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Um pintor autodidacta que aguça contrastes e pondera os detalhes

Um pintor autodidacta que aguça contrastes e pondera os detalhes

José Carlos Prudêncio, radicado em Samora Correia, Benavente, pinta há 18 anos
O pintor que nasceu no Alentejo, José Carlos Prudêncio, fez da ribatejana cidade de Samora Correia, concelho de Benavente, a sua casa. Nasceu em 1949 em Estremoz. Aos 10 anos desenhava “mal” a igreja da sua terra e depois de vários anos a pintar ocasionalmente dedicou-se às tintas e aos pincéis aquando da reforma. José Carlos Prudêncio é um alentejano que fez da ribatejana cidade de Samora Correia, concelho de Benavente, a sua casa, e decidiu, há 18 anos, dar largas a tempo inteiro ao que a inspiração lhe ditava. Autodidacta e pintor figurativista por convicção, defende a ponderação de cada pormenor nos quadros e não hesita em suprimi-lo se interferir no efeito que quer criar junto do espectador. Os contrastes entre luz e sombra são outra das pedras de toque para o pintor, a quem muito apelidam como um dos mais talentosos do Ribatejo. “Um quadro é feito todo de uma vez ou pode ser feito aos poucos, mas se for muito complexo, o mais que pode acontecer é começar com esboços. Quando se parte para a tela já se tem uma ideia o quadro que se vai fazer. Tem de se ter o quadro pintado na cabeça”, conta José Carlos Prudêncio a O MIRANTE. Para o pintor, “os dias são para pintar, as noites para estudar o que se vai fazer, para fazer esboços”. A noite, diz, é “sempre uma grande companheira, transmite uma certa paz, um certo recolhimento da alma, outra calma para ver as coisas” antes de as passar à tela. Em pleno Outono, embora o clima mal deixe transparecer, José Carlos Prudêncio volta à actividade, que parou na época estival. “No Verão descanso, durante Julho, Agosto e parte de Setembro. Pinto mais no Inverno. Nos dias de chuva, de recolhimento, é quando tudo sai melhor”, conta. No caso do pintor, os modelos eleitos são as gentes do Alentejo e Ribatejo, assim como animais e cenas do quotidiano rural, mas também imagens relacionadas com o mundo da música, jazz e erudita, que muito aprecia. Em jovem, enquanto “todos os miúdos queriam apanhar ninhos e jogar à pedrada, tinha necessidade de pegar num papel de enrolar a manteiga e desenhar”. Em adolescente, os estudos foram concluídos em Vila Viçosa, e de curso comercial na bagagem, foi no Ribatejo que encontrou trabalho, no antigo Banco Pinto e Sotto Mayor. “Não esperava vir aqui ter”, confessa. Mas o acaso ditou parte dos objectos que retrata. “Pintar o toiro bravo é como outro assunto qualquer. É natural porque concerne a esta região. Se vivesse ao pé do mar, seriam cenas à beira-mar. Todos somos testemunhos do local e do ambiente em que vivemos”, admite. A luz e o movimento são as duas dinâmicas de um quadro que mais importância têm para José Carlos Prudêncio. “No Alentejo, a luz é mais iridiscente, o céu é mais alto, sem neblina, a sombra mais marcada. No Ribatejo, os contornos diluem-se. A busca da luz na pintura, é um jogo muito interessante. Não é difícil, mas também não é fácil”, confessa. Na composição das figuras o pintor é selectivo quanto aos detalhes e funde por vezes várias imagens fotográficas num ícone ideal gerado na sua mente. “Só me interessam os detalhes que tenham um carácter informativo para me ajudar a produzir aquela impressão que quero no quadro. Pode haver detalhes que não me interessam, um que distraia não interessa e muitos são eliminados. Por vezes para a cena ter muita força, retira-se o que não faz falta e obtém-se um efeito impressionista”, conta. Em cada quadro, o pintor dá importância também à componente sonora. Quando retrata imagens de músicos, tenta que se percebam a melodia através “dos gestos, da luz, dos instrumentos, numa música da alma”. E busca retratar “trompetes, contrabaixos, coisas que falam da noite, dos nossos fantasmas, a música de fundo da própria existência”. O papel do espectador é relativizado nos quadros que o pintor cria. “Quando pinto, o único espectador presente sou eu. Parto do princípio que, se me agradar, talvez agrade aos outros”. As encomendas que lhe são feitas, admite, “condicionam um pouco o trabalho, mas representam novos desafios em que há o gozo de os tentar ultrapassar”. A escolha do materiais tem recaído sobre o óleo, mas não tem um significado especial. “ Não quer dizer que goste mais que dos outros, é aquele com que trabalho mais. A expressão. Se outro material for mais propício a um trabalho, é mais propício, utiliza-se outro”. No caso dos trabalhos que produz, reconhece que, em alguns casos, “custa a separar-se deles”. O caso mais recente, que já foi adquirido mas ainda repousa em casa do artista, é o retrato de um cavalo, feito a partir da fotografia tirada pelo seu amigo Paulo Torrado. Sobre os seus gostos pictóricos, José Carlos Prudêncio garante que “cada pintor tem um quadro que a grada mais”, mas elege as gravuras rupestres de bisontes inscritas nas paredes das grutas de Altamira, em Espanha, como a sua imagem favorita de entre as saídas do punho humano.”Nunca vi nada que me impressionasse tanto. Quem as criou era um génio. È impressionante ver tanta força e movimento aqueles bisontes, com uma técnica rudimentar. Imagino-o a pintar hoje, com as técnicas e facilidade que há...”, refere. A pintura abstracta, mais longe da sua predilecção, ligada ao figurativo, não o deixa no entanto, indiferente. “Quando é feita com honestidade, diz-nos quase sempre alguma coisa. de que se gosta, não se sabendo explicar porquê. Há um gesto fácil do artista. Mas noutras ocasiões, parece que as tintas estão mal misturadas, são amassadas contra a tela”, avalia. No seu caso, é com sentimento que deixa cada gota de tinta no seu lugar. “Quero pintar até morrer e tenho muita pena se for impedido e o fazer. Enquanto pinto sinto que estou a fazer alguma coisa”, resume, em tom existencialista. “Há pessoas que não têm sensibilidade para a pintura” Pintar significa, para José Carlos Prudêncio, a oportunidade de “preservar para a eternidade um pouco de cada momento”. Muitos dos cidadãos que não visitam as galerias ou museus onde tantos artistas expõem, poderão discordar. “As pessoas, nos museus têm direito à arte de borla. Há pessoas que não têm sensibilidade para a pintura, simplesmente, e isso parte da sua educação desde miúdos”, nota. No caso das galerias, tomando a óptica dos pintores, aponta uma crítica. “Há galerias com qualidade, mas galeristas à altura, muito poucos. É preciso ter sensibilidade e valorizar os quadros, não apenas o preço que se cobra por eles”, refere.
Um pintor autodidacta que aguça contrastes e pondera os detalhes

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