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“Não é possível trocar os interesses partidários pelos interesses de Santarém”

“Não é possível trocar os interesses partidários pelos interesses de Santarém”

Moita Flores explica os dias atribulados que viveu por alturas do 10 de Junho

O presidente da Câmara de Santarém garante que vai levar o mandato até ao fim desde que não lhe falte a saúde. Francisco Moita Flores recuperou o alento após um final de mandato difícil, em que esteve para renunciar ao cargo. Agora, olha para o futuro e diz que vai deixar a cidade e o concelho preparados para enfrentar de forma competitiva as próximas décadas. Uma entrevista por altura das Festas de São José, a que ajudou a dar projecção. João Calhaz

Tenciona levar o mandato autárquico até ao fim?Claro. Só se houvesse uma razão de saúde que não controlasse. Mas felizmente estou bem de saúde. Quando se é eleito para quatro anos de mandato e se assume o juramento, é para cumprir até ao fim. Esteve mesmo para se demitir antes das comemorações do 10 de Junho?Estive. Não li ainda a vossa notícia, porque não estava cá quando foi publicada, mas tive realmente escrito o pedido de renúncia ao mandato.Por causa do processo de atribuição da Medalha de Ouro da Cidade ao primeiro-ministro José Sócrates?Sobretudo porque sou um homem de uma só cara e porque não é possível trocar os interesses partidários pelos interesses de Santarém. O Convento de São Francisco era um bem estratégico para Santarém. Não havia arenga nenhuma politico-partidária que me demovesse de trazer para cá o 10 de Junho e de requalificar o Convento de São Francisco, para que este deixasse de ser um cadáver para ser um corpo vivo. Eu só faria o 10 de Junho se Santarém ficasse a ganhar mais do que a perder. E ficou?Entre investimentos directos e indirectos, as comemorações do 10 de Junho andaram entre os 2 e os 3 milhões de euros. Mas a avaliação do Convento de São Francisco, que passou para a tutela da câmara, ultrapassa os 22 milhões de euros. Portanto, o valor de São Francisco era de tal modo importante para a cidade que ou essa proposta passava ou eu ia-me embora. Não faz sentido ser presidente só para ter aqui um gabinete. Estou aqui para servir a cidade doa a quem doer.Matematicamente percebia-se que mesmo sem os dois vereadores militantes do PSD a proposta de atribuição da medalha ao primeiro-ministro passaria no executivo, sem grandes dramas.Não quero falar desse tempo. Até porque são coisas que imputo mais à juventude e ao pensar mais com o coração do que com a cabeça.E à disciplina partidária?Não. Para qualquer presidente de câmara que tenha sentido de responsabilidade é-lhe indiferente que membro do Governo o visita ou lhe entrega coisas. Se o primeiro-ministro cá vier outra vez vou recebê-lo com a mesma dignidade. Isso é a sua lógica de independente a funcionar. Um autarca militante de um partido se calhar não pensa assim.Fui formado numa escola muito dura em termos de hierarquias que é a Polícia Judiciária. Digam o que disserem do sr. primeiro-ministro, para mim ele é o sr. primeiro-ministro. E o sr. Presidente da República é o sr. Presidente da República. A minha escala de valores e de formação obriga-me a receber qualquer primeiro-ministro, qualquer ministro, qualquer secretário de Estado ou qualquer Presidente da República com a dignidade que esses cargos exigem. E obrigam-me a ter com eles uma relação de lisura, de compromisso, de convergência que a função que desempenho exige, desde que seja para servir Santarém. Não antecipou que atribuir a medalha da cidade ao primeiro-ministro a poucos meses das eleições legislativas podia ser uma questão delicada?Não antecipei nem deixaria de antecipar. Estava-me nas tintas para isso. O que me interessa é Santarém. Na altura tinha a confiança de 12 mil eleitores mas era o presidente da Câmara de Santarém. E como tal tenho a obrigação moral, cívica, ética de defender intransigentemente os seus interesses. No dia em que deixar este cargo estou desobrigado, mas até lá o juramente que fiz foi este. Os líderes partidários são eleitos por um povo muito restrito e a esse povo têm de prestar contas. Eu tenho de prestar contas a um concelho e de uma forma dedicada e incondicional. Não há meio-termo. Estou aqui numa missão.Foi por isso que não renunciou ao cargo?Devo dizer que esse foi dos piores dias da minha vida. Confesso que foi uma mágoa muito grande. Julgo que nem o Presidente da República nem o primeiro-ministro mereciam esse tipo de coisas, porque estamos a falar de instituições. Mas enfim, já passou… E tivemos um 10 de Junho como nunca houve. Melhorámos muito Santarém.O que o levou a voltar atrás na intenção de renúncia?Houve uma noite, na Casa de Portugal, em que três ou quatro amigos estiveram a falar comigo até às cinco da manhã. E que me mostraram os prós e contras da minha decisão. Depois dessa conversa, de facto, mandei rasgar a carta de renúncia.“Não tenho palavras paraagradecer ao engenheiro Sócrates”Porquê todo o secretismo na altura em torno da atribuição da medalha de ouro da cidade a José Sócrates?Não houve secretismo nenhum. A decisão do executivo não foi divulgada na altura.Porque não tinha nada que ser. A medalha ao primeiro-ministro seria entregue se nos fosse entregue o Convento de São Francisco. O que só se veio a confirmar mais tarde. E Santarém tinha o direito de homenagear o primeiro-ministro por nos ter devolvido uma peça lindíssima da nossa arquitectura. Não tenho palavras para agradecer ao engenheiro Sócrates. Já passaram mais de 30 mil pessoas pelo convento desde aí. Imagine-se o que isto representa em termos de dinheiro que circula em Santarém. Acertámos neste desafio.Não tinha noção que ia mexer com a sensibilidade de alguns sectores do PSD.Há quatro anos e meio que sou moído com isso, já estou habituado. Há quem me acuse das coisas mais disparatadas. Tivemos uma vitória esmagadora nas últimas eleições e os órgãos do partido pouco relevo deram a isso. E na sua opinião porquê? Porque tenho uma relação de respeito, de consideração para com o primeiro-ministro de Portugal. Estou-me nas tintas para isso. Isso é a degradação do estado a que chegou a política em Portugal. Os “ruis soares”, os “penedos” estão em todos os partidos. E esses monstrinhos que andam por aí e que aos 30 anos julgam que têm o rei na barriga e podem ser os donos do mundo não percebem que a vida é feita de desafios, de cedências, de muitas negociações e de muitas negações. Acabou por “perdoar” ao vereador Ricardo Gonçalves, que neste mandato até é seu número 2…Não fiquei zangado com ninguém. Tenho filhos mais velhos que o Ricardo Gonçalves e a Vânia Neto [nota da redacção - vereadores do PSD que não estiveram presentes na reunião onde foi votada a atribuição da medalha a José Sócrates]. Tinha em relação a eles admiração e respeito. São pessoas com valor, tal como os meus filhos. Portanto não há zangas, não há birras.Na altura o relacionamento deve ter azedado, para chegar ao ponto de querer renunciar ao mandato.Isso foi discussão politico-partidária. Não foi uma discussão pessoal. Nem eu levo para o território pessoal coisas que são estritamente do foro público. De tal forma que convidei neste mandato o Ricardo Gonçalves para meu vice-presidente.“Não me vou meter na escolha do meu sucessor”Vai tentar influenciar a escolha do seu sucessor?Não. Não quero saber disso para nada. Vê alguém no actual panorama político escalabitano com perfil para ser um bom presidente de câmara?Não me vou meter nisso. Devo dizer que há pessoas com muita qualidade dentro do PSD, e que têm uma cultura de serviço público. E há gente com esse perfil também no PS, no PCP e julgo que até no Bloco de Esquerda e do CDS. Mas também há gente que pensa nisto como lugar para o seu poleiro pessoal em qualquer partido. Como a responsabilidade é dos partidos, devem escolher de acordo com algumas premissas. Que são?Saber quem quer servir Santarém de forma incondicional sem pensar em ser secretário de Estado, ministro, deputado, administrador de 40 empresas, ser importante na vida pública. É essa a questão. E o mais preparado do ponto de vista do serviço público deve ganhar as eleições. Gostaria que fosse uma pessoa do PSD, mas ponho no condicional. Porque entre uma pessoa do PSD, daquelas que quer trepar custe o que custar, e uma pessoa de serviço público de outro partido, eu prefiro esta última seja de que partido for.Acha que no seu executivo há pessoas com perfil para darem um bom presidente de câmara?Acho que sim, mas não quero particularizar. Não me vou meter nisso. Esta equipa é de operários, de gente que trabalha com essa consciência de serviço público.Nem sempre foi assim, nomeadamente no anterior mandato?Agora é assim. A gente vai aprendendo na política. É uma grande equipa que tenho aqui. Gente que está mais interessada no concelho do que no que pode ganhar ou perder. O que falhou no anterior mandato para haver tanta entrada e saída de vereadores na sua equipa?Não falhou nada. Todos quiseram ir embora.Há um denominador comum que acaba por ser o senhor, como líder da equipa. É evidente que uma equipa de vereadores tem que afinar pelo presidente da câmara, que tem as competências todas. Eu delego as competências, mas o último responsável por elas sou eu. E os vereadores têm de perceber isso. É uma equipa confusa, porque sendo uma equipa há um primus inter pares que tem um poder que não resulta da sua caneta mas da caneta dos outros. Eu sou responsável pela caneta dos outros.Isso implica uma relação de grande confiança.Precisa de uma relação de confiança e de transparência muito grande. Houve alguma quebra de confiança da sua parte no anterior mandato?Não. Até tenho estima por todos. Mas sou um homem que é obcecado pelo serviço público, que não tem condições para apoiar aquilo com que não concorda, que chegou a uma fase da vida que já só apoia aquilo em que acredita, que já não precisa de prestar vassalagens tácticas. Naquilo em que acredito gosto de tomar posição. E como tenho as costas largas é-me indiferente o rumor. Mas se calhar a população percebe o seu presidente da câmara. Porque senão não tinha acontecido esta votação única nas últimas eleições autárquicas.Vai manter casa em Santarém após sair da câmara?A minha casa em Santarém é onde escrevo os meus livros. Eu não me vou embora de Santarém, gosto de viver aqui, dos meus vizinhos, da pastelaria onde vou. É uma cidade muito bonita, com boa gente, de uma hospitalidade e gentileza comoventes. Isso foi um contributo decisivo para continuar. Crise económica obrigou a adiar obras A dívida da Câmara de Santarém tira-lhe o sono?Não. Já tirou. Por que já não tira?Felizmente já estamos fora dos limites de endividamento. Porque endividado está o país. Há a ideia de que é possível ter sol na eira e chuva no nabal. Encontrei esta câmara num estado que não permite fazer o que alguns ainda quiseram que se fizesse: uma gestão meramente contabilística, de pagar dívidas e não fazer mais nada. Optámos por casar isso com uma estrutura que alavancasse Santarém como a principal cidade não só perto do novo aeroporto como cidade alternativa a Lisboa. Ou se faz isto ou Santarém continuará a morrer. Não há aí demasiado dramatismo?A situação que se vive em Santarém, desde a crise agrícola de 60, é de tal maneira grave do ponto de vista da competitividade que é fundamental ter estes investimentos, esta agressividade, esta visibilidade, que o anterior mandato lhe deu e o actual mandato lhe continua a dar. Com alavancas como a requalificação de todo o espaço público, a integração de novas tecnologias, a recuperação da zona ribeirinha, o recusar loteamentos de milhares de fogos. A oposição fala de um aumento da dívida de 50 milhões para 78 milhões de euros desde 2005…Tenho os números que me foram entregues no dia 25 de Outubro de 2005, pela câmara cessante. A dívida andava nos 65 ou 67 milhões e agora está um pouco acima. Mas estamos dentro do limite de endividamento. Quer dizer que os números avançados pelo PS não são fiáveis…Não vale a pena fazermos jogos sobre o valor. O que importa é o seguinte: quando chegámos à câmara fazíamos parte do grupo de 28 municípios sobre-endividados. No ano seguinte, esse número passou para 52, segundo creio, e nós já lá não estávamos. O ano passado eram 78 e nós também não estávamos lá.A quebra acentuada de receitas no município, devido à crise económica, não ajudou à recuperação.As receitas baixaram drasticamente. Estamos a perder mensalmente mais de um milhão de euros. Isto é muito dinheiro. Mas os ordenados dos funcionários nunca estiveram em causa. Nem os nossos compromissos sérios. Isso está tudo garantido. O que tem sido feito para arranjar receitas alternativas?Temos andado a arranjá-las sempre com a esperança que a situação se modifique. Também adiámos alguns projectos que deviam ter já arrancado. Como por exemplo?Como a obra da estrada entre Santarém e Alcanede, a requalificação do mercado municipal. Só estamos a investir nas obras que têm apoios comunitários, para não perdermos esses fundos. As outras parámo-las todas. Como o Governo está a parar, como as outras câmaras estão a parar. Onde é que a Câmara de Santarém pensa ir buscar dinheiro para comprar a antiga Escola Prática de Cavalaria, onde quer criar a Fundação da Liberdade?Brevemente vamos ter notícias sobre isso. Neste momento não posso falar. Candidatos há muitos, mas há hipótese de uma coisa ainda mais bem feita e bem estruturada. Tenho andado a negociar às escondidas.Que projecto tem pena de já não conseguir realizar até final do mandato? Vou realizá-los todos. Vou deixar Santarém com os projectos todos em andamento, alguns concluídos, outros em posição de ser irreversível a sua conclusão. E a partir daí não é mais possível esta cidade entrar na degradação, no envelhecimento em que entrou na década de 60. Costumo dizer que a maior parte da gente que anda na vida autárquica joga damas. Porque está à espera de fazer coisas para ganhar as próximas eleições. Nunca joguei damas, nem sei jogar. Jogo xadrez. Isso obriga-me a olhar para uma estratégia de desenvolvimento que vai muito para além de mim. Sou apenas o condutor de uma nau. E muitas coisas que não são compreendidas de início, só começam a ter sentido quando a nau vai andando. O Jardim da Liberdade vai ser inaugurado no 25 de Abril?Vai ser seguramente antes de Maio e com o parque de estacionamento a funcionar. O que vai faltar, porque não há dinheiro, é a estatuária. Não há dinheiro para fazer isto tudo ao mesmo tempo, mas ficam lá os pedestais para irem pondo as estátuas.“As festas não são minhas”É mesmo necessária a contratação de tantos artistas pela câmara para actuarem nas festas populares do concelho?Essa conversa é completamente estapafúrdia. Gastamos um milhão de euros em festas, num orçamento de 70 milhões. E isso não é mais que investir de forma democrática por todo o concelho. Quando cheguei à câmara havia três ou quatro festas que tinham balúrdios de dinheiro. A partir daí decidimos apoiar todas as festas e romarias. As festas não são minhas. Eu só inventei uma festa, que é a da passagem do ano. E as festas de Junho…Essas são diferentes. Aí tratou-se de revitalizar a praça de toiros, de resistir a um negócio cujos contornos nunca percebi.Que poderia levar a praça de toiros a desaparecer?Sim, ao desaparecimento de um dos símbolos de Santarém. Estou sempre a falar dos símbolos, porque o discurso simbólico é o discurso das cidades. As cidades são todas iguais, têm todas hospitais, estradas, bancos, escolas, jornais. O que as distingue e dá valor é o seu capital simbólico. O PS perdeu as eleições em Santarém no dia em que não percebeu que este discurso meio fandanguista das festas é um discurso contra as pessoas, não é contra mim. Eu só estudei do ponto de vista simbólico como é que a gente deve servir as pessoas. A aposta nas Festas de São José é um exemplo da recuperação de um dos símbolos de que falava?Recuperar toda esta tradição onde se liga o sagrado e o profano era um desafio que tinha de se vencer. Foi difícil mas foi vencido. E as pessoas hoje não querem outra coisa.
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