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“Os ministros não têm ligado nenhuma à agricultura”

“Os ministros não têm ligado nenhuma à agricultura”

José Gomes Pereira, 65 anos, director geral da Metalúrgica Benaventense

José Gomes Pereira, engenheiro mecânico de formação, director geral da Metalúrgica Benaventense, é um defensor do regresso ao campo. A agricultura tem sido maltratada pelos ministros e quem trabalha a terra é olhado como cidadão de segunda. É um lisboeta que há 15 anos dirige uma empresa quase centenária em Benavente. A venda de alfaias agrícolas decresceu nos últimos anos, mas a exportação está a aumentar. Engenho de quem está dependente de um sector votado ao abandono.

O senhor tem sido um crítico em relação ao rumo que a agricultura tem tomado. Sou crítico em relação aos ministros da Agricultura, em relação aos ministros da Economia, em relação aos ministros das Finanças… Mas normalmente é crítico com todos os ministros ou em particular com estes?De todos os ministros da Agricultura de que me lembro nunca nenhum fez trabalho. Talvez o Capoulas Santos. Ou o Álvaro Bissaia Barreto. Foi um dos poucos que, já há alguns anos, tentou andar com isto para a frente. Ultimamente os ministros não têm ligado nenhuma à agricultura. Não é que sejamos agricultores - não somos - mas dependemos da agricultura. Como é que se pode desenvolver a agricultura quando é a própria União Europeia a incentivar a não produção, como acontece com o arranque das vinhas?Em relação à vinha passam-se coisas interessantes. Num ano incentiva-se a vinha, no outro ano desincentiva-se. Os homens do vinho não sabem o que fazer. Quando a gente importa 80 por cento daquilo que come, temos terrenos abandonados e gente sem fazer nada alguma coisa está errada. Mas isso é um problema só dos políticos ou das pessoas? Muitos não se sentem motivados a trabalhar no campo. Preferem o trabalho do escritório.Motiva-se a população dando-lhes condições para viverem lá, o que já está a acontecer. As pessoas já não se podem queixar muito das condições que têm nas terras. Enquanto não se valorizar o trabalho agrícola estamos mal. Há que provocar as pessoas. O trabalho do campo é um trabalho digno como qualquer outro. Olham-se os agricultores e as pessoas que trabalham na agricultura como cidadãos de segunda, que ainda o são no que respeita às reformas. Mas é difícil mudar mentalidades…Olhe, com os 10 por cento de desemprego que temos, sobretudo nas zonas onde havia multinacionais que se foram embora, como acontece na Guarda, há muita gente que se poderia dedicar à agricultura. E há pessoas que o querem fazer. Muitos não saberão fazer agricultura porque os pais já morreram e eles não chegaram a aprender porque foram naquela altura para as cidades. Mas o Ministério da Agricultura, que dispensou milhares de técnicos com o último ministro, pode voltar a colocá-los no campo e apoiar as pessoas. É o que espera dos ministros que não têm feito um bom trabalho. Este ministro da agricultura está a portar-se muito bem e tem cumprido com a palavra. Nós sentimos isso. Tínhamos bastantes dívidas de pessoas que compraram bastante material, mas que não tinham dinheiro porque os subsídios prometidos para comprar material não chegavam. Esse ministro cumpriu com o que disse e até Dezembro pagou. Nós recebemos algum desse dinheiro que nos deviam. Nós dependemos da agricultura. A exportação tem corrido muito bem e estamos cá graças ao desenvolvimento agrícola dos outros países. Não do nosso. Mas quando se fala da agricultura que ainda se faz também se fala da falta de competitividade.A competitividade passa pela organização agrícola e dos agricultores. Se têm pouca escolaridade e mal sabem ler e escrever claro que não podem ir para a frente com uma actividade agrícola. O Alentejo litoral está cheio de estrangeiros e para eles é rentável. Para nós é que não é. Alguma coisa está errada. As pessoas têm mais formação e sabem aquilo que vêm cá fazer. O nosso Ministério da Agricultura e as escolas agrícolas têm que incentivar as pessoas a fazer agricultura. Não podemos continuar assim. Temos bons exemplos na região: a Associação de Beneficiários da Lezíria Grande. São bons exemplos os agricultores que fazem o milho, por exemplo. Houve quem fizesse a beterraba, mas acabou de um dia para o outro também por culpa da União Europeia. Os espanhóis, enquanto nós fechávamos a fábrica, davam incentivos na Estremadura espanhola à produção de beterraba. A questão da falta de competitividade é um problema estrutural.Há sempre a desculpa do estrutural, mas o que se tem feito por isso? As escolas do Estado começaram a fazer os cursos profissionais. Não sei se há algum de agricultura, mas sei que os centros de formação do Ministério da Agricultura estão quase todos abandonados. Como não passámos a fome e as necessidades de uma guerra se calhar o nosso engenho andou um pouco para trás. Falou da Guarda, mas no Ribatejo também há muita terra para trabalhar. Pode ser alternativa para fazer face ao desemprego?Olhe, quando foi da discussão do aeroporto disse que considerava que podia ser uma fonte de desenvolvimento para a zona. Os nossos produtos hortícolas podem ser expedidos todos os dias pelo novo aeroporto. Quem quiser fazer hortícolas e pô-los no centro da Europa para serem vendidos no outro dia de manhã pode fazê-lo, como os holandeses fazem com as flores. As empresas hortícolas não podem fazer isso porque não têm condições. Temos o aeroporto de Lisboa que é uma trapalhada. Não temos entrepostos que possam pôr os produtos agrícolas rapidamente no centro da Europa. Nós felizmente temos um clima que é melhor do que os outros. O que não temos é condições.Defende então a intensificação da produção.Pode ser até uma produção industrial com menos mão-de-obra. Mas o que é certo é que a agricultura precisa sempre de mão-de-obra. Nem que seja para apanhar as couves.As empresas não têm dinheiro para investir A sua voz também se levantou em relação às regras para aceder a fundos comunitários [QREN - Quadro de Referência Estratégico Nacional].É preciso dinheiro para investir e as empresas portuguesas há muitos anos que não têm dinheiro para investir. Exige um esforço que as empresas não estão em condições de fazer. Não é por acaso que a taxa de execução está em quatro ou cinco por cento. E se calhar este valor inclui apenas as câmaras municipais. O ministro das Finanças fez o favor de tirar uma série de dinheiro que andava a circular no mercado. Descapitalizou as empresas e começaram uns a não pagar aos outros. E como é que tem conseguido manter a empresa sustentável?Com muitas dificuldades. No ano passado as vendas no mercado nacional diminuíram 20 por cento. Em 2009 já tinham reduzido outro tanto. Estamos a fabricar para o mercado nacional menos de metade do que fabricávamos há seis anos. Tiveram que reduzir pessoal?Não, felizmente o pessoal foi reduzido naturalmente. A empresa tem 90 anos. Há pessoal a trabalhar aqui há 50 anos. Mas se a procura interna diminui reforçaram a internacionalização?Em 2008 a exportação directa era de 36 por cento da facturação e a indirecta, por intermédio de revendedores, de quatro por cento. Em 2009 a exportação directa representou 50 por cento da facturação e a indirecta 5,55 por cento. Estamos dependentes em quase 56 por cento do mercado externo. Tem esperança de que em Portugal se dê a reviravolta que permita que a agricultura dê o salto?Tem que ser dada. Agora até o PSD já fala disso. Antes era só o CDS com o Portas. É preciso apostar na agricultura. Não podemos importar tudo quanto comemos. São divisas que saem. E temos que nos convencer de que somos tão bons como os outros. Desde que saibamos ler e escrever e desde que tenhamos apoios. E não falo só de apoio financeiro, mas apoio técnico. Uma das críticas que cai também sobre os agricultores é a da subsídio-dependência.Talvez o dinheiro que se investiu em subsídios não tenha sido muito bem dirigido. Subsidiar tractores que mal cabem num bocado de terra não é boa política. Em alguns casos o tractor e a charrua têm dificuldades em dar a volta no terreno. Se calhar teria sido bom puxar mais por esses agricultores e educá-los mais. Faze-los sentir o problema em vez de assinar subsídios. O que têm que fazer mais os políticos para trabalhar neste sentido?Não sou político nem técnico de desenvolvimento rural, mas há gente que pode e quer trabalhar na agricultura. Falam outra vez no banco de terra. Dar a terra a quem a trabalha. Há zonas onde os agricultores se querem instalar, alargar a sua produção, criar mais postos de trabalho, gerar mais riqueza e diminuir as importações. O desenvolvimento rural pode passar por ai.Um menino pobre que estudou numa escola de ricosAos nove anos decidiu que queria ser engenheiro talhado que estava para desmontar peças. José Gomes Pereira, alfacinha de Benfica, Lisboa, filho de operários da indústria têxtil, sabia que mesmo residindo na capital não tinha condições financeiras para estudar. Ainda assim confessou ao “Pim, Pam, Pum”, suplemento infantil de um dos jornais da época, o sonho secreto. E o sonho tornou-se realidade. E o menino louro que era pobre, condenado a uma vida singela, foi estudar para uma escola de ricos. Engenho dos pais que negociaram com os proprietários do colégio, em frente à fábrica onde trabalhavam, uma mensalidade reduzida. Foi a melhor coisa que a mãe fez pelo seu percurso profissional, admite à distância de cinquenta anos. José Gomes Pereira depressa percebeu as diferenças dos colegas de carteira. Mas em vez de se deixar vencer ganhou forças para evoluir. Foi menino a jogar à bola e a brincar com carrinhos de esferas.Nasceu ao pé do ringue do Benfica. E por não ter possibilidade para ir ao cinema patinava e jogava hóquei nas horas vagas. Aos 18 anos ganhava por mês no Benfica, como jogador profissional, mais do que os pais em conjunto. Foi profissional do Benfica e amador do Sporting por esta ordem. Tirou o curso a dar explicações e a jogar hóquei. “Conciliava tudo e ainda tinha tempo para namorar”, explica entre duas gargalhadas José Gomes Pereira, 65 anos. Formou-se em engenharia mecânica no Instituto Superior Técnico depois de frequentar a escola industrial onde fez electricidade e máquinas. “Uma vez, tinha 14 anos, passei umas férias na fábrica onde o meu pai trabalhava. Estava no quarto ano da escola industrial e sabia mais que o chefe dos electricistas da fábrica. E estamos a falar de uma fábrica que na altura tinha mil empregados”. Na Metalúrgica Benaventense – “Ribatejo Máquinas Agrícolas”, à beira da estrada nacional, onde é director geral, há um ligeiro cheiro a ferrugem, mas é nesse ambiente de máquinas e electricidade que melhor se movimenta.É o único engenheiro de uma empresa pequena, mas reconhece as pessoas da equipa, como o chefe de produção, com apenas a quarta classe, méritos dignos de um especialista em engenharia. E é por isso que quando tem confiança descentraliza.Fala inglês, espanhol, francês e italiano. Quando a empresa se ressentiu com a crise na agricultura impulsionou a exportação – tábua de salvação de uma firma com 90 anos. Trabalha em Benavente há 15 anos, é sócio e vogal do núcleo da Nersant, accionista e sócio fundador da Escola Profissional do Vale do Tejo, em Santarém, mas vive em Lisboa. Não pretende mudar-se. É na capital que tem toda a família. “Tenho a auto-estrada, mas prefiro vir pela Companhia das Lezírias. Todos os dias descubro novas coisas nas paisagens”.A secretária do seu gabinete de trabalho da empresa está sempre de porta aberta. Vislumbra-se lá ao fundo. Tenta libertar uma mesa de papéis enquanto responde a um e-mail e procura o isqueiro, mas a desorganização é apenas aparente. Tem a mania de juntar coisas. Mais do que coleccionador é um juntador. De selos e cachimbos. “Filosofia do século XX” e “As profecias de Nostradamus” são livros que tem à cabeceira. Nem a manifestação a que assistiu na Baixa de Lisboa contra o livro o impediu de o terminar. O primeiro emprego que teve, para disfarçar o pagamento do hóquei, foi num escritório de tintas. Quando foi jogador no Paço de Arcos até fez um trabalho sociológico: um levantamento dos ovarinos para a Junta de Freguesia de Santos o Velho. O presidente do clube era o presidente da junta e pagava-lhe do próprio bolso. Trabalha desde 1969 no sector das máquinas agrícolas. É um defensor do regresso à terra. Tem um terreno na Beira Alta, de onde é natural o pai, que está a ser explorado pelo tio. Vive com a mulher em Lisboa. Duas filhas gémeas, de 35 anos, uma engenheira biotecnologa, outra formada em Relações Internacionais. Ao domingo prepara mentalmente a semana. “Faço apontamentos sobre o que tenho que fazer durante a semana. Chego ao fim da semana e metade não estão feitas”. Fez duas tentativas, falhadas, de se aproximar da Igreja. “Quando ia à catequese, na altura em que andava na escola dos ricos, os colegas iam para as carteiras da frente e eu ficava nas carteiras do fim. Comecei logo a não gostar da Igreja e ainda por cima o prior conhecia a minha mãe”. O discurso de João XXIII, um papa humano gregário que quis colocar as religiões a falar umas com as outras, fê-lo aproximar-se, mas depressa percebeu que as palavras não passavam à prática. Entende a religião como um manual de comportamento social. E tal como dizia um amigo holandês tenta fazer, à sua maneira, “um céu cá em baixo”.Falta empreendedorismo em BenaventeQue ideia tem da evolução de Benavente ao longo dos últimos anos?Benavente – Porto Alto tem desenvolvido bastante bem. Está perto de Lisboa e felizmente não tem havido muitos casos de falências de empresas. Benavente, propriamente dito, é mais parado. Faltam pessoas. Estamos muito perto de Lisboa. Aqui há uns anos alguém disse que havia tanta gente a ir para Lisboa como a vir de Lisboa para cá. Isto não se inverteu, antes pelo contrário, piorou. Em termos industriais não se renovou muito.Tem havido algumas empresas. Não são de cá, mas vêm cá instalar-se o que é bom para o concelho porque gera emprego.Esse ambiente parado é falta de dinamismo da autarquia?Acho que não. Costumo dizer que aqui em Benavente não falta nada. Tem piscinas e escolas. Talvez falte um pouco de empreendedorismo. As firmas que vêm de fora têm dado emprego. Se algumas empresas não tivessem vindo para cá tenho a impressão de que já não havia ninguém em Benavente. Os empresários estão bem representados pela associação na região?Penso que sim. E se não estão melhor representados é porque também não aparecem e não participam. Eu acredito no associativismo. Não sou de nenhum clube nem pertenço a nenhum partido. Mas sempre que posso juntar as pessoas faço-o. Às vezes com alguns desgostos outras com alguns sucessosUm problema difícil de resolver chamado matemáticaJá deu aulas e explicações de matemática. O problema do insucesso prende-se com a falta de esforço dos jovens ou a responsabilidade é dos professores?As explicações que dei foram sempre de matemática. Nunca os meus explicandos chumbaram a matemática. Posso ter algumas condições naturais para saber matemática, mas tive notas tão boas a matemática como a outras disciplinas muito chatas que fui obrigado a fazer. E há uma coisa que sei: não há matérias chatas, há professores chatos. Se os professores do primeiro ciclo não passam a matemática no curso que fizeram como podem ensinar? A matemática é uma ciência exacta. Pode contar-se pelos dedos. Não percebo onde está a dificuldade. No ensino secundário fazem decorar as coisas e isso não tem utilidade. O que é isso de ter condições naturais para aprender matemática?Pode haver natural apetência, mas ninguém ter apetência acho um bocado estranho. Quando dei aulas de matemática no âmbito do Fundo Social Europeu não seguia o programa. Passava os sumários, mas voltava à primeira classe. Felizmente alguns aprenderam. Valoriza muito a formação.O conhecimento. Sem isso nada se faz. Em todas as coisas da vida. É uma coisa que ninguém lhe rouba. Podem roubar-lhe a terra, mas não aquilo que sabe. Se souber trabalhar a terra trabalha noutro lado. Se o deixarem.
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