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“A minha política é a minha terra”

Médico Manuel Bento Baptista espera que Tomar recupere o protagonismo perdido

Tomar celebrou domingo mais um aniversário da sua fundação. Três dias antes falámos com um homem que está ligado por múltiplas razões à história da cidade do último meio século. O médico Bento Baptista foi autarca, dirigente associativo, dinamizador de eventos, coordenador de equipas. Um currículo de respeito do homem que gosta de se envolver nas coisas “até ao pescoço”.

Tomar está a festejar mais um aniversário da sua fundação. Qual a prenda que a cidade mais necessita?Necessita que os tomarenses gostem da sua terra, trabalhem pela sua terra, sejam só maldizentes quanto baste, deixem de lado a baixa política e que apoiem tudo o que vale a pena. Que tenhamos a felicidade através das eleições de ter um grupo de pessoas capazes, que vão com vontade de trabalhar, de fazer coisas, porque Tomar perdeu muito por não ter a sorte de a auto-estrada Lisboa-Porto passar mais perto, como quisemos em tempos. Isso fez-nos perder um certo centralismo. Mas com o IC3 e o IC9 Tomar voltará rapidamente a ter o protagonismo que merece e sempre teve.Fica na história de Tomar como dinamizador do Congresso da Sopa e de outros eventos gastronómicos.Primeiro que tudo um esclarecimento. O Congresso da Sopa nasceu de um gosto muito especial que o Manuel Guimarães tinha por comer sopa. E foi ele que lançou o primeiro Congresso da Sopa. Eu só pego no Congresso da Sopa na quinta edição, quando se muda do Convento de São Francisco para o Mouchão. Fui a convite do saudoso vereador Lino Cotralha. Entendemos que o Congresso precisava de ter outra dimensão e dar-lhe um desenvolvimento a nível nacional que o outro já tinha, mas mais titubeante. Coordenei onze congressos e as mostras da lampreia e o “Feijão com todos”.Este ano decidiu abandonar a organização desses eventos. Porquê?A principal razão é porque me sentia cansado. Já não tenho idade para determinadas coisas. O congresso fez muito pela reabilitação da sopa.Fizemos muito pela divulgação da sopa como prato nacional, o prato mais importante da dieta mediterrânica. É um prato saudável. Fizemos tudo para que as pessoas voltassem a comer sopa. Além disso, a gastronomia é um factor fortíssimo do turismo. Teme que o congresso possa ser desvirtuado na sua essência?Penso que isso não vai acontecer.A dimensão que o evento ganhou surpreendeu-o?Sim e não. Quando saímos do Convento de São Francisco foi porque entendemos que aquilo era demasiadamente pequeno para o esforço que se estava a fazer. Achámos que se devia desenvolver levando o máximo de restaurantes possível. E conseguimos. Isso consegue-se sabendo tratar com as pessoas, saber interessar as pessoas a colaborar. É preciso provocar essa colaboração.Tomar precisa de mais eventos para se projectar no todo nacional?Acho que sim. Tudo o que se possa fazer é bem vindo. De onde lhe veio esse gosto pela divulgação da gastronomia? Tem alguma ligação com o facto de ser médico?Sim, até porque sou um indivíduo que tem de ter cuidado com aquilo que come. Tenho quatro by-pass nas artérias. Vivo bem mas a alimentação tem de ser saudável. Há algum alimento que evite por razões de saúde?Não. Mas todas as coisas hipercalóricas não são boas. Os açúcares em demasia não são bons. A sopa é um exemplo de alimentação saudável e um prato fácil de fazer.Sabe fazer sopa?Não. Sei é comer sopa.É então um teórico da sopa.Isso não, mas também não sou cozinheiro.É mais um bom garfo que um bom cozinheiro.Também não sou um bom garfo. Gosto é de comer bem. Mas pouco. E sou acima de tudo um propagandista acérrimo da dieta mediterrânica. Mas na cozinha é um zero à esquerda.Também nem tanto. Estou um bocadinho acima.“Sinto-me um ribatejano de gema”Considera que há uma identidade ribatejana? Uma marca Ribatejo?Acho que há uma identidade de que Tomar nunca pode afastar-se, que é a da ligação aos Templários. Essa é a grande marca do norte do Ribatejo. É a marca que vende e que é uma identidade. Coloco uma questão: acha que Alverca tem que ver alguma coisa com Tomar?Devolvo-lhe a pergunta.(risos) A história está aí! Mas sinto-me um ribatejano de gema, até porque gosto muito de toiros. Sou aficionado há muitos anos. Fui muito tempo médico da praça de toiros de Tomar. Pelos vistos não há nada em Tomar de que não tenha sido médico.Nem director. Mas como eu outros. Sempre entendi que descansar não é estar sem fazer nada. Descansar é mudar de actividade. Se estiver cansado da minha vida médica e de repente passar a tratar de problemas de turismo, passado uma hora estou liberto e capaz de retomar a minha vida. E é isso que vou fazendo todos os dias.Agora sem os eventos para organizar como vai ser?Talvez ler muita coisa que tenho lá para ler. E nado quando posso. Também tenho uma cabana em Sesimbra onde passo parte do meu tempo. Autarca em Tomar antes e depois do 25 de AbrilBento Baptista foi fundador do PSD e tem um curioso percurso políticoTem um percurso político curioso, já que foi autarca antes e depois do 25 de Abril.Antes do 25 de Abril era político sem ser político. Não fazia política. A minha política era a minha terra. Aliás foi sempre. Ainda hoje é. Em 1974 tivemos de fazer opções e a minha opção foi pelo PSD, de que fui fundador em Tomar com mais seis elementos. O que me levou a ser durante anos dirigente da concelhia. Fui ainda vice-presidente da distrital numa equipa com Pereira da Silva, Abílio Rodrigues, Miguel Relvas e Mário Albuquerque. Essa foi a minha passagem pela política.Essa ligação à política acabou?Hoje não me quero meter em políticas. Porquê?Hoje o que se faz no país não é política, é politiquice. Há cerca de 20 anos foi candidato à Câmara de Tomar, tendo perdido as eleições para o socialista Pedro Marques. Sentiu-se desiludido?Não. E na câmara trabalhámos em cooperação. Quando íamos para as reuniões apoiávamos propostas uns dos outros sem qualquer problema. A política para mim é a das obras, do desenvolvimento. É preciso resolver. E mais vale resolver por vezes mal do que não resolver.O seu partido tem resolvido bem os problemas em Tomar nesta última década?Tenho impressão que nem sempre. Mas isso são todos.Esperava mais do seu partido?Como lhe disse, já estou há muito tempo afastado. Sou um mero votante…Isso não quer dizer que não tenha opinião.Tenho pena que nem sempre as coisas corram como a gente sonha. O que pensa da saída do ex-presidente da câmara António Paiva a meio do actual mandato?Dos presidentes que nos últimos anos passaram por Tomar, nunca houve ninguém que mexesse tanto com a cidade como ele. Fez coisas muito boas, sobretudo no domínio das infraestruturas. É teimoso. Mas um indivíduo para resolver, em Portugal, tem de ser um bocado teimoso. Como dizia um amigo meu, a democracia é ouvir todos e depois resolver como a gente quer.Que opinião tem do actual presidente da Câmara de Tomar?É uma pessoa extremamente delicada e sensível, com uma cultura bastante boa e que tem todas as características para ser uma boa pessoa.E para ser um bom autarca?É uma boa pessoa. Aliás todos os candidatos que se perfilam são boas pessoas.Na sua opinião quem é que poderia dar um bom presidente de câmara no próximo mandato?O António Paiva.Pertenceu a dois executivos camarários antes do 25 de Abril… O segundo foi interrompido quase no fim pela revolução. Mas quero dizer que estivemos mais de dois meses a pedir para ser substituídos.Quais eram as principais diferenças relativamente ao poder local actual?As pessoas eram escolhidas, não eram votadas. Mas procurava-se que representassem determinados sectores. Nesses dois mandatos havia uma característica importante: éramos todos recém-licenciados, com sangue na guelra, a querer fazer coisas boas pela nossa terra. Não havia uma associação ao regime vigente?Não, nunca fizemos parte da União Nacional. Éramos indivíduos que gostavam da sua terra. A nossa política era resolver os problemas de Tomar. Hoje os cargos públicos são procurados por muita gente e são uma boa fonte de emprego. Há muita gente que se serve dos partidos políticos para fazer o assalto ao poder.Depois do 25 de Abril ficou aborrecido quando o rotularam de fascista?Isso não me magoou. Pedi foi para me explicarem porque me chamavam fascista e ninguém foi capaz de me explicar. Um homem que gosta de comandarPoucas coisas houve em que Manuel Bento Baptista, 77 anos, não se tenha envolvido na sua Tomar natal no último meio século. Exerceu medicina em múltiplos locais e entidades, foi presidente do Hospital de Tomar e dirigente associativo, dinamizou diversas iniciativas, da extinta FAI – Feira Avícola Internacional (de que ainda restam os pavilhões) às mostras gastronómicas da lampreia e do feijão, passando pelo hoje famoso Congresso da Sopa.Assume que gosta de dirigir mas prefere definir-se como “um coordenador” que ouve as opiniões e depois assume as responsabilidades da decisão. Uma situação a que está habituado há muito, ou não tivesse sido vereador da Câmara de Tomar antes, depois e até durante o 25 de Abril. “Depois da revolução pedimos para ser substituídos e ninguém nos substituía. O que mostra que devíamos ser uns fascistas do pior que havia”, ironiza. A verdade é que o exercício de funções autárquicas durante o antigo regime valeu-lhe o rótulo de “fascista” nos meses quentes que se seguiram à revolução. Quando foi eleito presidente do Hospital de Tomar a sua tomada de posse foi bloqueada por sectores afectos ao PCP. Quis saber porquê e perguntou-o a um secretário de Estado da altura, numa reunião em Santarém. Foi-lhe dito que era por ser fascista, segundo informação dada pelo PCP de Tomar.“Vasculharam-me a vida e não encontraram nada. Houve nova eleição e fui eleito por unanimidade e aclamação. A nomeação foi publicada novamente no Diário da República, sem ter sido desnomeado da primeira”, conta com humor o homem que foi um dos fundadores do PSD em Tomar.Mais tarde, há cerca de vinte anos, voltou à cena política como candidato do PSD à presidência da Câmara de Tomar. O povo preferiu o socialista Pedro Marques – o “Pedrinho”, como ainda hoje o trata – mas isso não o demoveu de contribuir para a causa pública como vereador com a pasta do turismo. Um sector por que nutre especial carinho, tendo também tido passagens pela comissão municipal de turismo e pela Região de Turismo dos Templários, recentemente extinta.Hoje a política faz parte do passado. “A minha política é a minha terra”. Isso não significa que não esteja atento ao que se passa na cidade e na região. Gostava que António Paiva voltasse para a Câmara de Tomar. Diz que o actual presidente Corvêlo de Sousa “é boa pessoa”, mas não se alonga quando se lhe pergunta o que pensa dele enquanto autarca. Bento Baptista foi dirigente do Sporting de Tomar, médico do União de Tomar quando o clube esteve na primeira divisão, responsável pela Festa dos Tabuleiros, envolveu-se na organização da FAI e da FIMAD – Feira Internacional da Madeira, coordenou onze congressos da sopa. “Andei sempre por amor à arte. Em todas as coisas em que me meti foi sempre até ao pescoço”, diz.O gosto pelo dirigismo manifestou-se ainda nos tempos de estudante. Foi dirigente da Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa e do Centro Desportivo Universitário de Lisboa (CDUL), onde se destacava no atletismo um jovem barreirista chamado Aníbal Cavaco Silva. Antes tinha sido responsável pela equipa de atletismo do Colégio Nun’Álvares e conseguiu a façanha de apurar 40 jovens para os nacionais. “Tiveram que alugar uma camioneta”, conta com orgulho. E de Lisboa trouxe um campeão nacional no lançamento do martelo.Casado, pai de duas filhas e avô de cinco netos, fala com orgulho da família. Nasceu na praça da República, a sala de visitas da cidade. Vive num apartamento numa das ruas mais movimentadas do centro histórico, junto à famosa rotunda cibernética. Leva hoje uma vida pacata, salpicada de vez em quando com uma deslocação a Alvalade para ver o seu Sporting. Regularmente dá um salto até Sesimbra, onde passa uns tempos. É o merecido descanso do guerreiro depois do bulício de décadas dividido entre a medicina e a actividade associativa.Retalhos da vida de um médicoFoi na guerra colonial, em Angola, que Bento Baptista se confrontou com os primeiros grandes desafios como médico com a patente de tenente. Em 1962 foi mobilizado pela segunda vez e embarcou algum tempo depois rumo a África. Esteve em São Salvador do Congo e na Lunda. Antes de rebentar a guerra no Ultramar já tinha cumprido o serviço militar obrigatório, parte dele na Escola Prática de Infantaria em Mafra. “Em África éramos obrigados a fazer tudo. Essa era a nossa especialidade e posso garantir que salvámos muita gente”. A meio da década de 60, de regresso à metrópole decide sair da tropa e estabelece-se em Tomar, onde tinha aberto uma clínica privada para onde vai trabalhar. Torna-se também médico da fábrica de papel da Matrena e do Regimento de Infantaria 15 e do Hospital Militar de Tomar. Dá ainda aulas no Colégio Nun’Álvares. Mais tarde foi médico do Hospital de Tomar, actividade que compatibilizava com o exercício da medicina no seu consultório privado.

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