A adesão do município de Ourém à Associação de Municípios Portugueses do Vinho (AMPV) é o mais recente passo dado com vista à promoção dos vinhos do concelho. Néctares com algumas particularidades e cuja produção tem séculos de história. Brancos, tintos e palhetes possuem uma linha cronológica de 800 anos, dos tempos em que D. Afonso Henriques terá celebrado uma série de acordos com a Ordem dos monges de Cister. A natureza é favorável à sua produção, com condições climatéricas específicas, terrenos altos e barrentos, temperaturas quentes no Verão; e uma vindima tardia, resultante da tradição, que lhes confere um grau relativamente elevado. A casta, na maioria dos casos, é a Fernão Pires.Durante décadas, eram companhia certa nas tascas da região e vendidos à porta da adega a clientes fiéis, apreciadores, muitos vindos de fora do concelho. No último decénio do século XX, as vinhas foram sendo abandonadas e a produção de brancos, por exemplo, tão característicos e famosos na zona, declinou. No final da primeira década no novo século, os gostos transformaram-se e os vinhos de Ourém obedecem agora a um método certificado e a um nome: Medieval.Procurou-se o rasto dos vinhos de Ourém. Há de tudo: desilusão, satisfação, expectativa. Nas 18 freguesias do concelho, foram muitos os que desistiram de trabalhar a terra e se renderam às consequências e exigências da União Europeia. Outros lutam pela afirmação, por marcar a diferença num meio específico e exigente. Todos concordam e sublinham: são vinhos únicos, com história, encorpados, frutados, vinhos a proteger. E há toda uma nova geração desejosa de dar novos caminhos à tradição. O palhete certificado inventado pelos mongesPara Hélder Miguel, sócio da Divinis, antiga Adega Cooperativa de Ourém, falar em vinhos de Ourém é falar do “Medieval de Ourém”, é falar no vinho palhete. Um “vinho branco pintado com uvas tintas”, produção tradicional nas regiões dominadas pelos monges da Ordem de Cister e que se tornou, com o tempo, exclusivo da zona de Ourém. Este vinho é actualmente DOC, denominação de origem controlada. Os produtores têm que ter as suas vinhas registadas. Para produzir “Medieval de Ourém”, explica Hélder Miguel, são necessárias 80 por cento de uvas brancas Fernão Pires e 20 por cento de uvas tintas da casta Trincadeira. As uvas brancas são colocadas em vasilhas de madeira. As uvas tintas são esmagadas e permanecem entre cinco a oito dias em dornas, a fazer curtimenta, de modo a que o líquido absorva a cor escura da casca. Após este processo, as duas qualidades são misturadas, permanecendo cerca de um mês nas barricas. Depois da fermentação, o vinho é passado a limpo. Existem 12 produtores deste vinho, sendo o maior a “Divinis” com o seu “Medieval”.A certificação, destaca Hélder Miguel, foi uma “batalha” ganha em 2005. No entanto, a “Divinis” não pode estar “isolada com este vinho”. “Enquanto não houver uma posição conjunta das entidades”, não se avançará na divulgação e promoção deste produto tão próprio da região, destaca. Por outro lado, “há falta de bairrismo dos oureenses”. Ainda vale a pena investir no vinho? “É nobre beber-se vinho, vê-se no cinema”, salienta. “Só nós aqui, devido à imagem da taberna, não temos essa ideia”. A produção pode estar um pouco abandonada, mas o responsável acredita no seu regresso.Para o também deputado na Assembleia Municipal de Ourém, a integração na AMPV pode ser boa para o município, desde que se “consiga impor no meio dos tubarões”. O perigo de não avançar mais neste meio pode dever-se aos grandes produtores, refere. Colocar a Vitiourém, que certifica os produtores, e a câmara municipal a conversar seria o ideal, para se valorizarem os vinhos e se incentivar a produção.A “dor de alma” de ver vinhas abandonadas“Incutiram aos jovens o desprezo pelas terras”, afirma Hélder Miguel, mas o trabalho nas quintas “também pode ser rentável”. Esta ideia de uma actividade social, que origina bons complementos às reformas e, inclusive, à saúde dos mais velhos, é partilhada por António Vieira Lopes, produtor residente na Atouguia e autor do livro “Manual Prático Vinho de Ourém”. Continuam a existir os pequenos produtores, afirma, e acredita que se irão manter em Ourém, uma vez que “é neles que está assente esta produção”.A prática das tascas está a perder-se, mas este é um fenómeno que não o afecta. A “tasca está um bocadinho associada ao beber o vinho em excesso”, nota, “e isso é a pior coisa que pode acontecer”. “Os grandes inimigos do vinho são as pessoas que se embriagam”. O futuro não pode residir neste esquema que não dignifica o vinho, pois este “é um produto de excelência, é um produto cultural, é para ser apreciado”. A certificação do vinho “palhete” é “um grande trunfo” para a região, no qual se deve apostar, salienta. Hoje, ao contrário de há cinco ou 10 anos, as pessoas já possuem uma “linha de rumo” que possibilita que a tradição não se perca. Ver as vinhas abandonadas é uma “dor de alma” confessa para António Vieira Lopes, mas “o mercado ajusta sempre as coisas” e há novos produtores a plantar vinhas. O panorama começa a recentrar-se e as pessoas apercebem-se que “os Medievais são o caminho desta região de Ourém”.Os tempos em que o vinho de Alburitel era famosoGondemaria, Atouguia, Alburitel. Cada freguesia tem a sua produção, mais ou menos semelhante, com o mesmo método, a mesma história. E com a mesma casta, Fernão Pires de seu nome que o linguajar popular transformou num mais prosaico “ferrampil” a famosa uva branca, uma das mais usadas em Portugal. O termo é usado repetidamente por Augusto Oliveira, residente em Alburitel, quando tenta explicar a especificidade do vinho da sua terra e que fez parte do seu quotidiano durante toda a vida. Foi produtor até 2005. Quando começou “à conta das vinhas”, lembra, cavava-se a terra, colocava-se estrume, a videira, e produzia um vinho que atingia os 16 graus, ainda que a quantidade de uvas fosse menor. Actualmente, com a utilização de adubos e o uso de novas castas, a colheita é superior, mas o grau diminuiu. As últimas uvas que levou à Adega Cooperativa de Tomar datam de 2005. Os negócios decaíram, os preços utilizados já não compensavam o trabalho do corte e Augusto Oliveira desistiu da produção. Os que resistiram, comenta, destinam o vinho sobretudo a uso próprio. A adega, hoje uma garagem, perdeu o cheiro à uva esmagada no lagar pelo esforço do homem. Já Elias Silva, presidente da Junta de Freguesia de Alburitel, lembra que há três décadas, nas várias tabernas que existiam na zona, por cada nove copos de vinho branco, vendia-se um de vinho tinto. Também ele produtor, destaca que a zona foi sempre conhecida pela qualidade do seu vinho branco. Nos nossos dias, já existem castas de tinto que atingem um grau elevado, mas são importadas e já vêm enxertadas.O tradicional vinho branco de Alburitel vem perdendo a sua fama, mas tal deve-se sobretudo às novas castas utilizadas, explica. “É pena que não tenha havido cautela para preservar” este produto, mas “é sempre possível renovar”. Nos últimos anos, a situação do vinho de Alburitel foi-se degradando. As cooperativas de Ourém e Tomar, que absorviam o produto, começaram a decair e a diminuir os pagamentos. Grande parte das vinhas foram arrancadas e hoje as vendas destinam-se sobretudo a particulares.Júlio Gracia, proprietário de um pequeno negócio na localidade que ainda vende vinho do produtor a copo, aponta a culpa para as operações Stop nas estradas. Hoje, os frequentadores do seu estabelecimento acompanham os petiscos com coca-cola e gasosa, refere, e “até os homens não bebem”. “As pessoas querem vinho, mas bebem cada vez menos e com gasosa”, nota, uma vez que nunca se sabe quando é necessário conduzir e existe uma autêntica “caça à multa”. Há seis anos, comenta, cerca das sete da tarde o estabelecimento estava cheio. Hoje, as mesas vazias compunham o cenário. E o vinho tem de ser o tinto, mais macio, ou com um grau mais reduzido, da Adega de Tomar. Quanto mais forte o produto, menos se vende, afirma.