O artista que pinta por fúrias e que gostava de ser fadista
Mauro Silva cresceu em Vila Franca mas mora em Samora Correia
Sempre sentiu ter o dom da pintura mas só há quatro anos é que resolveu passar para as telas o que lhe ia no pensamento. Mauro Silva é um jovem pintor de 28 anos que cresceu em Vila Franca de Xira, mora em Samora Correia e também canta.
“Pinto por fúrias. Numa semana faço três ou quatro telas ou então passo três semanas sem agarrar no pincel e na tinta”, conta Mauro Silva na garagem, transformada em atelier, onde dá asas à criatividade e guarda os quadros que vai pintando. O jovem, de 28 anos, nasceu e cresceu em Vila Franca de Xira, mas há quatro mudou-se para Samora Correia, altura em que decidiu dedicar-se à pintura. Ao longo da vida cruzou-se muitas vezes com as artes. Em pequeno adorava desenhar a carvão e sépia. Mais tarde, concluiu o ensino secundário do curso tecnológico de design na Escola Secundária Professor Reynaldo dos Santos em Vila Franca de Xira. Depois de uma paragem de quatro anos nos estudos, ingressou no ensino superior, no curso de professor de educação visual e tecnológica. Não o acabou, mas a experiência fez-lhe despertar o dom, que até então, estava adormecido. “Fizemos um trabalho de final de ano com tintas acrílicas em papel cenário. Um colega experimentou a tela, achei engraçado e arrisquei. Comprei umas telas e comecei a pintar”, relata Mauro Silva, que a partir dessa altura nunca mais parou de dar cor à imaginação.É no silêncio da garagem que se sente livre e à vontade para poder dar asas ao processo de criação. “Acho que é tão natural como andar”, confessa o artista que pinta a óleo, pastel de óleo, pastel seco, acrílico, sépia e carvão. Já fez duas exposições. A primeira em conjunto com uma colega que pertence ao Grupo de Artistas e Amigos da Arte (GARTE) e uma outra em nome individual na Casa da Juventude do Sobralinho, com trabalhos realizados a sépia. É com orgulho que revela ser neto do campino Mário Silva, mais conhecido por “Mário Sardão” – homenageado a titulo póstumo com o pampilho de honra nas festas do Colete Encarnado em Vila Franca de Xira – e filho de António Teodoro “Sardão”, também ele campino.Ribatejano e descendente de uma família ligada à lide do campo, Mauro Silva pinta a realidade com a qual convive. “Nutro um carinho especial por cavalos e toiros. Ao nível da pintura, desde a textura da pele ao contraste da luz e da sombra passando pelos volumes, tudo isso é possível com esses animais”, garante o pintor. Que deixa um recado: “Não só na pintura, mas em qualquer arte, temos de fazer aquilo que nos faz sentir felizes”.Normalmente usa uma fotografia e transpõe a imagem para a tela. Mas o resultado final não é uma cópia fiel, nem esse é o objectivo. “A cabeça daquele cavalo não é assim. A partir da imagem dou o meu cunho pessoal e a minha visão das coisas”, assegura Mauro Silva, apontando para uma tela colocada ao lado de uma outra, esta com uma figura que saiu da sua imaginação. “Sonhei esta imagem. É a Amália com uma rosa e uma guitarra portuguesa”, explica o pintor. Mauro Silva diz que não gostava da canção portuguesa, até ao dia em que alguém lhe pediu para dedicar algum tempo a tentar perceber o fado. A partir dessa altura ficou apaixonado. “Gostava muito de um dia de ser fadista”, revela o também cantor (ver caixa). O artista também pinta nus. Frequentou um curso particular de retrato, durante algum tempo em Lisboa, ministrado por uma pessoa ligada às belas artes. “A partir daí comecei a ter mais noção das figuras humanas e a recriá-las”, conta o jovem, que gosta mais de pintar durante o dia, altura em que o trabalho lhe rende mais.Na sua opinião, os portugueses já começam a olhar para as artes em geral e para a pintura em particular de uma maneira diferente. Mas ressalva que ainda há um longo caminho a percorrer. “As pessoas não dão o devido valor quando colocamos um preço num quadro. Dizem sempre que é caro”, revela. Mas confessa que “se pudesse ficava com todos os quadros que pinto. Sempre que alguém quer adquirir um trabalho meu, sinto que me estão a levar um pouco de mim”.Pintura e música complementam-seA música é o outro grande sonho de Mauro Silva. Se o dom da pintura só se revelou aos 24 anos, o da música sempre esteve presente na vida do jovem. Teve uma passagem por um grupo de baile e depois seguiram-se os Karaokes, dos quais vai vivendo agora, uma vez que se encontra desempregado. Além disso faz parte de uma banda de tributo aos anos 80, “Oitentamente”, que cantam os grandes sucessos da década. A 20 de Setembro vão dar um concerto no Pavilhão Atlântico, em Lisboa, na Sala Tejo.Canta ainda música popular portuguesa e fado. Teve formação musical ao nível do canto lírico. Esteve dez anos no coro Notas Soltas de Vila Franca de Xira. “Aprendi muito nesse período e gosto muito de canto lírico. Desde o cariz mais popular até ao cariz sacro”, salienta. Consciente das dificuldades, Mauro Silva espera continuar a pintar e a cantar. “Quero ser acima de tudo eu próprio. Não consigo deixar de ser cantor para ser pintor e vice-versa. As duas coisas estão ligadas em mim”, garante o artista, que sonha um dia vir a ser fadista.“Sinto-me um pouco à parte do mundo de hoje”Mauro Silva tem uma visão bem real da situação actual do país. No seu entender a sociedade atravessa uma crise de valores. “Falta acima de tudo, muita verdade e respeito. Mesmo de quem nos governa. As pessoas a certa altura começaram a olhar demasiado para si próprias e começaram a esquecer que ao lado há alguém que também tem as mesmas necessidades e sentimentos”, lamenta o artista. Por isso, Mauro Silva diz que se sente um pouco à margem da realidade. “Vivo demasiado o meu mundo, as minhas preocupações e emoções. Por isso a pintura e a música servem para colmatar um pouco esse meu isolamento”, confessa.
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