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O dia em que o burro Jerico foi um herói em Abrantes

O dia em que o burro Jerico foi um herói em Abrantes

Empresário leva animal em protesto para a frente da câmara municipal

Asno só não entrou dentro do edifício porque se assustou com as portas envidraçadas.

“Jerico foste um herói”. Foi deste modo que o empresário Jorge Dias terminou talvez o protesto mais original a que Abrantes terá assistido nos últimos tempos. O sol tinha raiado há pouco tempo na manhã de sexta-feira, 21 de Agosto, quando o empresário se levantou e tratou dos animais na sua quinta localizada em Chainça, a cerca de seis quilómetros da cidade. Mas houve um deles que teve direito a um pequeno-almoço reforçado: o burro Jerico. Farinha e muita palha. Às oito da manhã, fez-se ao caminho com destino traçado pelo inconformismo do seu dono: um protesto em frente à Câmara Municipal de Abrantes. Jorge Dias, homem com uns portentosos cem quilos, optou por não sobrecarregar o animal que considera da família e fez toda a jornada a pé. Não que ele não aguentasse, mas o problema era que se teria que descansar pelo caminho. O burro, também ele bem constituído, apresenta um pêlo lustroso, hoje libertado do peso da albarda. Fez a alegria de muitas crianças na primeira festa que se realizou no Parque de São Lourenço, em Abrantes, e chamou a atenção do empresário que, de imediato, o comprou a um agricultor da região. Já passaram dez anos e Jerico continua a ser um dos animais preferidos, o único burro entre os mais de trezentos animais (entre cães, patos e ovelhas) que Jorge Dias diz possuir. Perto das nove horas da manhã, dono e burro entram no perímetro urbano. O animal sacia a sede na Praça Raimundo Soares, em frente aos Paços do Concelho. A presença do animal em pleno centro histórico agita as atenções. ”Quanto custa este animal?”, alguém pergunta. Jorge Dias responde que não está à venda. É de estimação. Insistem em saber. “Talvez cem contos mas nunca o vendia”, assegura. Avança-se até à Praça Barão Batalha, por entre pessoas nas esplanadas e lojas de comércio, algumas incrédulas ao que assistem. As crianças deliram com o animal. Os mais velhos recordam tempos idos em que o mercado trazia muitos vendedores montados em burros até à cidade. A jornada vai a meio e Jerico lembra-se que está na altura de adornar com as suas fezes as ruas empedradas da cidade. A primeira descarga intestinal sai rápida, enquanto o dono o prende a mais uma fonte. “Não faz mal, os serviços (de limpeza) da câmara existem para alguma coisa”, aponta Jorge Dias sem uma pinga de preocupação. A comerciante da loja de roupas em frente é que não acha muita piada. “Isso agora vai ficar aí o dia todo”, reclama. O burro bebe mais água da fonte e contorna a praça, guiado pelo dono, agora por um caminho ainda mais estreito. Mais à frente, o protesto ganha relevo quando encontra Isilda Jana, vereadora da cultura na autarquia. O insólito da situação quase que a deixa sem reacção. A voz de Jorge Dias eleva-se. Acusa a câmara de, entre outras coisas, boicotar os seus projectos empresariais. A plateia de improviso acaba por sair apressada. Jorge Dias não quer esperar mais e segue firme em direcção aos serviços da Divisão de Urbanismo da câmara, a poucos metros. As pessoas sorriem à passagem do animal. Fazem comentários diversos. “É para mostrar que há por aqui gente mais burra que este burro”, justifica a quem pergunta. Polícia nada pode fazerAlgumas dezenas de pessoas, a maioria homens reformados, concentram-se na praça para assistirem de camarote à cena. Jorge Dias estava decidido a entrar com o animal dentro do edifício mas, desta vez, Jerico não colabora e emperra. O dono insiste. Mas Jerico é um burro teimoso e mantém a sua posição. As portas envidraçadas assustam-no. Acaba por atar o animal ao ferrolho de uma das três entradas possíveis. Lá dentro, os funcionários franzem o sobrolho ao que se passa mas continuam a fazer o seu trabalho como se nada fosse. Só a chefe dos serviços vem saber o que se passa e chama mais tarde a polícia, que diz que nada pode fazer uma vez que o animal não está a perturbar o normal funcionamento dos serviços. Durante duas horas, Jerico permanece impávido e sereno, debaixo de um sol escaldante, enquanto o dono escreve quatro queixas no Livro de Reclamações. Uma delas prende-se com o impasse do negócio da venda de um terreno em Abrantes para instalar o complexo médico-social “Ofélia Clube” onde poderia vir a ganhar 2,5 milhões de euros.Jerico zurra algumas vezes e o dono diz que é por sentir a sua falta. Muitas pessoas aproximam-se, tiram fotografias mas poucas ousam tocar no animal que, entretanto, decide fazer outra descarga intestinal mesmo à porta dos serviços. É meio-dia quando termina o protesto. Valeu a pena? Jorge Dias diz que sim, apesar de ninguém com responsabilidades no executivo camarário o ter vindo questionar sobre as razões do seu protesto, adequado a alguém que considera já nada ter a perder. Antes de dar meia volta e regressar à quinta dá umas palmadinhas na cabeça do burro. Para a próxima, promete trazer os seus sete cães.
O dia em que o burro Jerico foi um herói em Abrantes

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