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O vereador que vendeu gelados no salão do cavalo

O vereador que vendeu gelados no salão do cavalo

Fernando Paulo, autarca da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira

Tem 36 anos e há quem diga que é o delfim de Maria da Luz Rosinha em Vila Franca de Xira. Fernando Paulo foge à questão da sucessão e passa a responsabilidade para o partido. Tem dois filhos, é casado, mas as questões familiares são tabu. Aos 16 anos chegou a vender gelados no salão do cavalo. Teve um escritório aberto durante ano e meio, mas suspendeu a inscrição na Ordem dos Advogados depois de abraçar a política activa. É um socialista convicto que pensa e discursa em tons de rosa.

A presidente de câmara tem faltado a algumas reuniões do executivo. Há quem aproveite o facto para trazer à baila a questão do futuro candidato.A questão neste momento não se coloca. A senhora presidente tem desenvolvido o seu mandato tal como até aqui. De qualquer forma, até por imposição da lei, a presidente não cumprirá mais nenhum mandato.Na altura a questão será discutida dentro dos órgãos próprios do partido.Há quem ache que o Fernando Paulo é o delfim de Maria da Luz Rosinha. Vivo em Vila Franca desde criança. Sou amigo pessoal do filho e da família da senhora presidente, que acompanho desde que assumiu o cargo na câmara municipal. Sempre tentei desenvolver a minha actividade de acordo com os objectivos que entendeu o Partido Socialista, naturalmente liderado em termos autárquicos pela presidente. Sou apenas um dos elementos que têm tentado contribuir para a melhoria da vida no concelho de Vila Franca de Xira. E se essa engrenagem entender que deverá ser o candidato?Neste momento a questão não se coloca. Somos uma equipa que está a trabalhar afincadamente desde há 12 anos e que está em permanente avaliação. Prefere não responder à pergunta.Apenas na medida em que a questão não está em discussão. Seja qual for o candidato a perfilar-se não terá tarefa fácil. O PS perdeu terreno e viu-se obrigado a partilhar pelouros com a coligação Novo Rumo. Como tem sido a convivência?O Partido Socialista no concelho teve três desafios importantes: as europeias, as legislativas e as autárquicas. E venceu esses desafios de uma forma clara. Relativamente às autarquias mantivemos todas as juntas, incluindo nos sítios em que trocámos de candidatos. É com total naturalidade, sobretudo num momento em que a câmara de Vila Franca de Xira deixou de ter 9 elementos e passou a ter 11 [por força do aumento da população], que contamos com um espectro mais alargado. Creio que tem sido visível que temos vindo a conseguir desenvolver os nossos projectos com solidez, eficácia e pluralismo. Não vemos este momento com nenhuma dificuldade particular. Mas os novos elementos poderiam muito bem ser do PS.O método de Hondt [cálculo para conversão dos votos em mandatos] cria este resultado. Com os nove elementos o PS continuava a ter os cinco elementos. Mas perderam terreno na Póvoa, por exemplo. Não perdemos terreno porque não perdemos votação nas eleições.Não perderam eleitorado. Serão então os novos habitantes a não se identificar com o projecto do PS [que perdeu a maioria absoluta].O eleitorado identificou-se com o projecto porque o partido socialista ganhou as eleições autárquicas. Ficou satisfeito com os resultados das eleições? Chegam-lhe?Cumprimos os nossos objectivos. Nessa perspectiva estou satisfeito. Tínhamos três eleições para ganhar. Ganhámos as três eleições. Temos todas as condições para continuar o projecto e reforçar a nossa presença em próximos actos eleitorais. Fala das eleições europeias, mas estamos a falar das autárquicas e o senhor é um autarca do município. Não posso, uma vez que me fez a questão do ponto de vista da comissão política concelhia, deixar de fazer a ponte com as nossas funções políticas nesse âmbito. Não nos podemos desligar do país e da Europa.Mesmo nas suas intervenções nas reuniões nunca consegue desligar da ideologia socialista. As suas respostas têm sempre um cunho partidário.Sou autarca do Partido Socialista, defendo os ideais do partido e é natural que nas minhas intervenções estejam presentes ideais que o Partido Socialista defende. Questões como a democracia, a procura da igualdade e a solidariedade têm que estar presentes. Tenho orgulho em ser um dos que lutam por esses objectivos. Os autarcas do partido socialista defendem as populações em primeiro lugar.Não se decepcionou com o socialismo praticado por alguns governantes?O Partido Socialista está ligado à História e as grandes momentos de Portugal democrático. Temos orgulho nesse desempenho. Já se decepcionou ou não?Se eventualmente discordei de uma ou outra opção concreta? É natural. Mas no grosso da orientação tenho estado de acordo. Porque é que tem novos pelouros este mandato, como a educação?A senhora presidente faz a distribuição dos pelouros que considera adequados ao desenvolvimento do projecto municipal.Há quem diga que esses pelouros foram-lhe atribuídos para que pudesse brilhar.Nunca ouvi dizer isso. Os pelouros que tenho são, tal como os outros, de grande responsabilidade. Tudo o que cada um de nós conseguir fazer só o consegue porque faz parte de uma equipa que trabalha no mesmo sentido. Não há uma personalização das tarefas porque não há também nada que seja decidido sem ser em conjunto. E concorda com tudo aquilo que é feito em equipa?Nós decidimos em conjunto e por isso a última palavra é sempre do conjunto. Vamos tomando as decisões em reuniões de articulação que fazemos regulares. Há um conjunto vasto de coisas que vão a reunião de câmara e creio que não andaremos longe dos 90 e muito por cento de unanimidade nas decisões. AS DECISÕES DO URBANISMOE essas propostas são boas decisões no que respeita o urbanismo, por exemplo? Há munícipes que não querem ouvir falar em novas urbanizações. Claro que são boas decisões. Nós desenvolvemos um processo ímpar, quer do ponto de vista da participação pública quer em termos de qualidade técnica, que foi a revisão do PDM [Plano Director Municipal] que veio conter a pressão urbanística sobre o concelho e criar áreas de desafogo que vão dar origem ao maior passeio ribeirinho da área metropolitana norte. Tudo isto vai mudar completamente a forma como os habitantes do concelho se relacionam com o rio, mas sobretudo vai criar uma nova centralidade. Conseguimos travar um conjunto de decisões que vinham de trás, antes do PS estar na presidência da câmara, e lançar as bases para um futuro sustentado do concelho. Mas na Póvoa de Santa Iria as pessoas disseram que não queriam mais urbanizações. Na revisão do PDM o que fizemos foi reduzir a pressão urbanística na Póvoa de Santa Iria. O que estava previsto era uma urbanização muito maior.Mas mesmo assim as pessoas continuam a não querer.Há um limite legal relativamente ao qual não se consegue passar. Até sob o ponto de vista do desenvolvimento territorial há espaços de desenvolvimento urbano que necessariamente, até por direitos adquiridos, têm que se manter, Não necessariamente à beira rio. Não são à beira rio. Antes do Partido Socialista chegar à câmara a possibilidade de construção era até à beira rio. Hoje a beira rio é um espaço para a fruição pública. As pessoas vão poder andar ao longo de 22 quilómetros de natureza pura. E isso só é possível porque o Partido Socialista pegou na câmara municipal e no urbanismo. Mas poderia surgir apenas um jardim numa cidade que já tem tantos prédios.Os terrenos não são municipais. Estamos a falar de terrenos que são privados relativamente aos quais foi atribuído, inclusivamente protocolado pela câmara - não por nós - um conjunto de possibilidades de construção que, felizmente, reduzimos em muitos casos para muito menos de metade.Mas fazem falta à Póvoa mais prédios - independentemente dos direitos adquiridos?O que definitivamente faz falta ao concelho é o que temos vindo a implementar que é a valorização do espaço público, o aproveitamento e a dinamização desses espaços. A grande questão é criar zonas de desafogo. A criação de parques urbanos já está em curso, de que é exemplar o parque urbano de Santa Sofia. O parque de Santa Sofia é um bom exemplo. Já não será tão bom o de Vialonga que tem apenas um terço construído…O de Vialonga está em construção… Fizemos uma aposta de grande qualidade no parque da flamenga. No jardim dos socalcos podemos encontrar um conjunto de património arqueológico. E o cuidado no projecto obrigou a maior investimento. Roma e Pavia não se fizeram num dia. Ainda em relação à Póvoa – fazem falta mais prédios?Fazem falta urbanizações de qualidade com áreas mais generosas do que ao longo das décadas têm vindo a ser construídas. Faz falta também a reabilitação das zonas urbanas. Como responde às pessoas que acham que “construção basta”?O que este PDM introduz é menor número de habitações com maior área cada uma. No concelho de Vila Franca de Xira foram sendo construídas habitações com áreas muito pequenas. É natural que os jovens procurem habitações com outra qualidade. As exigências dos dias de hoje não são as mesmas dos anos 60, 70 e 80, alturas em que foi construída talvez a esmagadora maioria das urbanizações contra as quais hoje, por ironia do destino, estão alguns que as viram crescer. São erros do passado. Mas está a permitir-se agora mais construção...Nas matérias da gestão territorial não há receitas maniqueístas. Nem tudo é branco nem tudo é preto. Estes espaços não são municipais. São espaços privados.Está a dizer que é impossível controlar a expansão?Estou a dizer que é possível fazer uma gestão responsável do território. E isso implica que a gente aceite que é preciso espaços urbanos novos, mas que temos que exigir que sejam de qualidade, que é preciso reabilitar espaços urbanos e que é preciso espaços onde não haja de todo construção, como é o caso da faixa ribeirinha.A cultura é agora um assunto sérioO facto de não existir cinema não é culpa da câmara municipal, diz Fernando PauloComo é ser vereador da juventude num concelho onde não existe cinema?O facto de não existir cinema neste momento não tem nada a ver com a câmara municipal, mas está neste momento em desenvolvimento um projecto que vai criar um grande espaço comercial em Alverca e que, entre muitas dezenas de outras coisas, tem uma rede de cinema. Estando próximos de Lisboa os munícipes acabam por preferir a capital.A proximidade que hoje em dia toda a área metropolitana de Lisboa tem permite uma fruição partilhada dos diversos produtos que estão à disposição, como é o caso do nosso caminho ribeirinho que é visitado por milhares de pessoas que não vêm só do nosso concelho. Isto acontece em relação aos equipamentos culturais e desportivos. O Museu do Neo-Realismo é outro dos espaços únicos no país. Quer dizer, já que estamos a falar do assunto, que a cultura não dá vontade de rir no concelho, ao contrário do que diziam algumas candidaturas [campanha da coligação Novo Rumo]?Creio que agora dizem que a cultura é um assunto sério (sorrisos). Tal como o resto. Por isso agora estamos de acordo. Os grupos de teatro queixam-se de falta de apoio. Nunca como hoje o movimento associativo foi tão apoiado pelo município. Estou neste momento a fazer reuniões com o movimento associativo para falar sobre os critérios de apoio. Este ano contamos atribuir só para o funcionamento das associações do concelho, que inclui IPSS’s e associações culturais, desportivas e recreativas, cerca de 800 mil euros. A questão é a falta de transporte. Os grupos receiam não ter capacidade para cumprir o protocolo. É um receio que não tem nenhum fundamento. A colaboração da câmara com os diversos grupos faz-se conversando e negociando os apoios e a câmara tem estado ao lado dos grupos de teatro e outras associações. O delfim de Maria da Luz RosinhaSai à rua de cabelo despenteado para uma sessão fotográfica inesperada, mas admite que é assim o seu estado normal. Chama-se Fernando Paulo, tem 36 anos e é o vereador da educação e juventude da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, apontado como o sucessor da socialista Maria da Luz Rosinha. Não mudou a forma de vestir depois de se tornar autarca. Em cerimónias formais usa casaco, mas ao fim de semana sai de calções e havaianas quando vai ao café com os dois filhos, de sete e cinco anos. É casado com uma pintora francesa, mas as questões familiares são quase tabu para o vereador socialista. Quando se pergunta pela história de amor partilha uma gargalhada com as duas pessoas que levou para a entrevista. É presidente da comissão política concelhia, militante ferrenho, que pensa e discursa em tons de rosa. Tem a foto dos dois filhos e duas telas da mulher a decorar o gabinete. É o espaço herdado de Conceição Santos, a vereadora com a pasta no mandato anterior. Tenta acompanhar as actividades desportivas dos filhos e consegue levar o mais velho à escola de manhã para estar mais próximo, já que há noite os compromissos se multiplicam. Sempre que pode participa nas tarefas domésticas e cozinha.Nasceu em Moçambique em 1973, terra natal da mãe, local de trabalho do pai, mas chegou a Vila Franca de Xira com quatro anos. Sente-se por isso vila-franquense. O pai foi engenheiro na câmara local. A mãe professora e técnica superior do Ministério da Agricultura. Foi escuteiro, brincou no bairro onde cresceu, na Quinta da Grinja, perto das piscinas municipais, fez ginástica e natação no União Desportiva Vila-franquense e até vendeu gelados, nas férias, aos 16 anos, no salão do cavalo. Passou pela Juventude Socialista na secção de Vila Franca de Xira e chegou a coordenador. Na concelhia da JS fez o mesmo percurso. Aproximou-se mais directamente da política aos 17 anos. “A política não é uma profissão”Quando despertou para a política activa?Foi na altura da célebre PGA [Prova Geral de Acesso]. Estávamos a viver momentos em que era preciso introduzir coração e razão numa política que tratava como igual o que era manifestamente diferente. As oportunidades não eram iguais para estudantes que vivessem isolados em Trás-os-Montes ou em zonas mais ricas. Foi uma luta que me motivou na vida política.A ideologia ficou logo clara?Sempre fui próximo dos ideais do partido socialista. A democracia, a liberdade, a inovação, a modernidade e o respeito pela pessoa humana são valores que me foram transmitidos pela família. A adesão ao partido socialista foi natural. E a escolha de Direito na faculdade?Foi um percurso que também se foi forjando. A questão dos direitos cívicos, a vontade de defender algumas causas, o reflectir sobre a forma como o sistema funcionava. Fiz o curso, o estágio e tive escritório aberto em Vila Franca de Xira durante um ano e meio, mas as responsabilidades fizeram com que suspendesse a inscrição pela necessidade de me dedicar em absoluto às responsabilidades autárquicas. Não lhe passou pela cabeça construir uma carreira mais sólida enquanto advogado para depois se dedicar à política. A intervenção cívica pode e deve ser exercida desde cedo. Sou o presidente da Comissão Política concelhia do Partido Socialista e foi com toda a naturalidade que as listas às juntas foram impregnadas de jovens. Há espaço para todas as idades e experiências. Como responde aos comentários daqueles que criticam o político profissional?A política não é uma profissão. Acho que não se é político. Está-se político. Nessa perspectiva ninguém é vereador ou deputado. Está ali naquele momento porque fez uma opção e porque os órgãos assim decidiram. Há uma célebre escultura que se chama a cadeira do poder em que se vê a base da cadeira completamente inclinada. É assim que vejo estes cargos.E tem esse desprendimento?Tenho que ter. Sobretudo em democracia. É absolutamente fundamental que as pessoas percebam que estão a cumprir uma função. Amanhã podem ir fazer coisas completamente diferentes. Não vejo a política como uma carreira. Perspectiva-se num regresso à sua condição de advogado?Não ponho nada de parte. Neste momento tenho um compromisso que se vai manter enquanto o PS assim o entender no desenvolvimento deste mandato. O resto ser verá. Que características deve ter, na sua opinião, o político exemplar?Capacidade de ouvir sugestões e de receber críticas. Deve estar permanentemente insatisfeito. Também não concebo a política sem uma outra característica - o humanismo. As pessoas são o objectivo, primeiro e último, de qualquer político. Insere-se nesse perfil? Não é uma pessoa muito expansiva…Depende dos contextos. Naturalmente a pessoa tem diversos registos. Diria que sou uma pessoa normal.Ver entrevista completa em www.omirante.pt
O vereador que vendeu gelados no salão do cavalo

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