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Passado o pesadelo, Jacinta sorri e até consegue perdoar o filho

As memórias da fome e dos maus-tratos recebidos no ano em que esteve sequestrada pela nora e pelo filho estão ainda bem presentes, mas, hoje, Jacinta sorri quando fala da horta que anda a cavar no lar onde foi acolhida.Sentada ao lado do filho, portador de deficiência, Jacinta, 67 anos, vai dirigindo palavras de carinho a Carlos (42 anos) enquanto relata à agência Lusa o pesadelo que viveram em sua própria casa até ao passado dia 1 de Setembro, quando a Polícia Judiciária agiu na sequência da denúncia de um dos seus irmãos.Acolhidos no Lar da Santa Casa da Misericórdia de Salvaterra de Magos, perto da sua aldeia, Fajarda (concelho de Coruche), Jacinta e Carlos podem finalmente comer, ter cuidados de higiene, sair à rua.“Ele esteve fechado com um cadeado e uma corrente num quarto que ainda tinha uma janela. A mim fecharam-me a porta com uma fechadura e uma gamela de ferro e nem janela tinha”, disse Jacinta, lembrando a situação extrema que levou a que o outro filho “pusesse a mão na consciência” e fosse ter com o tio.Jacinta desculpa o filho Ricardo - “é um palerma, mandado pela malvada” - responsabilizando a nora pelos maus-tratos que sofreu, sobretudo depois da morte do marido (“tomou um remédio, matou-se”), em Junho de 2008, data a partir da qual deixou de poder sair à rua, passando a fazer todo o tipo de trabalhos.“Já antes passávamos fome, mas depois piorou”, relata, confirmando que deixou de receber as três reformas (dela, de viuvez e do filho deficiente) e referindo os dias que Carlos passava dentro da banheira, onde defecava, e as refeições resumidas a tomate e a batatas cozidas com pele.A situação de ambos agravou-se nos últimos seis meses - “o Carlos ficava na cozinha e tem as costas todas queimadas com pontas de cigarros, ainda hei-de descobrir quem lhe fez isso” - e sobretudo nos 15 dias que antecederam a libertação, em que ficaram fechados nos quartos.“Ralava-me em saber se ele estaria bem”, disse, relatando que Carlos, como “comia os cobertores com tanta fome que tinha”, foi deitado apenas sobre o plástico que cobria o colchão, o que lhe deixou as costas em ferida.Como nem balde tinha para fazer as necessidades, Jacinta urinava nos lençóis e na fronha da almofada, o que originava cenas de “porrada” - “levei tanto na cabeça que ainda aqui tenho os altos” - e que lhe negassem água. Aponta ainda o nariz do filho, “quebrado” pelas pancadas de um alguidar que a nora partiu na cara de Carlos, diz. Jacinta conta ainda dos banhos de água fria, das pancadas recebidas dos próprios netos - só perdoa ao mais novo, porque tem apenas nove anos, e consegue falar sem mágoa da neta que é filha do seu próprio marido. Depois de ir “na carrinha das perguntas” até à PJ, em Lisboa, Jacinta esteve durante duas semanas no centro de acolhimento temporário da Segurança Social em Santarém, enquanto Carlos foi levado de ambulância para o hospital de Santarém. Acabaram por se reunir os dois, faz hoje um mês, no Lar da Misericórdia de Salvaterra de Magos.Confessa que preferia estar em sua casa, que agora lhe disseram estar selada, mas está grata por finalmente se sentir cuidada, por poder comer bolo - “se estiver aqui quando fizer anos (Março) vou pedir ao meu irmão que me compre um bolo” - e fruta e, sobretudo, por lhe deixarem cavar a horta, onde quer plantar nabos e couves, coentros e salsa.

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