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Sessenta e seis anos a abrir valas nos campos de Azambuja

António dos Santos Redinha foi homenageado pelo grupo “Os Casaleiros”

Num tempo em que as máquinas não entravam nos campos era pela força dos braços dos homens que se abriam as valas. António dos Santos Redinha, o cavador de Casais de Baixo, Azambuja, é uma figura etnográfica viva que o grupo “Os Casaleiros” homenageou.

Em frente à casa térrea, caiada de branco, vislumbram-se sulcos de uma horta que se perde de vista, numa rua de Casais de Baixo, em Azambuja. Não são valas como as que António dos Santos Redinha abria nos campos, em plena lezíria, para lá da linha de caminho de ferro, mas pequenos regos para servir a rega de um casal de agricultores. António dos Santos Redinha, 85 anos, uma figura etnográfica da terra, homenageada em Março pelo grupo “Os Casaleiros”, é um dos antigos valadores dos campos de Azambuja. De um tempo em que era a força dos braços que impulsionava a pá de valar, longe ainda das máquinas que afastaram muitos homens do campo.O valador preparava os terrenos para receber as culturas e também semeava. As valas eram abertas seguindo a sirga, uma corda arramada a estacas que definia o percurso. Valas abertas no campo para semear tomate e melão. Nesse tempo trabalhava-se de sol a sol. O almoço tomava-se às 10h00, que o dia começava cedo. Por volta das três da tarde já os ranchos se preparavam para o jantar. Com o dinheiro da jorna, a dez escudos [cinco cêntimos] por dia, levava-se o “farnel” possível. Torricado, açorda ou petinga que hoje António dos Santos Redinha compra para os gatos.“As mulheres ganhavam menos”, sete escudos e quinhentos, confirma Elvira da Conceição, esposa de uma vida. Em breve completam 61 anos de casamento. Às vezes as mulheres cantarolavam, em jeito irónico, a canção do 'cucu' a tentar despertar os capatazes para a hora de “despegar” do trabalho. Foi nesses anos de trabalho debaixo de sol que o valador conheceu a sua companheira de décadas. “Carregava menos a gamela”, diz com um sorriso rasgado. O recipiente de madeira com terra, que as mulheres transportavam à cabeça, levava cerca de 15 quilos. “Enchia primeiro a das outras e só depois a minha”, revela a mulher, confidente.“Nenhum patrão deu dinheiro por mal empregue. Primeiro porque nunca gostei de estar parado. Segundo porque sempre tive ferramentas para fazer o meu trabalho”, diz orgulhosamente o antigo cavador enquanto mostra as tesouras de podar vinhas que tem numa oficina do quintal. “Esta custou-me uma semana de trabalho”, recorda António dos Santos Redinha que também teve como instrumento de trabalho uma gadanha para roçar as ervas. António dos Santos Redinha, o mais velho de sete irmãos, começou a trabalhar aos 12 anos. Primeiro a guardar ovelhas. Depois como valador. Nunca chegou a ir à escola. Assentou praça nas Caldas da Rainha. Durante o tempo de tropa foi guardador de porcos. Fazia o percurso a pé por falta de dinheiro para o autocarro. Seguia de madrugada para o quartel, com um grupo de tropas, por atalhos e florestas. Trabalhou uma temporada na vinha da “Coitadinha”, em Alcochete, onde preparava o almoço dos homens, e rumou ainda ao Alentejo a trabalhar em cima das debulhadeiras, mas foi na lezíria que passou grande parte do tempo de valador. A reforma é baixa e na rua do Redinha continua a praticar-se a agricultura de subsistência. Na horta há cebolinho e couves, mas é sobretudo Elvira quem garante a manutenção do espaço. O filho do casal vive em Vila Nova da Rainha, terra de Elvira, para onde a mulher seguiu muitas vezes a pé em busca do avio. Nesse tempo a vitalidade ainda permitia a António dos Santos Redinha dar uso ao lagar que tem junto à casa de habitação. Agora pesam no corpo as marcas de mais de sessenta anos a abrir valas nos campos de Azambuja.

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