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De menino da escola do Ateneu a baterista consagrado nos palcos nacionais

De menino da escola do Ateneu a baterista consagrado nos palcos nacionais

Sertório Calado já tocou com as melhores orquestras e cantores portugueses

Nasceu para a música no Ateneu Artístico Vilafranquense, desenvolveu o dom na banda Força Aérea e comprovou o seu valor em todos os palcos que pisou. Sertório Calado toca vários instrumentos mas a bateria é a sua paixão. A trabalhar com Herman José desde 1993, acompanhou as melhores orquestras portuguesas e tocou com grandes nomes da música nacional e internacional. Mora em Aveiras de Cima, Azambuja, mas é Vila Franca de Xira que ama e sente como sua terra. Em Julho foi distinguido pela junta de freguesia com o Campino de Honra pelo trabalho cultural.

Começou no Ateneu Artístico Vilafranquense (AAV) quando tinha apenas seis anos.O Américo Borda de Água – que continua a ser uma referência do Ateneu – decidiu formar uma banda juvenil, com cerca de 40 a 50 elementos, a que deu o nome de Elenco do Ateneu Artístico Vilafranquense. Teve tanto sucesso que era mais solicitado do que a própria banda da colectividade. Lembro-me que esse facto até gerou alguns conflitos na altura. Como era aprender música nessa época?Uma coisa maravilhosa. Nesse tempo, início dos anos setenta, não havia discotecas nem bares. O ponto de encontro dos jovens e da malta mais ligada à área cultural era o Ateneu. Foi onde arranjei grande parte dos meus melhores amigos e onde as pessoas iam beber café e ver televisão. Recordo-me que achava muita piada ao senhor Oliveira, que era primeiro clarinete na banda, quando, com a sua voz grossa, traduzia as legendas dos filmes ao mesmo tempo que se ouvia o burburinho das conversas cruzadas.Depois ingressou na banda principal do Ateneu?Sim. O objectivo dessa banda juvenil era o de pôr os jovens – que estavam a aprender na escola de música – a rodar, a habituarem-se a tocar em grupo e a terem uma disciplina musical mais correcta para que quando chegassem à banda sénior estivessem prontos a tocar. Como conciliava os ensaios com as brincadeiras de criança?Arranjava-se tempo para tudo. Depois das aulas de música e de estudarmos íamos brincar aos toiros, jogar à bola ou às escondidas. Havia tão pouca coisa que a nossa imaginação era muito fértil. Tínhamos todo o tempo do mundo. Lembro-me que depois dos bailaricos, às duas ou três da manhã, regressava a casa sozinho com apenas oito ou nove anos. Os meus pais não tinham preocupação pois nesse tempo não se corria perigo nenhum. As pessoas podiam andar à vontade na rua e desfrutávamos do espaço ao ar livre.Como era essa Vila Franca de Xira?Um lugar pacato, feliz e onde as pessoas viviam felizes. Era uma grande aldeia onde todos se conheciam. Transpirava a cultura dos toiros, organizavam-se muitos bailaricos e tinha os ranchos folclóricos dos Avieiros e dos Campinos. No Ateneu realizavam-se eventos e convívios. Havia diferenças entre a Rua dos Varinos, dos Avieiros ou do Bairro da Lata, ao pé das piscinas, mas todos se davam bem, gostavam uns dos outros e havia grandes amizades. Adorava viver em Vila Franca e continuo a adorar a minha terra.O que mudou?Hoje é uma cidade mais confusa. Não tem muito mais por onde crescer, pois tem um rio de um lado e o Monte Gordo do outro. O desenvolvimento fez com que as pessoas se amontoassem naquele espaço reduzido e se centralizasse tudo. A cidade até nem mudou muito. O que mudou foi o crescimento urbano que é talvez um pouco exagerado. Os Planos Directores Municipais são todos muito controlados mas depois olhamos para a cidade e vemos um amontoado de prédios, casas e pessoas.Acha que perdeu a sua identidade?Vila Franca de Xira é uma cidade importante e continua a manter a sua identidade. Os problemas de circulação automóvel, de estacionamento e de aglomeração de pessoas é que são os piores. Não tem muito por onde crescer mas continua a crescer.Desorganizadamente?Não sei se será um crescimento desorganizado ou se é o possível tendo em conta as circunstâncias. Os responsáveis políticos da cidade querem desenvolver o concelho e para isso têm de fazer crescer a cidade a qualquer custo. Estou-me a referir à freguesia que cresceu bastante ao nível da população e de habitação.Acha que os responsáveis deviam parar e reequacionar a política?Não sou um profundo conhecedor do fenómeno de desenvolvimento da freguesia e mesmo do concelho. O que me faz muita confusão é que cada vez há mais pessoas a amontoarem-se e estão cada vez mais afastadas umas das outras. A ideia de que quantos mais somos mais unidos seremos, não sei se já não se perdeu. No meio de uma multidão as pessoas sentem-se cada vez mais sozinhas.O que o choca na cidade?Quando entro, uma das coisas que me choca bastante é o amontoado de prédios e as dificuldades que tenho em estacionar ou em movimentar-me. É uma cidade tão estreita que dá a sensação de ter uma só rua. É pena pois é uma cidade tão linda com um cheiro e características próprias localizada num sítio privilegiado. Tem o rio Tejo, a Lezíria e o Monte Gordo. Só que a cidade está congestionada. Tem tudo demasiado centralizado num curto espaço. E sempre que venho a Vila Franca sinto-me um bocadinho apertado.Acha que se tornou num dormitório?Achava que a cidade tinha uma vida própria mas falo com amigos meus que vivem lá que me dizem que cada vez mais é um dormitório e que se passa pouca coisa. A Vila Franca de Xira que recordo e que gosto é aquela Vila Franca em que as pessoas vinham de fora visitar um evento qualquer ou porque era o centro das coisas. Mas também não podemos esquecer que estamos a 25 quilómetros de Lisboa que tem tudo. Vila Franca ficou a ganhar com o museu do neo-realismo?Nunca entrei no museu. Mas das opiniões que tenho ouvido por parte de pessoas que moram na cidade parece que foi uma coisa que puseram para ali. Fez-se um investimento de milhões para o retorno que está a ter. Não digo que o museu não seja importante mas eventualmente havia outras prioridades mais prementes no momento do que a sua construção. Tenho dúvidas que tenha sido o melhor investimento dado o custo elevado. Mas, dada a minha falta de conhecimento, não posso dar uma opinião mais cabal sobre o assunto.A que outras prioridades se refere?Já que estamos no campo cultural talvez ajudar as colectividades do concelho que atravessam graves dificuldades. Toda a ajuda é pouca. Mas sem ser na cultura havia outras áreas em que o dinheiro poderia ser mais bem aplicado.“As pessoas também precisam das colectividades”Como era o associativismo há três décadas? Grande parte das colectividades não precisava de dinheiro pois a população dedicava-lhes muito tempo. Era onde as pessoas se juntavam para falar, ensinar e aprender umas com as outras. Ajudavam-se e mutuamente. Hoje em dia o isolamento das pessoas faz com que se afastem das instituições e estas acabam por sofrer e empobrecer com isso. Mas a realidade de hoje é outra e bem diferente.Os dirigentes associativos têm de ter a capacidade de se adaptar à nova realidade e de fazer com que os outros se interessem pelas colectividades. As pessoas precisam de parar um pouco e de perceber que também precisam das colectividades. Há uma tendência de hoje se dizer que ninguém precisa de ninguém. É errado. Cada vez mais precisamos uns dos outros. Da família, dos amigos e de todas as pessoas que nos rodeiam. São as colectividades que juntam as pessoas e que fazem com que elas se gostem. Que tenham amor e interesse pela cultura que é, para mim, a base de desenvolvimento de qualquer povo. Mas quando há uma crise financeira a primeira coisa a ser esquecida é a cultura e as suas instituições.Qual acha que seria a solução para a crise do associativismo?É fundamental que as pessoas saiam de casa, frequentem as colectividades, se informem sobre os seus problemas e ajudem. A cultura é um veículo que faz com que as pessoas se interessem por elas próprias e quando isso acontece também se desenvolvem mais. As colectividades sofrem porque as pessoas simplesmente se esquecem delas. Não o fazem por maldade. Mas sim porque a primeira preocupação nos dias de hoje é com o dinheiro que falta para comprar comida, um bem de primeira necessidade ou algo que nos faça sentir bem. Depois também há alguma falta de capacidade das pessoas que lideram as instituições de chamar as pessoas. E penso que devia haver um apoio mais vincado por parte das entidades políticas.Mas isso não iria criar uma dependência que poderia ser negativa?Os apoios institucionais deverão servir para que, aos poucos, as pessoas que estão à frente das colectividades, fiquem com mais capacidade de chegar mais próximos das pessoas e possam gerir os destinos de uma forma mais desafogada. No caso do Ateneu, que construiu um auditório e tem uma infra-estrutura tão grande, não terá capacidade para conseguir sobreviver só à sua custa. E não é justo que assim seja. Tem talvez o único auditório da freguesia de Vila Franca de Xira e não tem as actividades necessárias. Precisa tanto do apoio dos vilafranquenses como das ajudas do poder político. Mas admito que os responsáveis pelas colectividades devem sair à rua, bater às portas e mostrar o seu trabalho. No fundo tem de haver um trabalho de equipa. Enquanto forem só dois ou três a remar para o mesmo lado e a lutar, as coisas vão continuar a estar mal.Por que é o Ateneu atraía tantos jovens e agora não?Os miúdos têm hoje o seu tempo muito ocupado com a escola. São tantas coisas que têm de estudar e aprender que sobra pouco tempo para o resto. Depois há a diversidade de ofertas que têm sem sair de casa à frente de um computador que faz com que se percam interesses mais simples como o facto de ir jogar à bola ou aprender música. No meu tempo ou tínhamos escola de manhã ou à tarde e sobrava muito tempo para fazer outras coisas. Havia tão poucas alternativas que tínhamos a necessidade de desenvolver a nossa imaginação e de inventar. Hoje tudo está à distância de um botão. Os jovens quase não precisam de pensar e não diversificam as suas actividades.Os jovens optam mais pelo facilitismo em vez de ousar arriscar?Sim. Eles não têm de ter o trabalho de desafiar o óbvio e as coisas e os tempos mudaram. Mas as novas tecnologias não são só negativas. A capacidade que o desenvolvimento tecnológico dá aos jovens e às pessoas é importante e o acesso à informação é cada vez maior. Contudo, o respeito pelo próximo, a maneira de estar afável, alguns dos valores e princípios foram-se perdendo. O lado humano deixou de ter tanto valor. As pessoas não sentem a necessidade de estarem próximas umas das outras nem de se tocarem, de gostarem ou de se ouvirem. Muitas coisas estão feitas. Já têm padrões pré-estabelecidosÉ saudosista dessa época?Guardo com muita alegria todas essas recordações mas não sou saudosista e até gosto dos tempos em que vivemos, do que faço e da minha vida. Tento é adaptar à realidade dos nossos dias os valores que aprendi enquanto criança.Militar e reconhecido pela terra que o viu crescerNasceu a três passos da porta do antigo Ateneu Artístico Vilafranquense (AAV) situado na Rua Gomes Freire, número cinco. Proveniente de uma família humilde, com mais dois irmãos e uma irmã, o jovem Sertório Calado teve desde cedo um sonho: Ser músico e tocar em grandes orquestras. Começou a dar os primeiros passos nos talheres, alguidares e tachos lá de casa. Aos seis anos, ingressou na escola de música do AAV e aos nove já tocava no agrupamento musical “Ária”, juntamente com os irmãos Mário e João, nos bailaricos lá da terra. Mais tarde, viria a fazer parte de um outro grupo chamado “Savane” onde ficou até aos quinze anos. O gosto e a paixão pela arte de tocar foram aumentando à medida que ia crescendo como músico dentro da banda do AAV.Aos 17 anos tomou uma decisão que viria a mudar e a marcar de forma decisiva todo o seu percurso como homem e como artista. Concorreu e ingressou na Banda da Força Aérea Portuguesa (BFAP). Corria o ano de 1983. Entre os 700 militares da sua incorporação, o jovem Sertório foi o único a entrar para a especialidade de músico. Estava dado o primeiro passo rumo à concretização do sonho e à obtenção de uma certa estabilidade financeira. Hoje tem o posto de sargento-ajudante e faz parte dos quadros da instituição militar que diz ser a “única a ter a sua exclusividade”. Confessa que tem muito orgulho na farda que veste e que sente uma enorme honra em tocar numa banda que tem músicos (cerca de 120) de grande gabarito. A partir daí as coisas desenvolveram-se de uma forma natural mas rápida e Sertório Calado viria a concretizar o seu sonho e muito mais passado muito pouco tempo. (ver caixa).Em Julho último viu o seu trabalho reconhecido pela sua terra. Recebeu o Campino de Honra na área do Desenvolvimento Cultural atribuído pela Junta de Freguesia de Vila Franca de Xira. Apanhado de surpresa, diz que nunca pensou que se lembrassem dele e com humildade confessa que havia outros que mereciam igual distinção que muito o honrou, orgulhou e sensibilizou. Sente-se Vilafranquense de corpo e alma mas agradece a Azambuja que o recebeu de braços abertos há dez anos quando passou a viver nos Casais das Amarelas, Aveiras de Cima. O baterista que gosta de ser free-lancer e que recusou vários convitesDepois de ter ingressado na Banda de Musica da Força Aérea Portuguesa muitas portas se abriram para Sertório Calado. O talento e a sua qualidade não passaram despercebidos e rapidamente concretizou o sonho de criança.Integrou as Orquestras Sinfónica, da Gulbenkian, do Teatro de São Carlos e da Felicidade do Brilho e da Glória com quem fez o seu primeiro festival da canção em 1987 a convite, na ocasião, do realizador e produtor da RTP, José Nuno Martins,Em 1988 fez parte da banda que animava o programa de televisão Clubíssimo e começou a ter contacto com um vasto leque de artistas. Em 1993 foi convidado por Pedro Duarte, que era o director musical da orquestra do programa “Parabéns”, apresentado por Herman José. Desde essa ocasião tem trabalhado e continua a trabalhar com o humorista português nos seus programas. Primeiro como percussionista e depois como baterista. Recorda com orgulho o facto de ter tocado com todos os artistas que passaram pelo programaNo “Herman 1998”, repetiu a dose mas há artistas com quem teve a honra de partilhar o palco e de quem guarda com um carinho especial. Tom Jones, Roger Hodgson (ex vocalista da banda britânica Supertramp) e Ivans Lins, seu ídolo de criança. “Arrepiei-me todo. Foi um dos momentos altos da minha carreira”, lembra com um brilho nos olhos, enquanto vai enumerando os cantores e grupos com quem já teve o prazer de tocar. Rita Guerra, Adelaide Ferreira, Anabela, Pedro Abrunhosa, Fernando Tordo, Carlos do Carmo, Paulo Brissos, Quim Barreiros, Afonsinhos do Condado, Santos e Pecadores entre muitos outros.Mas há uma artista que o marcou. Dulce Pontes. Fez várias digressões com a cantora a Espanha e acompanhou-a ao Japão e a outros países. Mas nessa altura, há 13 anos, o baterista além de ter as responsabilidades e as obrigações militares, assumiu gravar com o Maestro António Vitorino d’Almeida uma apresentação com o Grupo de Metais do Seixal, a ser feita em Viena de Áustria, e um disco com Adelaide Ferreira. “Cheguei à conclusão de que não era possível conciliar tudo e decidi desligar-me dos grupos e bandas”, conta Sertório Calado que declinou convites de Rui Veloso e de Tony Carreira para integrar as respectivas bandas. O facto de ser militar não o permitiu.“Mas prefiro ser free-lancer. Nunca sei o que vou fazer amanhã. Sinto-me honrado por todos os convites e admiro os músicos mas o que faço hoje dá-me muito prazer. Faço uma variedade musical que não teria acesso se me pegasse só a um artista”, garante.Integrou ainda programas de Marco Paulo e Roberto Leal. Participou na gravação de dezenas de discos de grandes nomes da música portugueses e trabalhou com reconhecidos directores musicais como Thilo Krassman ou Pedro Osório. Gravou as baterias do espectáculo “Jesus Cristo Super Star” de Filipe La Féria. Já fez alguns trabalhos como produtor musical e pequenas orquestrações mas é a tocar bateria que se sente realmente feliz.
De menino da escola do Ateneu a baterista consagrado nos palcos nacionais

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