“O que faz falta na política é pessoas de coragem”
Paulo Fonseca, novo presidente da Câmara de Ourém, diz que gosta de correr riscos
O socialista Paulo Fonseca ganhou a liderança da Câmara de Ourém à terceira tentativa. O autarca, líder distrital do PS, sabia que se sujeitava a uma travessia do deserto caso as coisas corressem mal. Arriscou mais uma vez e venceu. Pela frente tem quatro anos de mandato condicionados pela débil situação financeira da autarquia.João Calhaz António Palmeiro
Foi deputado e governador civil, mas presume-se que este era o cargo que ambicionava há muito tempo?Gosto muito da minha terra e há muitos anos que ambicionava dar um contributo liderando um conjunto de factores potenciais do concelho. Mas a candidatura agora foi uma ideia nova. Conseguiram convencer-me a retomar esse meu amor já em 2009.Foi preciso uma vaga de fundo para se candidatar pela terceira vez?Foi. Essa vaga de fundo foi relevante. O facto de haver muita gente na rua que se cruzava comigo e me dava força teve importância.Não tinha vontade de se candidatar?Não, porque às tantas a vida muda. Fui desempenhar funções de governador civil, de presidente da distrital do PS. Havia uma lógica diferente que poderia conduzir a outro tipo de patamares. Tendo sido o José Alho candidato há quatro anos, era lógico que fizesse uma segunda candidatura.Havia também o receio de perder mais uma vez?Não. Nunca tive esse receio. Aliás, na noite das eleições apareceram os cartazes a agradecer a confiança dos cidadãos, porque já tínhamos preparado isso.Quando teve a noção de que poderia vencer?Há muitos meses. Desde Maio, quando fizemos a primeira sondagem, que era clara sobre isso. Claro que depois as sondagens valem o que valem e é preciso ir alimentando aquilo que é positivo e corrigir aquilo que não está bem. Senti uma grande onda por todo o concelho. As pessoas queriam mudar de facto.Esta terceira candidatura, caso falhasse, poderia significar também o fim das suas aspirações políticas no concelho de Ourém e mesmo a nível distrital.O que faz falta na política é pessoas de coragem. Tenho consciência que se tivesse perdido as eleições passaria a ser persona non grata em todos os circuitos políticos, como se as minhas qualidades e os meus defeitos tivessem desaparecido de um dia para o outro. E por isso a política é muitas vezes injustamente acusada, mas justamente noutros casos, de ter elementos que não têm coragem e sentido do risco. Há quem prefira estar assim na política, sem correr grandes riscos.Acho até que a maioria prefere estar assim e condeno isso veementemente. Assumi muitas vezes riscos elevados e nunca me dei mal com isso. Tenho orgulho em ter amigos do peito em todos os quadrantes políticos e isso deve-se também à noção do risco. Ao facto de não termos medo de enfrentar situações, com sentido responsável, claro. Nenhum de nós é suicida, mas acho que fazem falta na política pessoas que não dependam da política, que tenham património suficiente para poderem ser livres do ponto de vista do discurso e também pessoas que não tenham medo do risco. À terceira foi de vez. Que condições se reuniram desta vez para ganhar a Câmara de Ourém?Surgiu-me uma frase na euforia da festa da noite das eleições que foi: o balão do medo rebentou. Foi uma frase feliz, espontânea, porque nesta terra ainda hoje existe o medo de falar, de dar a cara, de envolvimento nas questões públicas. E essa dependência vai aumentando até que rebenta. Foram 30 anos de pressões sobre os cidadãos, porque têm um muro para aprovar, uma casa para aprovar…Está a falar de caciquismo?Exactamente, sem qualquer receio das palavras. Acho que era exactamente isso que havia aqui e ainda há, porque acaba por ficar no ADN social das pessoas. Aquela festa da noite eleitoral é bem o espelho da vontade que a população do concelho tinha em mudar de gestão autárquica.A mudança de candidato por parte do PSD pode ter influído.Penso que não. Este candidato Vítor Frazão tinha pouco tempo de liderança da câmara, embora muito tempo de vereação. Desse ponto de vista há sempre um benefício da dúvida dado pelos cidadãos. Se quisermos fazer uma comparação política, o PS teve cinco mil e tal votos nas legislativas em Ourém e nas autárquicas atingiu os doze mil e tal, quinze dias depois. Sete mil votos de diferença num concelho desta dimensão é muito voto. A projecção que atingiu na política a nível distrital deu uma ajuda.Não sei. Estou em crer que tem a ver mais com a projecção enquanto cidadão. Quando alguém cresce na sua terra e se vai envolvendo com os outros de uma forma afectiva e disponível, sempre com um comportamento honesto e dinâmico, vai criando uma empatia e um reconhecimento por parte dos outros. Pode parecer pretensiosismo da minha parte, mas parece que os meus concidadãos depositaram em mim um capital de esperança que me dá uma responsabilidade ainda maior e elevaram bastante a fasquia das expectativas. E eu não posso defraudá-los. Mas peço que me julguem só daqui a quatro anos. Fazer uma campanha como a que fez não deve ter sido barato. Não se continua a gastar demasiado dinheiro nas campanhas eleitorais?O que é barato e o que é caro é relativo. Posso almoçar por 5 euros ou posso almoçar por 50 euros e o bife ser comprado no mesmo talho. Tem a ver com a capacidade negocial, com a forma como procuramos o que é mais barato. Cumprimos a lei que estabelece limites nos gastos. Mandou fazer uma auditoria às contas da câmara dos últimos dois anos. É um acto de desconfiança face ao seu antecessor?Pode parecer, mas é muito mais do que isso. É um direito que me assiste, e aos cidadãos do concelho, de saber qual é o estado da autarquia. É legítimo que quem toma posse pela primeira vez possa saber qual é o verdadeiro estado financeiro e funcional da autarquia e possa dizê-lo a todos os cidadãos.Tem ideia do que vai encontrar na câmara a nível financeiro?É um quadro bastante negro. Tinha dito na campanha que a câmara tinha um passivo de 50 milhões de euros, mas também tinha dito que não conhecia o restante passivo que existia. Que restante passivo?Referia-me às facturações dos últimos meses de 2008, pois sei que foi pedido aos fornecedores para facturarem só em 2009. Faltava a consolidação das empresas municipais e faltava este fartar vilanagem que foram os últimos meses de campanha e pré-campanha em que se colocou alcatrão nos sítios devidos e indevidos, sem concurso e com concurso, de uma forma completamente arbitrária e em que se prometeu este mundo e o outro a cidadãos e instituições com vista a travar a mudança. Isso não está facturado e falta chegar cá esta conta. São compromissos assumidos pela anterior câmara e que esta câmara respeitará, pois tem de ser uma pessoa de bem e honrar os seus compromissos. A sua acção fica desde já condicionada por esse pesado fardo.O povo diz que quem não tem cão caça com gato. Naturalmente que não terá a mesma eficácia. Mas é possível fazer um conjunto de coisas que modifiquem desde logo a relação entre a câmara e os cidadãos na forma como são atendidos, na rapidez da resposta, na disponibilidade para ajudar a resolver os problemas, na visão estratégica para valorizar o futuro do concelho. Vamos ter também no início do próximo ano um congresso do concelho que vai envolver os cidadãos e as instituições para trazerem uma visão exterior sobre o caminho a seguir no curto, no médio e no longo prazo.É uma estratégia pessoal começar por fazer um congresso para mostrar trabalho?Não é uma estratégia pessoal. Estava no programa da campanha. Ourém foi o último concelho do país a ter um Plano Director Municipal. Não há tradição de planeamento. É o único concelho que não tem o cadastro devidamente organizado. Até se diz a brincar que o concelho de Ourém chega até aos Pirenéus, devido à não existência de cadastro. Há aqui uma ausência total de planeamento, uma ausência total de estratégia. É necessária a definição de um rumo, que deve ser partilhado com todos. Passou a dormir pior desde que tomou posse?Não. Passei a dormir melhor, porque mais depressa. Felizmente nunca tive problemas para dormir.A situação financeira da autarquia não lhe tira o sono?Não. Estou habituado a situações difíceis mas naturalmente que me preocupa, há mil e um problemas para resolver. Os problemas têm que ser resolvidos naturalmente e com serenidade. Porque o que se exige desde logo a um presidente de câmara é que seja sereno no raciocínio e na acção.Ao criar um pelouro de Fátima não está a descriminar a sede de concelho? Não, porque quanto melhor estiver Fátima melhor está o resto do concelho e vice-versa. Até agora a estratégia dos nossos antecessores era dividir para reinar. Em Fátima dizia-se que a cidade não tinha aquilo que merece porque o concelho é muito grande; e no resto do concelho dizia-se que Fátima levava tudo. Montaram uma estratégia de dividir o povo do concelho. Acha que Fátima tem condições para ser concelho?Essa questão não está em cima da mesa nem me vou pronunciar sobre ela. Fátima tem é o direito de ter melhores condições de qualidade de vida dos seus cidadãos. E mais: o país precisa que Fátima tenha a visibilidade que merece e para isso tem que reequacionar um conjunto de coisas ao nível do urbanismo, da segurança, do ordenamento do território, da educação, do desporto, etc... São seis milhões de visitantes por ano. Não é brincadeira.O concelho tem tirado desse facto os devidos proventos?Tem tirado um pouco, naquela cadeia estúpida e ausente de planeamento que é a acção-reacção. O que é necessário é começar a planear.O que faz falta na política é pessoas de coragem. Tenho consciência que se tivesse perdido as eleições passaria a ser persona non grata em todos os circuitos políticos, como se as minhas qualidades e os meus defeitos tivessem desaparecido de um dia para o outro. O balão do medo rebentou. Foi uma frase feliz, espontânea, porque nesta terra ainda hoje existe o medo de falar, de dar a cara, de envolvimento nas questões públicas.Ourém é o único concelho que não tem o cadastro devidamente organizado. Até se diz a brincar que o concelho de Ourém chega até aos Pirenéus.O país precisa que Fátima tenha a visibilidade que merece e para isso tem que reequacionar um conjunto de coisas ao nível do urbanismo, da segurança, etc... São seis milhões de visitantes por ano. Não é brincadeira.“Qualquer derrota do PS me custa a engolir”Ainda é líder distrital do PS. O seu partido manteve o número de câmaras no distrito graças à sua eleição e à vitória em Alcanena. As derrotas em Rio Maior e Alpiarça custaram a engolir?Essa é uma resposta de La Palisse…Sim, mas há derrotas que custam mais a engolir que outras.Qualquer derrota do PS me custa a engolir. Porque sou do PS e isso tem as suas consequências. Tal como qualquer vitória do PS me deixa muito alegre. Que quota-parte de responsabilidade tem nessas derrotas?Assumo toda a responsabilidade. Penso que é meu dever enquanto presidente da federação distrital do PS. Naturalmente que cada resultado eleitoral é um somatório de múltiplos factores. É por isso que há uma estrutura nacional e distritais e concelhias onde quase se impõe que se faça uma reflexão a propósito dos actos eleitorais. Fizemos isso ao nível da comissão política distrital e cada estrutura concelhia fará também a sua avaliação. Sendo certo que os candidatos são escolhidos pelas estruturas concelhias com o aval das federações distritais. Por isso assumo as vitórias e as derrotas como tendo a minha quota-parte.Admite que o processo em Alpiarça foi mal conduzido, quando se optou por não se recandidatar a presidente cessante?Hoje é fácil dizer isso. Somos todos treinadores de bancada e temos sempre uma estratégia para ganhar os campeonatos todos. Isso não passa de uma mera ilusão. Temos que perceber que há atribuições locais e que compete às concelhias escolher os seus candidatos. Foi o que aconteceu em Alpiarça.Mas a distrital tem a última palavra e pode avocar o processo.Pode avocar, mas não o vai fazer onde a concelhia está unida em torno de uma decisão. Não faria qualquer sentido. Deve avocar sim onde houver grandes divisões. O PS tinha uma excelente presidente de câmara, a Vanda Nunes, e tinha uma excelente candidata, a Sónia Sanfona. Acho que faltou capacidade de coesão entre as duas.Em Rio Maior o desgaste de Silvino Sequeira não aconselharia outro candidato?Do ponto de vista preambular, a resposta é a mesma relativamente a Alpiarça. É a concelhia que faz a escolha. Naturalmente que o distrito de Santarém tem muito respeito pelo Silvino Sequeira, que deu muito a Rio Maior e ao distrito. Houve um conjunto de circunstâncias que levaram a este resultado.Quais?As entradas e saídas da presidência da câmara, parece-me que foram absolutamente fatais do ponto de vista dos eleitores. Também a existência de uma candidatura de cidadãos que depois se fundiu com a candidatura do PSD/CDS. Criou-se uma plataforma anti-Silvino Sequeira, coisa que é injusta do ponto de vista pessoal e do ponto de vista das competências, da história e do trabalho que ele fez em Rio Maior. Há autarcas que não conseguem perceber quando chegou a sua hora de sair?Não é por acaso que hoje existe uma lei de limitação de mandatos. E bem...Botas Castanho sucedeu-lhe há poucos meses como governador civil de Santarém. Acha que deve continuar no cargo?Não sei quem vai continuar no cargo. O ministro da Administração Interna fará a sua escolha. Mas devo dizer que fui eu que propus o dr. Botas Castanho aquando da minha saída. Tenho por ele um grande apreço e consideração. É o chamado senador, um indivíduo respeitado por todos e não é por acaso que isso acontece. “Há corrupção em Portugal e há que fazer justiça com rapidez”Com as novas funções autárquicas vai ter menos tempo para gerir as suas empresas. Já tinha pensado nessa eventualidade?Há que tempos. Não sou gerente de nenhuma empresa e quando estava no governo civil também não era gestor de nenhuma empresa. Haverá um momento no final de cada ano em que me dão conta do estado da arte também aí. Com franqueza, tenho menos tempo para pensar no assunto.Têm surgido sinais preocupantes de que há cada vez mais promiscuidade entre os mundos da política e dos negócios. O que pensa disso?É uma preocupação que também partilho e que deve ser valorizada, nomeadamente pela comunicação social. À mulher de César não basta ser séria, é preciso parecê-lo. E acho que um dos problemas deste país é exactamente alguma inoperância ao nível da justiça que inviabiliza penalizações para o infractor. E ao inviabilizar penalizações coloca todos no papel de infractor. Coisa que não é menos má.Há uma tendência para a genera-lização.Acho que o país todo deve fazer uma reflexão para discutir o assunto e encontrar um rumo também nessa área, para que todo aquele que comete uma infracção seja penalizado com rapidez e com eficiência por forma a libertar todos os outros. Há corrupção em Portugal e há que fazer justiça com rapidez. Mas não podemos pensar que todos são corruptos. Custa-lhe ver camaradas de partido envolvidos em suspeitas de corrupção?Custa mas neste cenário que estávamos a conversar há interpretações levianas para um lado e para o outro. Existem pessoas boas e más em todo o lado, mas já não vou tão longe como dizia o padre Américo de que não há rapazes maus.
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