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Da escola do Serra em Vila Franca a director de musicais de Filipe La Féria

Da escola do Serra em Vila Franca a director de musicais de Filipe La Féria

Telmo Lopes tem 36 anos, nasceu na Calhandriz e cresceu em Alverca

Estudou nove anos no Instituto Gregoriano e começou por tocar em bares. Acompanhou grandes nomes da música portuguesa e conheceu os cinco continentes integrado na banda do cantor Luís Represas. Músico, produtor e director, o talento de Telmo Lopes não passou despercebido a Filipe La Féria que o contratou para produzir e dirigir os seus grandes musicais. Sobre Alverca diz que “é um autêntico dormitório sem identidade e sem alma”.

Quando começa o seu percurso como músico?Comecei a aprender música na escola do Serra no Centro Comercial da Mina em Vila Franca de Xira. A minha professora estudava no Instituto Gregoriano e a aconselhou-me a ir lá fazer testes. No ano seguinte entrei. Tinha 15 anos. Mas desde muito cedo que tocava em grupos no concelho. Formei uma banda com a minha prima que mais tarde acabou. Depois comecei a tocar com bandas em bares de Alverca. Tive um percurso normal e comum a muitos outros músicos. Era normal ingressar com essa idade no Instituto Gregoriano?Não e também era muito difícil naquele tempo. Lisboa está agora a 15 minutos de Alverca mas na altura demorava-se entre 45 minutos a uma hora. Lembro-me de ter apanhado as greves todas da CP (sorrisos). Devia ter ido mais cedo para o gregoriano. Mas estudei lá nove anos.Foi uma boa experiência? Foi sempre um pouco complicado. Havia muitos conflitos entre o clássico, pop, jazz e rock. As pessoas pareciam que estavam dissociadas entre si. Houve alturas em que não tinham a mente aberta. Aos 17 anos tocava com o Fernando Pereira e isso nem sempre foi bem visto no clássico. Para mim a música tem uma linguagem universal.Que instrumento tocava?Piano e teclados. A minha formação é pianística. Mas o que me dá realmente prazer é o órgão Hammond que sempre falou mais alto e está acima de qualquer piano.E depois do Instituto Gregoriano?Tinha 23 anos e tocava com o Luís Represas. Ainda cheguei a estudar seis meses no Hot Clube (dos mais antigos clubes de jazz do mundo). Mas era uma escola complicada. Tinha a mesma mentalidade do Instituto Gregoriano mas para o jazz. Andei sempre no meio. Acabei por sair. Entretanto comecei a ser requisitado e a não ter tempo para mim. Toquei e trabalhei com muita gente. (ver caixa)Como free-lancer?Sim. A coisa mais estável que tive foi pertencer dez anos à banda do Luís Represas. Conheci os cinco continentes e a união da banda era fantástica. Ao mesmo tempo que tocava com ele tinha outros projectos que duravam três, quatro anos.Como se faz a passagem do músico para produtor e director musical?Chamam-me maestro mas não sou. Para se estar à frente de uma orquestra é preciso estudar e tirar um curso que não tenho. Sempre gostei das máquinas. De inventar e criar. Mas essa passagem acabou por ser também natural. Nunca pensei viver à custa da música. Na minha altura os músicos eram considerados uns pelintras. À medida que ia estudando a história da programação foi-se tornando evidente que era isto que queria fazer. Fui programando, produzindo e fazendo a direcção musical de algumas peças.O que faz um produtor musical?Alguém chega com um projecto. Tem o conceito mas não tem o conhecimento nem consegue transportá-lo para um disco ou peça de teatro. O produtor interpreta essa ideia e cria uma unificação entre os instrumentos. No fundo conduz o projecto todo desde o conceito da ideia até à fase final em que ouvimos num CD ou numa peça de teatro. É um trabalho criativo?É super criativo. Há casos em que é só preciso retocar os pormenores pois aquilo que se quer já está bem definido. Mas há projectos em que se tem de revolucionar o conceito ou mudar toda a música. Também é solitário?Muito. Mas também depende dos projectos. Nos musicais do Filipe La Féria fiz quase tudo sozinho. Em quatro anos produzi dez peças. Cada uma demora cerca de dois a três meses. Mas fiz algumas num mês. É uma coisa de loucos. Se disser a um inglês que isto se faz assim ele não acredita. Como chegou o convite do Filipe La Féria?Há uma grande parte da minha vida que devo ao Filipe. Admiro-o e tenho uma gratidão por ele. (emociona-se). Conheci-o num programa do João Baião. Tocava piano e ele era o produtor do programa. Um dia veio ter comigo aqui ao estúdio a Alverca e perguntou-me se era possível fazer a música no coração toda em computador. Na altura disse-lhe que achava que não mas que nunca tinha tentado. Decidi tentar. Há direitos de autor que têm que ser respeitados e músicas que não se podem alterar. O desafio era: Como não há orçamento para pagar a uma orquestra inteira, será que é possível fazê-la dentro de um computador?E foi possível?Sim. Algumas pessoas conceituadas no meio musical chegaram mesmo a perguntar qual era a orquestra que tinha gravado as músicas. Essa é a minha maior vitória. Ter uma banda sonora virtual, a mais verdadeira e próxima de uma orquestra real, composta por dezenas de elementos, foi uma grande alegria. Calculo que tenha sido um trabalho cansativo.Passava dias aqui. Dias e noites. Montei este estúdio há cerca de cinco anos quando comecei a trabalhar com o La Féria. Demorou nove meses a acabar. Foi aqui que fiz a montagem dos musicais. Há peças que fiz a dormir uma hora no sofá durante uma semana. Só saía à rua para ver a luz do dia. Quase me transformei num homem das cavernas. Tirando uma raras vezes em que tinha a ajuda de algumas pessoas, não falava com ninguém. Os meus filhos tinham de passar por aqui para me verem. Foi por essa razão que deixou de trabalhar com o Filipe La Féria?Sim. Não tinha vida. Era muito absorvente. Lembro-me de estrearmos uma peça num dia e dois dias antes já tinha outra peça na mão para começar. Pelo meio ainda fiz a abertura do campo pequeno e as sete maravilhas do mundo. São coisas muito grandes.As saudades da infância e a concretização de um sonhoTelmo Lopes nasceu a 11 de Julho de 1973 na pequena freguesia da Calhandriz, concelho de Vila Franca de Xira, onde viveu até aos dez anos. É casado e tem dois filhos. Um de nove e outro de cinco anos. Vai dividindo o tempo entre Arruda dos Vinhos, onde tem actualmente a sua residência e Alverca, local do seu trabalho e onde está há 26 anos. Relembra com saudade e emociona-se quando desafiado a recordar os tempos da sua infância, altura em que brincava nas ruas com os seus amigos aos carrinhos de rolamentos, peão ou berlinde. Aos dez anos a sua família mudou-se para a localidade de Arcena em Alverca do Ribatejo. Telmo Lopes conta que essa mudança foi muito difícil e que sofreu um pouco, pois teve de deixar os amigos para trás. Concluiu o 12º ano na Escola Secundária Gago Coutinho na área da Filosofia e aos quinze anos ingressou no Instituto Gregoriano com o sonho de ser músico no horizonte.Frontal e sem medo das palavras não vacila quando questionado sobre o que pensa de Alverca. Sempre que pode gosta de ler um bom livro, ouvir uma boa música, ir ao cinema ou assistir a uma peça de teatro. Humilde, diz que não se considera um dos melhores produtores portugueses. Garante que não é a fama nem a glória que procura. “Apenas fazer a minha música”, assegura.Tocou com músicos como Rao Kyao, Pablo Milanês, Compay Segundo, Rui Veloso, Pedro Abrunhosa, Carlos Mendes, Carlos Guilherme, Carlos do Carmo, Simone de Oliveira, Nuno Guerreiro, Miguel Ângelo, João Pedro Pais, André Sardet, Miguel Nunez ou Enrique Iglesias.Fez parte de várias orquestras em programas de televisão, festivais da canção e galas como os globos de ouro. Foi o Programador do tema de abertura do Euro 2004 realizado no nosso país.Com Filipe La Féria trabalhou como produtor e director musical. “Alice no País das Maravilhas”, “O Principezinho”, “Música no Coração”, “West Side Story”, “Violino no Telhado” ou “Jesus Cristo Super Star” são apenas alguns dos seus trabalhos. Ganhou em 2007 e 2008 o prémio de melhor direcção musical atribuído pelo Guia dos Teatros.“Alverca é um autêntico dormitório sem identidade e sem alma”O que pensa da cultura no concelho?Vila Franca de Xira ainda vai conseguindo manter algumas das suas tradições. Mas a realidade que conheço melhor é a de Alverca. Na minha opinião foi das localidades do concelho que perdeu mais identidade nos últimos anos. É um autêntico dormitório sem alma. Antigamente realizavam-se mais iniciativas, concertos e havia mais bares nocturnos onde se podia ouvir música e juntar os amigos. Comecei a tocar num bar de Alverca. Sentia-se vida e alegria na cidade. Perdeu-se tudo isso. É uma terra adormecida. Hoje existe apenas um bar nocturno que fica no centro da cidade. Depois não vejo muitos espaços verdes. Há apenas dois ou três jardins e muitos prédios.Fica triste com essa realidade?Claro que fico. Passei a minha infância em Alverca e há vinte e seis anos que vivo aqui. Hoje em dia olho para esta cidade – onde continuo a jogar à bola com os meus amigos de escola – e sinto que o que se passa é realmente muito pouco. As pessoas dormem cá mas é uma cidade sem alma. O que poderia ser feito?As iniciativas que existem – algumas até bem feitas – não chegam ao público. São pouco divulgadas. Tirando algumas pessoas que nasceram em Alverca a grande maioria dos novos habitantes da cidade vieram de Lisboa morar para cá. Essa população está completamente desinteressada de tudo o que se passa na sociedade alverquense. Se não formos ter com essas pessoas e informa-las, é muito difícil aperceberem-se do que se está a organizar. A culpa é dos políticos?Têm sempre uma quota-parte de culpa. Se não há locais para os jovens se divertirem penso que também é da sua responsabilidade mas tenho consciência que o papel do presidente da junta e mesmo da câmara é cada vez mais difícil pois as pessoas exigem cada vez mais e torna-se complicado satisfazer toda a população.Acha que a política cultural de Vila Franca de Xira tem sido esquecida?Reconheço que há uns anos havia mais cultura. Mas em todos os municípios. Quando a economia baixa as pessoas retêm o dinheiro e o Estado dá menos às autarquias. Mesmo as pessoas vão menos hoje ao teatro e ao cinema porque precisam do dinheiro para outras coisas. A cultura é sempre o parente pobre da sociedade. É a coisa mais supérflua tendo em conta outras prioridades. Mas a cultura é o espelho de um povo. Sem cultura dificilmente seremos alguma coisa.O vereador da cultura da câmara de Vila Franca de Xira é o actor João de Carvalho... Conheço o João de Carvalho. É uma pessoa valorosa e uma referência nacional. Já fez muito pela cultura e acredito que irá continuar a fazer. Sei que sozinho não conseguirá muita coisa mas não duvido que ideias não lhe faltem. Ele disse que durante os próximos tempos vai-se dedicar quase exclusivamente à câmara, com pequenos trabalhos de actor pelo meio. Acho bem. Faz-me confusão pessoas que têm muitos cargos em simultâneo. “Um projecto para a Calhandriz que está na gaveta há três anos”Nunca pensou num projecto para a região?Eu e o meu amigo Carlos Fernandes tivemos um para a Calhandriz. Há cerca de três anos fomos uma noite apresentá-lo ao presidente da junta mas fiquei triste. Deu-me a sensação que o que interessava era fazer-se obras, prédios e estradas para se ganhar votos. Depois esquece-se do resto. Era talvez um dos projectos mais ambiciosos do concelho e que poderia atrair muitas pessoas. Mas acabou por ficar na gaveta.Que projecto era esse?Tinha várias componentes. A artística compreendia uma escola de música e de teatro. Tínhamos o objectivo de criar uma orquestra com diversas valências e para isso íamos buscar professores de várias áreas para darem formação diferente. Contemplava ainda um auditório ao ar livre para espectáculos. Depois havia a componente de um espaço hoteleiro e de turismo rural. Havia também uma área para desportos radicais. Era uma coisa louca mas que não era assim tão cara e era possível fazer-se. Até porque o espaço já existia e pertence ao meu amigo.Qual foi a resposta do presidente da junta?Entregámos o projecto e até hoje nenhuma. Estivemos lá duas horas e o problema, segundo ele, era um caminho de cabras. Lamento que não tenha havido abertura para este tipo de ideias. Como passo todos os dias em Calhadriz a caminho de Alverca às vezes vejo-o. Sinto-me feliz ao vê-lo de gravata com um bom carro. Ainda mantém a esperança de concretizar o projecto?Na Calhandriz não. Mas tenho a vontade de um dia concretizar pelo menos a vertente musical e criar uma escola de música em Arruda dos vinhos.“Já fui um grande pirata”O músico e produtor gosta de chamar ao estúdio sediado em Alverca do Ribatejo o seu espaço de produção musical. É o seu local de trabalho diário onde entra de manhã e sai à noite. Telmo Lopes diz-se satisfeito com o equipamento técnico e software musical que tem ao seu dispor onde costuma realizar os muitos trabalhos que lhe são pedidos. Mas nem sempre foi assim. “Há cerca de dez anos, quando não tinha dinheiro, já fui um grande pirata. Nessa altura começou a aparecer software para computador e entrava em sites para piratear. Chamava-lhe o supermercado. Cheguei mesmo a falar com hackers”, conta Telmo Lopes que garante. “Hoje tenho tudo legal o que está dentro do computador. Não tenho nem filmes nem músicas que não tenham sido comprados. E não entro em sites onde se pode piratear. O crime já não compensa”, assegura o músico.Mas Telmo Lopes tem consciência que o mundo da internet é muito difícil de controlar “e uma coisa quase desgovernada”. Os direitos de autor são constantemente violados. Principalmente nos filmes e na música. E deixa um alerta às editoras. “Os discos estão caros à mesma. Custa muito dar dezanove euros por um disco. As coisas saem do produtor a um preço quase irrisório e chega ao consumidor a um preço que não é o verdadeiro. As editoras têm culpa e devem repensar toda a estratégia”, aconselha Telmo Lopes.
Da escola do Serra em Vila Franca a director de musicais de Filipe La Féria

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