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Joaquim Pereira resiste num ofício que já ninguém aprende

Joaquim Pereira resiste num ofício que já ninguém aprende

Ferreiro de Murtal, Ourém, é um dos últimos existentes nesse concelho

Hoje, Joaquim Pereira dedica cerca de dois meios-dias por semana ao ofício e, refere, já pouco tem que fazer.

Joaquim Pereira tinha 12 anos quando se iniciou no ofício de ferreiro. Pensou no seminário, pensou na mecânica, mas naquele tempo a vida definia-se conforme a vontade dos pais. Hoje, com 70 anos, a viver no Murtal, Ourém, é do trabalho no ferro que vai retirando mais uns trocos para o sustento de uma escassa reforma. Diz não ter tido “hipótese de fazer mais nada”, no entanto, já adulto, também não desejou outra vida.O ofício, ou a “arte”, conforme descreve, tem os seus truques, que foi aprendendo “a olho”. Em 1961, quando começou a trabalhar, após o exame da quarta classe, acendia-se a forja com caruma. Na falta de electricidade, era ainda noite quando se levantava para iniciar o serviço, de modo a poder começar a trabalhar com a manhã. Hoje, a caruma deu lugar ao papel e o fole, que produzia o vento que mantinha a chama acesa, foi substituído por uma ventoinha. A chaminé é um buraco no cimo da pequena oficina de pedra, um edifício de 1941. Ao lado da forja, um tanque com água fria serve para temperar o ferro, tornando-o mais mole ou rijo, consoante a qualidade do material. Aceso o lume, o carvão aguenta-se cerca de 15 minutos em brasa. Quando o ferro ou o aço atingem a cor avermelhada, estão prontos a ser moldados. As formas dos utensílios criados resultam da imaginação e de algumas medidas já marcadas no cavalete, uma base em aço onde, com o auxílio de um martelo, vai moldando o ferro. Uma “arte” destinada sobretudo à criação de instrumentos de uso agrícola, nomeadamente enxadas, sachos, fateixas, marras ou ponteiros, estes já utilizados no serviço de pedreiro. São necessárias cerca de três horas para fazer uma enxada. Hoje, Joaquim Pereira dedica cerca de dois meios-dias por semana ao ofício e, refere, pouco tem que fazer. O trabalho que vai executando resume-se sobretudo a “remendos”, concertando, afiando ou arranjando enxadas, muitas delas compradas no mercado a preços mais cómodos e com bom aspecto, mas que”perecem mais depressa”. É um produto que não atrai e do qual “toda a gente foge”, destaca. Por outro lado, se no seu tempo existiam cerca de 20 ferreiros na zona, hoje Joaquim Pereira, ou “Esquim Ferreiro” como lhe chamam, será porventura um dos últimos em todo o concelho. Nesta profissão “é preciso habilidade, força e é preciso suar muito”, comenta. Um trabalho “muito duro” para os tempos que correm.Desta forma, as pessoas ou vêm conhecer por curiosidade, ou solicitar um arranjo. Leva cerca de 20 euros por uma enxada e apesar de verificar que no mercado os preços não são muito diferentes, “não há entusiasmo” por este tipo de produto. Por ser um dos últimos exemplos de um ofício em extinção, “que já ninguém aprende”, vai recebendo algumas visitas das escolas ou dos escuteiros da região. Os miúdos, no geral, olham tudo com alguma curiosidade, mas não se mostram interessados. Há uns tempos, no entanto, um daqueles viajantes de mala às costas, espanhol, passou pela oficina e quis conhecer o local. Tirou fotografias, mostrou-se entusiasmado e prometeu enviar uma foto. Joaquim Pereira não acreditou muito na promessa, mas a fotografia acabou mesmo por chegar, lembra sorrindo. O negócio, afirma, começou a decair em meados dos anos 60/70, quando a emigração retirou as pessoas do trabalho na terra. Numa zona ainda sem electricidade, Joaquim Pereira mudou-se durante sete anos para a Mourã, mais a norte no concelho, de modo a melhor executar o seu ofício. Quando em 1979 foi instalada a luz no Murtal, recebeu então um convite para trabalhar num colégio em Fátima, onde realizava todo o género de serviços. Só ao fim de mais sete anos tornou a regressar à terra que o viu nascer. Com o tempo, a profissão de ferreiro foi deixando de compensar e teve que se virar também para a serralharia. Regressados de países como a França, os clientes iam pedindo para fazer portões, grades e outros serviços, pelo que aliou as duas profissões. “Foi o que salvou”o negócio, destaca, referindo que se não tivesse reunido algumas máquinas “não tinha nada que fazer”. Se tivesse mais serviço, no entanto, o seu local de predilecção continuaria a ser a forja. Com o auxílio de um ajudante, permaneceria apenas a elaborar os utensílios que compuseram a sua vida e nos quais gosta de trabalhar. “Mas não vale a pena” o esforço, afirma. “Não tenho ajudante nem quem queira o trabalho”.
Joaquim Pereira resiste num ofício que já ninguém aprende

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