Maria da Conceição foi eleita Mulher do Ano nas Arábias
Comissária de bordo de Vila Franca de Xira é primeira mulher estrangeira a conquistar prémio
Maria do Céu da Conceição nasceu em Vila Franca de Xira há 32 anos. Aos 20 anos viajou para o Rio de Janeiro onde fez a sua primeira missão de voluntariado nas favelas brasileiras. Diz que não estava preparada para as adversidades que encontrou mas o “bichinho” do voluntariado ficou. Até ao dia em que aterrou pela primeira vez em Dhaka, capital do Bangladesh. Três meses depois já o Dhaka Project dava os primeiros passos. O MIRANTE falou com Maria da Conceição considerada, recentemente, Mulher do Ano, tornando-se a primeira mulher estrangeira a vencer um prémio votado exclusivamente por países árabes.
“No Bangladesh os filhos são uma fonte de rendimento para os pais. Começam a trabalhar aos quatro anos na construção civil para ajudarem a pagar as contas e colocarem comida na mesa. É um choque muito violento chegar a Dhaka (capital do Bangladesh) e depararmo-nos com uma realidade tão diferente da nossa onde as crianças não têm tempo de brincar nem de serem livres”. As palavras emocionadas são de Maria do Céu da Conceição que nasceu em Vila Franca de Xira há 32 anos e recebeu recentemente o prémio de Mulher do Ano atribuído pela revista Emirates Woman Magazine. Maria da Conceição tornou-se a primeira mulher estrangeira a vencer um prémio votado exclusivamente por países árabes.O Dhaka Project é uma missão de vida para a comissária de bordo da Emirates Airlines do Dubai que criou esta Organização Não Governamental (ONG) há cerca de quatro anos e meio. O Dhaka Project dá apoio a mais de 650 crianças e jovens entre os seis meses e os 16 anos de idade. Que representa menos de um por cento da população da cidade. A partir dos seis anos as crianças começam a estudar na escola criada por Maria da Conceição. Convencer os pais a deixar os filhos frequentar a escola é a tarefa mais complicada para a mentora do projecto.“Os pais não são muito adeptos que os filhos vão à escola porque é sempre menos um ordenado que entra em casa. Por isso damos um cabaz com alimentos, leite e água para eles levarem para casa. Se não vêm à escola acaba-se o cabaz. Temos que negociar com eles para conseguirmos ter os meninos na escola”, refere.Foi durante o primeiro contacto com a realidade de Dhaka que Maria da Conceição decidiu criar uma ONG que pudesse ajudar as crianças dos bairros mais pobres da capital do Bangladesh, considerado um dos países mais carenciados do mundo. Três meses após a primeira viagem àquela cidade já o Dhaka Project dava os primeiros passos. A comissária de bordo começou por pedir ajuda às suas colegas de profissão para levar produtos de higiene que estão muitas vezes disponíveis nos hotéis onde ficam durante as viagens de trabalho. Maria percorria as ruas do Dubai e pedia ajuda para o seu projecto.De início foi complicado uma vez que as pessoas desconfiavam da boa intenção de Maria. “Achavam que eu queria traficar crianças”, diz. No Dhaka Project a disciplina principal de aprendizagem é o inglês, o passaporte para uma vida melhor. Maria da Conceição reconhece que houve alturas em que teve vontade de desistir mas nunca o fez por causa das crianças. “Eles têm fome de aprender, absorvem tudo o que lhes ensinamos. Só precisam de alguém que os estimule. As crianças têm uma chama dentre deles e o nosso papel é colocar petróleo para eles desenvolverem e aprenderem. Esse é o caminho para um futuro sorridente longe das ruas e da miséria que se vive em Dhaka”, afirma.A jovem considera as crianças inseridas no Dhaka Project como a sua própria família. A ligação é tão forte que a morte de sete das crianças foi tão devastadora como se tivessem sido os próprios pais. “Um morreu afogado nas cheias, outro nasceu com um problema de coração e apesar de termos conseguido operá-lo não o conseguimos salvar, tinha um ano e meio. Perdemos também um menino que tinha leucemia e quando descobrimos era tarde de mais. Foram situações tão complicadas para mim que não conseguia trabalhar”, confessa emocionada.Já passaram pelo Dhaka Project cerca de três centenas de voluntários de diversas nacionalidades. Segundo a responsável da ONG têm aparecido muitos portugueses nos últimos tempos a quererem ajudar. “Tivemos casais que decidiram passar a lua-de-mel junto das crianças ou pessoas que decidiram assinalar o seu aniversários de forma diferente”, conta.A jovem que segue sempre os seus instintosDe aparência frágil e com aspecto de menina-mulher Maria do Céu da Conceição é uma força da natureza que não tem medo de enfrentar os desafios que lhe surgem e não vira a cara à luta. A jovem considera-se uma cidadã do mundo. Nasceu em Vila Franca de Xira onde viveu até aos dois anos de idade, altura em que se mudou com a família para Avanca, distrito de Aveiro. Comissária de bordo da Emirates Airlines do Dubai há cerca de seis anos e meio, Maria da Conceição decidiu começar a trabalhar aos 18 anos. Convicta de que em Portugal não conseguiria um bom emprego rumou a Inglaterra onde trabalhou no ramo da hotelaria. “Quando trabalhava em Inglaterra não tinha um horário certo e trabalhava por turnos o que não agradava ao meu namorado. Ele pediu-me para procurar outro emprego com um horário fixo e flexível. Fui ao Centro de Emprego onde me ofereceram trabalho como comissária de bordo. Aceitei na hora. O namorado ficou para trás mas encontrei a minha felicidade”, diz confiante.Segundo os amigos Maria da Conceição gosta de ouvir a opinião dos outros sobre determinadas situações cujas decisões tem que tomar. Mas acaba sempre por seguir os seus instintos. Aos 20 anos Maria teve a sua primeira experiência como voluntária nas favelas do Rio de Janeiro, no Brasil. A jovem vilafranquense confessa que nessa altura não estava preparada para o que encontrou.“Fui porque queria e achava que podia ajudar, mas eles eram jovens adolescentes muito violentos que não aceitavam ajuda. Tinham sido retirados do mundo das armas e das drogas e estavam em processo de desintoxicação, mas não queriam ser ajudados”, conta, acrescentando que regressou passado um mês. Apesar do primeiro trabalho de voluntariado não ter dado certo o “bichinho” de querer ajudar os outros permaneceu e três meses depois de ter estado em Dhaka pela primeira vez já o Dhaka Project dava os primeiros passos.Regresso a Portugal só para desenvolver trabalho humanitário com idososMaria da Conceição não sabe se algum dia voltará definitivamente para Portugal. Vem ao seu país apenas para renovar o passaporte ou quando surge alguma emergência familiar. As saudades da família “matam-se” com o recurso às novas tecnologias nomeadamente a internet e o telemóvel. Maria aproveita alguns voos para Inglaterra para visitar a irmã que vive perto de Londres. A comissária de bordo pensaria em regressar a Portugal se fosse para desenvolver um trabalho humanitário. Que seria diferente daquele que faz actualmente em Dhaka. “Em Portugal trabalharia com pessoas idosas. Foram pessoas que trabalharam tanto durante uma vida inteira e chegam à última etapa da vida e são abandonadas à sua sorte. As suas reformas são irrisórias. Dêem-me um espaço e as ferramentas necessárias que eu faço o resto”, afirma convicta.Por enquanto, sente que o seu lugar é em Dhaka junto dos “seus” filhos que precisam dela. Maria da Conceição não tem filhos mas confessa que começa a pensar que devia deixar alguém que continue e mantenha acesa a chama do seu projecto de vida.
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