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O herdeiro da arte de trabalhar a carne

O herdeiro da arte de trabalhar a carne

João Luís Bento é responsável de qualidade numa salsicharia centenária

Sonho de ser veterinário deu lugar à criatividade no fabrico de novas carnes fumadas. Irmãos suspenderam estudos para auxiliar os pais na gestão da fábrica de enchidos.

“O que me dá prazer é transformar a carne, dar-lhe sabor, durabilidade e aroma”, diz João Luís Bento, responsável pela qualidade numa empresa centenária de salsicharia em Vialonga. Na casa onde António Garida, bisavô de João, começou há quatro gerações o negócio das carnes fumadas, o gosto pela salsicharia mistura-se com os imprevistos da vida. João Bento queria ser veterinário desde pequeno. Ao 12.º ano, na escola profissional do Montijo, juntou um curso de técnico industrial de carnes, e aspirava seguir para o Instituto Politécnico de Santarém. Os investimentos da empresa, e vários problemas de saúde de pai e mãe, levaram-no, e à irmã, com 18 e 22 anos, a optar por entrar de imediato no negócio da família. João, que conta 33 anos, não estranhou trabalhar no local onde ajudava os pais durante as férias da escola e arregaçou as mangas.“Em cada dia tenho funções diferentes nas instalações. Trabalho na parte operacional da salsicharia e na supervisão de qualidade, de que gosto mais”, explica João Bento. O técnico vai buscar aos seus gostos pessoais a inspiração para desenvolver os produtos que comercializa. “Gosto de cozinhar e experimentar receitas. Se pensarmos bem, esta fábrica funciona como uma cozinha em grande escala, só que com a responsabilidade de os cuidados que temos com a nossa alimentação terem de ser redobrados, porque estamos a colocar os nossos produtos no mercado”, conta a O MIRANTE. Cada enchido passa por várias fases antes de chegar às prateleiras dos supermercados. No caso do chouriço de carne, as carnes magras, da pá ou da entremeada são cortadas, moídas e condimentadas com sal, massa de pimentão e especiarias, ficando a tomar gosto durante algum tempo. A carne segue em carros para um robot, onde é elevada e introduzida por máquinas nas tripas, previamente preparadas. Depois, é à mão que se ata cada enchido, que vai ser seco em fumo de azinho, numa estufa para o efeito. Para cada tipo de enchido são seleccionados condimentos diferentes. Ao paio de vinho com ervas aromáticas, João Bento adiciona um vinho alentejano tinto. Para o tradicional paio de receita alentejana, o vinho branco é a solução. No caso dos aditivos, compostos por fécula, sal e aromatizantes, os operacionais são responsáveis pela colocação das quantidades, mas a preparação é feita por um laboratório da área. “É mais seguro, tanto para os consumidores como para nós”, refere João Bento. “Desde há cerca de 17 anos, tudo mudou nesta área. Antigamente, a preparação dos enchidos era toda manual, enquanto hoje dominam as máquinas. Antes, a base do fabrico estava no esforço físico, na medição dos pesos e quantidades sem uniformização. Agora, as novas regras melhoram a qualidade do que comemos”, sublinha o responsável. E até o gosto dos consumidores pode obrigar a alterar uma receita secular. “As pessoas têm mais cuidado com o sal. Gostam de coisas condimentadas, com ervas ou alguma pimenta especial, mas menos salgadas. E nós reduzimos o sal nos enchidos”, relata. A saúde e as recomendações dos profissionais de saúde também influenciam o mercado. João Bento defende que a banha de porco, utilizada até há algumas décadas na maior parte das receitas de carne, não é pior para a saúde que as margarinas vegetais. “Só faz mal se as utilizarmos em quantidades excessivas”, explica o profissional. Os materiais utilizados para envolver as carnes nos enchidos também obedecem às tendências da saúde e do mercado. “Tento sempre que todos os enchidos possam ser envolvidos em tripa natural. As únicas excepções são o chouriço corrente e os chourições”, que são embrulhados em fibra de colagénio, de fácil digestão. Como enchido preferido, João Bento elege os torresmos soltos, “quentinhos, mas em pequena quantidade, apenas para satisfazer o desejo”. E afirma que tanto os torresmos, soltos ou em bloco, e o chouriço de carne são os produtos mais populares. Em ambos os casos, como no de outros produtos, repete uma máxima de que gosta: “Só se sobrevive no mercado com qualidade. Produzir em grande quantidade e a bom preço já não chega”.
O herdeiro da arte de trabalhar a carne

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