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Nuno Casquinha nasceu em ambiente taurino e vai ser matador de toiros

Toureiro de Vila Franca de Xira vai tirar a alternativa esta temporada

No dia em que fez 23 anos, Nuno Casquinha deu uma entrevista a O MIRANTE onde partilha com os leitores o sonho de menino. “Quero ser figura e vou fazer tudo para lá chegar”, diz com a convicção de quem abdicou de quase tudo para se dedicar de corpo e alma à formação como toureiro. Em Outubro regressa a Vila Franca, na primeira apresentação como matador de toiros.

Onde é que despertou para a festa taurina?A minha aficion tem muito a ver com a família, que sempre teve toiros e cavalos. O meu pai, Nuno Casquinha, é ganadeiro e o meu avô (António Henriques) tem uma coudelaria que herdou do pai (José Henriques Casquinha). O meu avô Orlando Vicente é campino e sempre lidou com toiros bravos. Com uma família assim, foi fácil entrar neste mundo e desde cedo decidi que queria ser toureiro.Nasceu em Lisboa, mas a sua terra é Vila Franca de Xira.Só fui nascer a Lisboa. Toda a minha infância e juventude foi passada em Vila Franca, excepto quando estive a viver em Madrid, a formar-me na Escola de Toureio de Madrid, e no México, porque quem quer ser toureiro tem de ir à procura de oportunidade. Apesar de ter passado muito tempo fora, tenho orgulho em ser de Vila Franca.Houve algum momento que o marcou para decidir ser toureiro?É um sonho desde que conheci o mundo taurino. A minha família via muitas corridas e sempre convivi com pessoas ligadas à festa dos toiros. Fiz-me toureiro com naturalidade, parece que já estava destinado ser assim. Sempre gostei muito de ver os toureiros e tudo à sua volta.Cresceu numa coudelaria de qualidade. Teria sido mais fácil ser cavaleiro?É verdade…(risos) Tinha a vida facilitada porque tinha muitos cavalos de qualidade, mas nunca me passou pela cabeça. Gosto de cavalos, mas tourear é a pé. As suas brincadeiras de infância eram à volta dos toiros?Quem cresce em Vila Franca deixa-se envolver por este ambiente taurino fantástico. Esta cidade está ligada à festa por vários motivos. Lembro-me de brincar aos toureiros e às largadas na rua.Ter nascido aqui foi determinante?Ajudou imenso porque nós temos vários incentivos. O toiro está presente na rua e na praça em vários momentos no ano e isso faz-nos viver a tauromaquia com mais intensidade. Houve alguma figura que o tenha marcado?Não houve nenhum toureiro que me guiasse, mas foi a tauromaquia no seu todo que me aliciou. Tenho fascínio pelo traje de luces, pela arte de tourear, pelo ambiente das tentas e das praças. Há um conjunto de coisas no espectáculo que me dizem muito e me dão um enorme prazer.O traje de luces é o encanto de qualquer jovem toureiro?Sempre estive muito atento aos trajes dos toureiros. O bordado, a cor é algo de grande profundidade artística e ainda hoje é um dos aspectos que valorizo. Vila Franca procura uma figura. Será o Nuno Casquinha?Eu trabalho todos os dias para ser toureiro e chegar a figura. Vila Franca precisa de um toureiro à séria e Portugal também. Estou empenhado e tenho a ambição de arrastar público em Portugal e quando toureio em Espanha. Quero ser um triunfador que orgulhe Vila Franca e Portugal. Mas só posso garantir trabalho, honestidade e uma grande motivação. Tourear em Vila Franca é uma grande responsabilidade?A Palha Blanco é uma praça única no mundo. Sente-se um ambiente diferente que não sei explicar muito bem. Tenho tido a felicidade de ser muito acarinhado na minha terra e estou grato ao público de Vila Franca, mesmo aos que me criticam porque querem que eu melhore e consiga cada vez mais.O público é exigente e, por vezes, ingrato com os toureiros da terra?A verdade é que nunca senti ingratidão. Sempre que venho a Vila Franca dou a cara e os aficionados reconhecem isso. Percebo que, por ser de cá, gostem que tudo corra bem, mas têm-me apoiado muito aqui e quando me acompanham noutras praças. O toureio a pé é o parente pobre da festa em Portugal?Somos muito prejudicados porque há uma moda das corridas a cavalo. Creio que se aparecer um toureiro a pé com força, com garra e com qualidade, o público vai exigir mais corridas a pé e os empresários vão ter que montar as corridas de outra forma. Deus queira que apareçam vários matadores capazes de levar o público às praças.Ano da alternativa com um novo apoderado Este é um ano importante. Vai tirar a alternativa?O que acontecer nesta temporada vai influenciar muito a minha vida de toureiro. Estou consciente da responsabilidade e das dificuldades que a festa vai sentir num ano de crise. Vai haver menos corridas e menos oportunidades para os jovens toureiros. Não espero facilidades e estou disponível para lutar.Onde é que vai tirar a alternativa?Ainda não decidimos nada. Qualquer praça com categoria será boa para este momento tão importante.Vai regressar a Vila Franca em Outubro, já como matador de toiros?Espero que sim. Gostava muito de voltar a apresentar-me na minha terra depois da alternativa numa corrida importante com um cartel forte.Quem vai ser o padrinho de alternativa?Ainda não escolhi e não é o mais importante. Para mim, tem tanto mérito uma figura como um toureiro que anda há vários anos a fazer corridas duras. O importante é que o padrinho seja alguém com quem nos identificamos. Vai ser apoderado por Ricardo Levesinho. Um jovem de Vila Franca que trouxe uma forma diferente de estar na festa.Estou com grande ilusão. O Ricardo Levesinho é meu amigo, acredita em mim e isso motiva-me e é um orgulho. É um empresário da minha terra, bem visto no mundo dos toiros e sério. Espero que este apoderamento e esta relação durem por muitos anos e que consigamos êxito.É um empresário da nova geração…Fez muito bem o seu papel em Vila Franca. É muito respeitado, toda a gente fala bem dele. Fazem falta à festa mais pessoas assim.Um jovem com talento, vocação e determinação para triunfarNuno Casquinha tem 23 anos. Cresceu no mundo taurino. Filho de ganadeiro, neto de criador de cavalos e de campino, sobrinho de equitador. Diz que nunca se imaginou a fazer outra coisa. Deixou o curso de técnico agrícola a meio e ainda não se arrependeu. Mas aconselha os jovens aspirantes a toureiros a conciliarem os estudos académicos com a ambição de brilhar nas arenas. Tem namorada, mas diz que o casamento ainda não está nos seus horizontes. “O sonho de qualquer pessoa é constituir uma família, mas a seu tempo”. Prioridade para a carreira de matador de toiros. Pratica frontón (jogar ténis contra a parede) e cuida do físico na quinta da família no Bom Retiro, em Vila Franca. Gosta de jogar futebol com os toureiros, mas o seu passatempo preferido é ver corridas de toiros em directo ou gravadas “para poder rever as imagens” e aprender com os toureiros de renome.Diz que não é supersticioso, mas nunca coloca o sombrero ou a montera (chapéus de toureiro no traje curto e de luces, respectivamente) em cima da cama e faz sempre uma cruz na arena quando entra na praça. É católico praticante e não dispensa o fio com o crucifixo. A presença de Cristo é importante.Adora os trajes de luces. Se chegar a figura vai querer usar de várias cores, bordados a ouro por mãos de artistas. O objecto mais estranho que lhe atiraram para a arena foi um DVD com imagens das suas actuações. A oferta repete-se e ainda não sabe quem é que o faz. Nuno Casquinha treina num salão na quinta onde guarda as memórias do seu crescimento tauromáquico, as boas e as más. Está lá um símbolo da homenagem ao picador José Paulo que viu morrer num acidente de viação em Setembro quando regressavam de uma corrida em Espanha. Foi um duro golpe. Nuno Casquinha está a tentar dar a volta por cima. “Um toureiro tem de ser forte”. Tem de saber lidar com a glória e com a tragédia dentro e fora das arenas.Matadores de toiros que não podem matar no seu paísO Nuno será mais um matador de toiros que não vai poder matar o toiro no seu país?É muito mau para a festa não haver a sorte de varas e a morte do toiro. Uma corrida nunca será um êxito redondo enquanto não tivermos toiros de morte. Falta sempre algo.Acredita que ainda vai poder matar em Portugal, na sua Vila Franca?Gostava muito de poder cumprir uma lide na íntegra com a morte do toiro em Vila Franca. Tenho esperança que ainda vai acontecer.Os toiros em Espanha ou no México são melhores que os portugueses?Já apanhei muitos toiros em Espanha que se não fosse a sorte de varas (picar o toiro antes da lide) era impossível dar um ‘moletaso’, totalmente impossível. Em Portugal tenho tido sorte com os novilhos e toiros que me calham. Mas a investida melhora muito com a sorte de varas. Quando um toiro é manso, o toureiro pode-se montar em cima dele, meter-se no meio dos pitons (cornos). Cá o toiro não deixa porque não está picado, não levou um ou dois encontrões contra o cavalo, não sangra e está inteiro. Esse toiro tem reacções imprevistas que são difíceis de entender.Há ganadarias portuguesas que triunfam em Espanha…Porque o toiro é picado e permite outra lide. Possivelmente, o mesmo toiro em Portugal, com o mesmo toureiro não daria uma lide tão redonda e teria um comportamento mais áspero. Mesmo sem serem picados, temos tido bons toiros com lides muito boas em Portugal. Há vários toureiros que têm estado muito bem.Quando está diante de um toiro de 500 quilos, em pontas, pensa na morte?Nunca pensei na morte. Penso na vida e na alegria e emoção de poder tourear. Procuro estar atento ao comportamento do toiro e tirar dele tudo o que tem para dar.Já alguma vez desconfiou do toiro?Acontece frequentemente vermos reacções imprevistas e estranhas. Temos de estar atentos e dar a volta. Sabemos que há um risco elevado, mas a festa também se faz com esse risco.A carreira de matador de toiro é exigente. Poucos portugueses conseguiram ser figura nos últimos anos?Este Inverno serviu para melhorar muito a minha forma de tourear, mas acima de tudo a forma de pensar e de tomar consciência das dificuldades. Temos de estar preparados para tudo para podermos reagir num momento mau e sair por cima. Sei das qualidades que tenho, sei da vontade que tenho, mas também sei que vou ter muito que trabalhar para conseguir ser figura.Para ser figura vai ter de tourear muito em Espanha e nas Américas…Estou preparado para dar tudo de mim e para abdicar de coisas importantes como estar junto da família. Eles sabem que eu quero ser figura e conhecem os sacrifícios que têm de ser feitos para se alcançar o sonho. Tenho um grande apoio da família e dos amigos. Já vivi três anos em Madrid e agora estive um mês no México. O meu sonho é grande. A ambição é muita e estou disponível para tudo.A saudade é difícil de vencer?Há momentos na vida em que temos de tomar decisões, as pessoas amigas e queridas compreendem que é por isto que lutamos e incentivam-nos. Portugal não tem um ambiente propício para o toureio a pé. As pessoas sabem o que passamos cá. As oportunidades não existem e o ambiente não é favorável. Temos de ir para o centro da festa. Entrar no meio de corpo inteiro e dar a cara.Hoje (5 Fevereiro) faz 23 anos, como é que vai comemorar?Sem grandes euforias. Vou jantar com a família. Sou um jovem com uma vida tranquila. Não gosto de confusões. Acredita que pode ganhar muito dinheiro como toureiro?Por enquanto ainda não há retorno do grande investimento que a minha família tem feito. Sei que quando se é figura ganha-se bastante dinheiro por corrida e temos outro respeito do público, escolhe-se datas para tourear, ganadarias. Mas até lá, temos muito que sonhar e que trabalhar. Ser figura é quase um milagre.Está confiante e determinado…Eu acredito que vou lá chegar e até lá procurarei sentir a felicidade de tourear. Mesmo que seja uma vaca num tentadero é um prazer enorme. Temos de desfrutar de todos os momentos que fazem parte desta caminhada. Até o treinar de salão me faz feliz.Como é que reage aos críticos da festa que dizem que é um espectáculo bárbaro?Nunca conversei com alguém que esteja contra a festa, mas acho que deveriam informar-se bem para perceberem o caminho de um toiro de lide desde que nasce até que morre. Dizem-se muitas mentiras para denegrir a festa. O toureiro trata o toiro com toda a dignidade. Quem não gosta não vai ver as corridas, mas não tem o direito de denegrir a festa e ofender os aficionados.

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