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Futuro do Ateneu Artístico Vilafranquense depende da venda de anexo para habitação

Futuro do Ateneu Artístico Vilafranquense depende da venda de anexo para habitação

Mário Calado é o único voluntário para assumir a direcção da colectividade
Mário Calado é quem irá assegurar a liderança do Ateneu Artístico Vilafranquense, uma colectividade com 118 anos, que vive uma crise associativa e financeira com uma dívida que ascende a 430 mil euros. O único voluntário para tomar a dianteira dos destinos da instituição garante que o futuro da associação depende da venda do anexo, situado entre o edifício da junta de freguesia e o do ateneu, que vai ser aproveitado para habitação.Já existe uma lista formada para a direcção do Ateneu Artístico Vilafranquense (AAV)?Ainda não. Preciso de fazer mais contactos para ver se é possível arranjar um grupo de nove a onze pessoas para formar a lista e finalmente tomar conta do ateneu. Espero ter a lista definida dentro de dias e apresentá-la na assembleia de 30 de Outubro. Mas admito que não está a ser fácil.Liderada por si?Não vejo mais ninguém. Gostava que houvesse mais pessoas a mexerem-se e a mostrarem interesse em pegar nas rédeas da instituição. Numa determinada altura cheguei a acreditar que isso seria possível, mas agora já não. Ninguém se quer comprometer com cargos directivos. Mas deixo o apelo.E se não conseguir formar a sua lista?Não quero acreditar nessa possibilidade. O ateneu não está em condições de esperar mais. A situação é muito complicada para que se continue com uma comissão administrativa.É difícil fazer a gestão com uma comissão administrativa?O ateneu tem problemas muito graves que podem decidir em última análise o futuro da colectividade. Há compromissos financeiros para cumprir com o BES e com outros credores. Só com uma direcção é que se podem dar passos em frente e fazer contactos produtivos. A comissão administrativa não o pode fazer da mesma forma, apesar do esforço e dedicação das pessoas nos últimos oito meses de comissões.Qual é a dívida do AAV?Ronda os 430 mil euros. Devemos cerca de 283 mil ao BES, 106 mil à empresa Alberto Mesquita, responsável pela conclusão das obras do auditório e 18 mil euros à PAL. Além de outras dívidas menores que também temos por liquidar.Essas dívidas arrastam-se desde quando?Contraímos um empréstimo junto do BES de 250 mil euros para arrancarmos com as obras da conclusão do auditório, inaugurado em 2004. Até à minha saída, em 2006, apesar das dificuldades, pagámos todos os juros e fizemos um abatimento à dívida. Em Julho último conseguimos renegociar o contrato com o BES.Mas a situação agravou-se nos últimos três anos. Foi má gestão?O ateneu deixou de ter capacidade financeira para continuar a cumprir os compromissos. Penso que os apoios foram reduzidos e acredito que não houvesse condições. As pessoas que me sucederam vieram com ideias diferentes. Ouvi dizer que a colectividade devia ser gerida como uma empresa. Não concordo. Mas quero acreditar que todos os dirigentes fizeram o melhor que podiam e que sabiam em prol do ateneu e não agiram com más intenções.Que novo contrato é esse com o BES?Neste momento estamos num período de carência de juros. Durante os próximos dois anos, até Maio de 2011, não temos que pagar nada ao banco para que o ateneu consiga respirar um pouco e possa resolver os seus problemas.Mas tiveram que dar uma contrapartida…Apresentámos como garantia o anexo que fica entre a junta de freguesia e o edifício do ateneu. Nesse espaço existe uma sala de aulas de ballet, de música e é onde ensaia o coro e desenvolvem-se outras actividades. Em 2011 se o ateneu não tiver o dinheiro o anexo passa para a posse do banco?Em Maio de 2011 precisamos de ter o dinheiro para cumprir as nossas obrigações. Se isso não acontecer, teremos mais um ano para podermos resolver o problema da dívida, mas a partir dessa altura o banco começa a cobrar juros novamente. Se passado esse período não pagarmos o que devemos, o BES fica com o espaço. Onde pensam arranjar o dinheiro?Vender o anexo e construir naquele espaço um prédio com sete ou oito andares para habitação. Está previsto no projecto inicial que o rés-do-chão e o primeiro andar fiquem para o ateneu de forma a garantir que ficámos com a mesma área de trabalho que hoje já temos naquele local para podermos continuar a desenvolver as nossas actividades. Não sei se será renegociado mais tarde, mas o projecto está a evoluir nessa base. Essa obra irá permitir arranjar o dinheiro para pagar as dívidas e ficaremos ainda com alguma coisa para fazermos melhoramentos que são importantes na colectividade.O espaço está licenciado para construção?Sim. Só estamos à espera que o projecto esteja concluído para dar entrada na câmara. Quando pensa entregar o projecto na câmara?Dentro de algumas semanas. Depois haverá um concurso e as coisas seguirão os trâmites normais. O BES terá sempre uma palavra a dizer mas o que eles querem é receber o dinheiro, penso que não irão colocar qualquer obstáculo à execução do empreendimento. Mas já têm o licenciamento para a construção?Isso não. Mas temos a garantia por parte da câmara de que não haverá nenhum entrave Penso que não vamos ter problemas a esse nível pois as coisas estão bem encaminhadas. Se assim não fosse seria muito mau para a colectividade. É a única solução e esperança para resolver os problemas financeiros. Nesta altura, o ateneu não tem rigorosamente dinheiro nenhum para cumprir os seus compromissos a não ser os das despesas correntes. Os credores estão a pedir contas mas só com a execução deste projecto é que teremos fundos para assumir as nossas responsabilidades. Até lá, é completo engano.Qual é o valor do espaço a ser vendido?Ronda os 550 e os 700 mil euros. Um valor superior às nossas dívidas.Não será vendido por menos desse valor?Era bom para o ateneu que não. Mas dada a conjuntura do sector imobiliário, onde existem algumas dificuldades, espero que consigamos contornar esse facto. A aposta será na construção de andares de qualidade.Acha que em menos de dois anos vão aprovar o projecto e arranjar um comprador?Tenho esperança que apareça algum construtor ou entidade interessada naquele espaço. Se assim não for estará em causa o futuro e a vida do ateneu.É a única tábua de salvação?Absolutamente. E as pessoas que têm estado ligadas à colectividade pensam da mesma forma. O principal projecto do ateneu é este. Resolvendo o problema das dívidas está resolvido o maior problema do ateneu. Depois vamos ter mais capacidade e a cabeça mais disponível para pensar noutras coisas. A existência de um problema desta dimensão e gravidade não nos deixa tempo para pensar noutras coisas.Como definiria a situação do ateneu?Dramática é um termo forte. Mas muito difícil. No entanto acredito que vai aparecer alguém com interesse em fazer a obra dos andares e resolver o problema do ateneu. Se isso não acontecer é que será dramático. Ficaríamos sem o espaço que passaria para o BES e com as dívidas todas por pagar. Nem me passa pela cabeça nem quero admitir um cenário desses. Temos é de aproveitar esta janela de oportunidade e espero que aconteça algo de bom para o Ateneu Artístico Vilafranquense. “Os vilafranquenses estão divorciados do associativismo e do Ateneu”A autarquia tem conhecimento da realidade actual do ateneu?Tem. E a postura da autarquia e da junta de freguesia tem sido de colaboração. A câmara, ainda no meu mandato, quando concluímos o auditório investiu 2 milhões de euros. Agora é preciso acabar algumas coisas importantes que ficaram por fazer para que este auditório tenha as condições e a dignidade que merece. E para dar esse passo em frente contamos com o apoio da câmara e da junta, que gostava que fosse mais efectivo, não só para o ateneu mas também para as restantes colectividade da terra.Que melhorias precisam de ser feitas no auditório?Precisamos urgentemente de um gerador. Temos todo o equipamento de ar condicionado instalado mas não está a funcionar. Durante o Inverno estamos a assistir a um espectáculo ou uma cerimónia e tiritamos de frio. No Verão escorremos água em bica. Mas para isso acontecer é necessário um posto de transformação, que está previsto, mas que ainda não foi colocado. O objectivo é reforçar a potência de electricidade na zona pública para termos capacidade de alimentar as máquinas. Uma casa como esta tem de ter um sistema de incêndio. Temos tudo preparado mas não há dinheiro para comprar as bombas de incêndio e activar o equipamento. Esperamos que as entidades competentes e os vilafranquenses nos ajudem nestas melhorias urgentes.Uma das críticas feitas ao ateneu é que os espectáculos não são devidamente divulgados…A publicidade do ateneu sempre foi complicada. É algo que já abordámos algumas vezes e que no futuro terá de merecer uma atenção da nossa parte. Outra é que a oferta não é muito variada…No que diz respeito à programação de espectáculos o ateneu não tem capacidade para pagar a uma companhia de teatro ou trazer uma peça de teatro de revista. Só se for através de acordos. E quando são espectáculos a pagar as coisas já não funcionam do mesmo modo. Depois, estamos só a 10 minutos de Lisboa, onde há uma oferta incrível com a qual não podemos competir. Mesmo os cinemas tiveram de fechar. Há que analisar bem a questão da rentabilidade. Se realmente vale e pena ou não.Acha que os vilafranquenses estão divorciados do associativismo e do ateneu?Estão. Quando vou à frente da banda do ateneu vejo na rua a alegria das pessoas e as palmas pela nossa passagem. Algumas até se emocionam porque gostam realmente da banda. Ma a verdade é que comparativamente ao núcleo populacional que esta cidade já tem, a relação número de habitantes – sócios do ateneu, é pouca. Serão cerca de 800, 900 sócios que pagam uma cota mínima de dois euros por mês. Para uma colectividade desta dimensão, que movimenta cerca de meio milhar de pessoas todas as semanas nas diversas actividades, é claramente insuficiente.CONTAR OS CÊNTIMOSAs cotas são neste momento a única fonte de rendimento?Sim. Mais as mensalidades das pessoas que praticam aqui as actividades e as verbas que advêm dos protocolos assinados com a junta e a câmara. É com isto que vivemos.E chega para fazer face às despesas correntes?Sempre com muita dificuldade. Nos últimos meses foi dramático ter de andar a contar os tostõezinhos para ver se tínhamos dinheiro para pagar às pessoas e cumprir os compromissos que temos. E estamos a falar só de despesas correntes. Qual é o valor mensal?Entre luz, água e ordenados para os colaboradores, são cerca de sete mil euros.Há algum ordenado em atraso?Podemos dizer que este mês fica tudo em dia.Perante esta situação onde vai buscar motivação para assumir a direcção?(Silêncio prolongado…) Não há quem goste mais do ateneu do que eu. Habituei-me a crescer e vivi aqui os anos mais bonitos e espectaculares da minha vida. Eu e os meus três irmãos tocámos na banda (voz embargada e olhos cheios de água). Tem a ver com o que o ateneu representa para mim. Perante os problemas tenho muita dificuldade em deixar a colectividade neste estado. Alguém tem de vir para aqui. É uma questão sentimental?As coisas não correram da melhor forma, a colectividade continua a ter dificuldades e não aparece ninguém para pegar nas rédeas da instituição. Estou sempre a pensar no problema do ateneu e não aceito que fique mais tempo sem uma direcção. O ateneu não pode ser abandonado à sua sorte. Se soubesse que havia outro grupo que quisesse vir para o ateneu, ficaria feliz até porque tenho outras coisas para fazer na vida. Só que esta também é importante para mim. Não vou deixar o ateneu abandonado. Gostava de pensar que daqui a dois anos pudesse dar a vaga a outra pessoa.Tem essa esperança?O ateneu tem muitos jovens na casa dos 30 e 40 anos que têm muita capacidade e competência para tomarem conta da colectividade. Tenho pena que eles ainda não tenham dado esse passo em frente. Acredito piamente que alguns deles eram capazes de desenvolver um excelente trabalho à frente dos destinos da instituição.E porque ainda não o fizeram?Se calhar ainda são demasiado jovens. Quando entrei no ateneu pela primeira vez tinha 43 anos. Estava longe de imaginar que isso viesse a acontecer, apesar de ter esse sonho desde criança.Cartaxo é local de refúgioMário Calado nasceu em Alverca do Ribatejo por mero acaso mas toda a sua vida foi passada em Vila Franca de Xira. Cresceu em frente ao Ateneu Artístico Vilafranquense e aos 9 anos começou a viver a colectividade de uma forma intensa e foi o fundador da escola de música. Entre 1998 e 2006 assumiu a presidência da instituição fundada a 1 de Maio de 1891. Depois de um interregno de três anos, voltou à colectividade em Fevereiro último para fazer parte das comissões administrativas que desde essa altura têm gerido a instituição com 118 anos. Actualmente está à frente da segunda comissão. Durante oito anos foi autarca e esteve presente na Assembleia de Freguesia de Vila Franca de Xira. Há 31 anos que está na EDP e há seis que trabalha na central termoeléctrica do Carregado. Mas é no casal do Cartaxo que tem o seu refúgio. Sempre que pode ruma até à casa herdada dos seus pais para poder estar em contacto com a terra e a agricultura. Tem consciência que a partir do próximo dia 30 terá muito menos tempo livre para poder usufruir da calma do Cartaxo, uma vez que, ao que tudo indica, irá assumir a presidência do Ateneu Artístico Vilafranquense.
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