenas de cuecas. Fiquei um pouco atrapalhado e não tinha troco para lhe dar ao pagamento que fez. Desci para o café em busca de moedas, e quando voltei, já ela tinha vestido uma camisa de noite, transparente. O efeito de desconcentração foi ainda pior e, depois de me pagar, não lhe cheguei a entregar o jornal. Só o recebeu na segunda-feira”, conta. Mais uma vez, em Alverca o carteiro voltou a ter de tocar à campainha duas vezes.
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