Vila Franca de Xira evoca memória da luta anti-fascista com os 40 anos do “Zip Xira”
Inauguração da exposição no Café Central junta personalidades da cidade
A censura andava adormecida depois da morte de Salazar, em 1970, e um grupo de jovens aproveitou para utilizar o humor mordaz e inteligente para fazer passar uma mensagem de mudança. Chamaram ao espéctaculo “Zip Xira” e foi visto por mais de 2 000 pessoas. Quarenta anos depois a chama revolucionária ainda está acesa.
“Hoje comemoramos os 40 anos do último “Zip Xira” e, tal como há 40 anos, a casa está cheia”, afirmou Armando Jorge Carvalho, representante da comissão organizadora do “Zip Xira”, na abertura da exposição evocativa dos 40 anos do espectáculo. No final dos anos 60 um programa televisivo chamado “Zip Zip”, apresentado por Raúl Solnado, Fialho Gouveia e Carlos Cruz, foi um fenómeno de popularidade por todo o país. Em Vila Franca de Xira, desde sempre um bastião da luta anti-fascista, um grupo de jovens entre os 16 e os 25 anos decidiu organizar no cine-teatro da cidade o “Zip Xira”, um espéctaculo inspirado pelo modelo televisivo. Por duas vezes encheram os 1 000 lugares da sala, deixando de fora muita gente por falta de espaço. O regime não permitiu que fosse realizada uma terceira edição. Entre Janeiro e Março de 1970, ano da morte de Salazar e ano em que a Phillips fabricou o primeiro gravador de vídeo, os jovens apresentaram um espectáculo inovador em que o humor, cultura e a arte andavam de mãos dadas, num “talk show” sem câmaras de televisão. Foi no “Zip Xira” que alguns artistas deram os primeiros passos, como o cartoonista António. O Museu do Neo-Realismo e o Ateneu Artístico Vilafranquense reuniram algum do espólio existente e colocaram-no na exposição “Zip Xira – Evocação dos 40 anos”, patente até 7 de Março, no Café Central, de segunda-feira a domingo, entre as 15h00 e as 20h00. Na inauguração, realizada no dia 12 de Fevereiro, esteve mais de meia centena de pessoas, entre personalidades da cidade, artistas, dirigentes associativos, convidados e espectadores do antigo “Zip Xira”. “Não queremos com esta comemoração trazer qualquer saudosismo ou afirmações pessoais de quem fez o “Zip Xira”. Apenas queremos invocar dois espectáculos que foram determinantes para a história da cidade enquanto forte lutador contra o Estado Novo. Foi ao abrigo da capa do padre Vasco Moniz que pudemos falar, discutir o mundo que nos rodeava e fazer qualquer coisa para o mudar”, referiu Armando Carvalho a O MIRANTE. O êxito da primeira edição foi tal que o grupo de amigos começou a engendrar uma forma de repetir a façanha. Porém, para a noite em que estava previsto o segundo espéctaculo, o cinema decidiu fechar as portas e exibir o filme “My Fair Lady”, de George Cukor, numa tentativa de barrar a realização do espéctaculo. “Mas não desistimos, o nosso querer era inabalável. Assim, lembrámo-nos de comprar toda a bilheteira do cinema, a sala ficou vazia e o filme não correu”, recorda o nosso interlocutor. Dessa forma, mesmo debaixo do olhar atento da polícia, o segundo “Zip Xira” foi feito. E com convidados especiais. “Enviámos por telegrama um convite aos três apresentadores do “Zip Zip” para virem à cidade mas na véspera disseram que não tinham disponibilidade. E por toda a cidade se ouvia dizer que os três homens vinham cá. Por isso, mandámos um novo telegrama, cheio de irreverência jovem e que dizia: “Casa cheia. O camarote está vazio à vossa espera. Vila Franca de Xira agradecida pela vossa não presença”. E eles responderam ao fim de pouco tempo a dizer que afinal vinham”, conta. A única ausência foi a de Carlos Cruz, que estava no estrangeiro. A fotografia de Raul Solnado a brindar à cidade pode ser apreciada na exposição, assim como o telegrama original. “Eramos todos jovens, com ideais definidos. Ainda éramos de uma geração que se preocupava com o mundo que nos rodeava. Com os espectáculos angariámos fundos para a escola de música do Ateneu Artístico Vilafranquense. Tinhamos de mandar algumas pedradas no charco. A censura na época marcelista andava adormecida. Antigamente não éramos dirigidos na política, dirigiamo-nos a nós proprios”, relata Armando Carvalho.O vereador com o pelouro da cultura, João de Carvalho (Coligação Novo Rumo), recordou a veia intervencionista do “Zip Zip” original e salientou o papel vilafranquense. “Muitos “Zip Zip” se fizeram pelo país mas poucos tiveram a chama interventiva do que foi feito em Vila Franca de Xira. Deixámos a censura meio aturdida que só acordou ao terceiro espectáculo. Estes homens lançaram as bases da democracia sem medo”, afirmou.
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