uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante
“A música tem sido o meu amparo”

“A música tem sido o meu amparo”

Augusto de Carvalho Rodrigues, mais conhecido por “Picasso”, tem 83 anos e toda uma vida dedicada à música. Começou a tocar aos 12 e ainda hoje está a aprender acordeão. Natural de Lisboa, passou por Viseu e desde 1948 que está em Alhandra. Uma história de amor a uma arte. Jorge Afonso da Silva

Nasceu em Lisboa a 20 de Fevereiro de 1926 e três anos depois rumou até Viseu, para onde o seu pai, que era polícia, tinha sido transferido. Criado na província, aos doze anos começa a beber as influências da música e apaixonar-se pela arte de tocar. Com vinte já tocava bombardino. Mais tarde regressa à capital para “fazer a tropa” mas o destino quis que “ficasse livre” do serviço militar. Augusto de Carvalho Rodrigues, de seu nome artístico “Picasso”, decidiu não regressar mais ao Norte. Depois de uns dias passados em Alverca, em 1948, mudou-se definitivamente para Alhandra atrás do seu sonho. “Como já estava músico feito foram favas contadas. Deram-me farda, um instrumento e entrei para a banda da Sociedade Euterpe Alhandrense”, revela Picasso, onde esteve durante alguns anos.Depois dessa experiência que muito o honra, Augusto de Carvalho Rodrigues, formou três agrupamentos musicais. As Sereias, os Picassos e as Melodias. “Os grupos estão aqui. Eu era este”, aponta Picasso para uma das muitas fotos que tem num quadro, posto na loja que tem em Alhandra.Mas os primeiros tempos na terra que acolheu Soeiro Pereira Gomes não foram fáceis. Durante algum tempo o músico teve de pegar no seu carro funileiro, cheio de ferramentas, e ir pelas ruas de Alhandra, arranjar aquilo que as pessoas lhe pediam para concertar.Augusto de Carvalho Rodrigues nunca deixou a música mas como o dinheiro ganho não era muito teve sempre de trabalhar noutras profissões. Depois de andar pelas ruas, montou mesmo uma oficina de funileiro mas as coisas não correram bem. “Fechei e depois fui para uma sapataria. Mas como também não dava nada decidi instalar-me uma loja, onde vendo de tudo um pouco e até se amolam tesouras ou afiam-se facas”, revela o também comercianteO Alhandrense criou ainda uma escola de música e já perdeu a conta ao número de alunos que passaram pelos seus ensinamentos. Orgulhosamente guarda numa parede as fotos de muitos dos seus “discípulos”. “Alguns estão em bandas e quando vêm até Alhandra tocar em bailes, lembram-se de mim e dizem. Olha o meu professor”, conta “Picasso” com um brilho nos olhos.Augusto de Carvalho Rodrigues tem dedicado toda a sua vida à arte de tocar e diz que só vai parar quando morrer. “O meu bem é amar a música. Ela tem sido o meu amparo”, garante o músico, enquanto se coloca em posição para tocar órgão. Um dos quatro instrumentos em que é mestre. Toca ainda bandolim, viola, bandola e aos 83 anos está a aprender acordeão.Apesar da idade o discurso é fluente e lúcido. O segredo de tanta “juventude” é simples. “Não tenho tendência para o álcool, drogas ou tabaco. Depois, há mais de 50 anos que vou às termas de Monte Real que é a minha fonte de saúde física. A música tem sido a minha cura espiritual”, revela o bem disposto “Picasso”.Nas últimas duas décadas, o músico tem percorrido algumas das freguesias do concelho de Vila Franca de Xira, levando de uma forma gratuita a sua arte. “Faço porque gosto. Não levo dinheiro a ninguém”, garante.Augusto Carvalho Rodrigues recebeu o galardão de Mérito Cultural e Artístico de Alhandra. O executivo da junta local justifica a entrega do diploma com o amor à música e ao gosto de tocar para os alhandrenses, ao longo dos anos. “É um reconhecimento daquilo que faço por aí, que julgava que caía em saco roto mas não”, disse orgulhoso Augusto de Carvalho Rodrigues, “Picasso”.“Alhandra é boa terra”Apesar de não ser natural de Alhandra sente-se Alhandrense depois de mais de seis décadas a viver na terra. Recorda que na altura que chegou de Viseu sentiu algumas dificuldades. “Vinha habituado a votar mas muitas pessoas faziam greve na altura e eu era mal visto”, conta “Picasso” com um sorriso. Na sua opinião Alhandra é uma boa terra que o recebeu bem e que nos últimos anos tem estado a sofrer algumas modificações para melhor. “A presidente da câmara tem feito coisas bastante aceitáveis que nunca se tinham feito na terra”, salienta o Alhandrense.O dia em que foi proibido de tocar em Vila Franca de XiraSentado junto à estátua de Alves Redol, na rua que tem o nome do escritor, Augusto de Carvalho Rodrigues “animava a malta” na tarde de domingo, 19 de Julho, ao som da sua “musiquinha popular”. Até que, de repente foi surpreendido. “Chegou a Guarda, começaram a barafustar e mandaram-me parar”, conta “Picasso”.O músico diz que prontamente obedeceu às ordens, mas não entendeu a atitude nem as razões dos agentes da autoridade, uma vez que Vila Franca de Xira o “aceitou de braços abertos”. “Picasso” apresenta-nos então uma autorização assinada pelo presidente da Junta de Freguesia local, José Fidalgo, datada de 2006, que o habilita a tocar em Vila Franca de Xira. “Disseram-me que a autorização já tinha caducado. Mas aqui não diz até quando é que é válida. Só tem data de início”, observa o músico.Augusto de Carvalho Rodrigues foi falar com o presidente da junta de Vila Franca e expôs-lhe o caso. A resposta do autarca, segundo o músico foi. “Em vez de tocar ali, toque na parte de cima. Mas não deixe de tocar. Toque sempre”. E é o que “Picasso” irá continuar a fazer. Segundo ele, até ao último dia da sua vida.
“A música tem sido o meu amparo”

Mais Notícias

    A carregar...