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O homem que descobriu cedo como custa ganhar a vida

O homem que descobriu cedo como custa ganhar a vida

Carlos Caneira começou a trabalhar na juventude e está hoje numa funerária

A vida profissional de Carlos Caneira dava um filme, cheio de reviravoltas no enredo. Estudou na extinta Raret, foi militar, trabalhou numa serração, foi motorista, electricista e tem alguns dotes de mecânico. Num momento de aflição chegou a assar frangos num restaurante para pagar as contas. Hoje trabalha numa funerária e é um profissional dedicado.

As mãos de Carlos José Pereira Caneira sabem quanto a vida custa a ganhar. Descobriram cedo que têm mais utilidade na rua do que nas secretárias do liceu. Hoje gesticulam e acrescentam emoção e vivacidade aos relatos do nosso interlocutor. Foi militar, trabalhou numa serração, foi motorista, electricista e tem alguns dotes de mecânico. Num momento de aflição chegou mesmo a assar frangos num restaurante para pagar as contas. Hoje trabalha numa funerária e é um profissional dedicado. Com 35 anos, esta é a história de um homem nascido em Santarém e criado num dos cenários usados por Alves Redol: a freguesia de Glória do Ribatejo.“Vivi na Glória até aos 8 anos. Entretanto os meus pais foram morar para a Quinta da Sardinha, em Marinhais, onde o meu pai era encarregado. Estive lá até aos 12 anos. Um dia até ia morrendo, quando caí num arrozal. Depois voltámos para a Glória onde fiz toda a escola primária e onde chegava a assistir à tele-escola, que passava na RTP”, recorda a O MIRANTE. Passou pelas instalações da extinta Raret (centro emissor onde era transmitida a “Voz da América”) onde estudou. Mais tarde entrou na vida militar, convencido de que tinha um trabalho para a vida. Enganou-se. “A vida pregou-me uma partida. Fui para o serviço militar mas eram precisas muitas cunhas e eu sou filho de gente pobre, nunca tive hipótese. Estava com 22 meses de tropa quando acabaram com o quadro de praças. Concorri à escola de sargentos mas eram 7.000 pessoas para 150 vagas. Vim para a rua com o que tinha aprendido na tropa, ou seja, reparar jipes velhos, equipamentos e até uma Vespa que era do comandante”, recorda com ironia.Sem trabalho e a precisar de ganhar dinheiro para viver, Carlos lançou-se à vida. Procurou trabalho numa serração. O patrão era esquivo: deu-lhe trabalho mas não lhe pagou como mandava a tabela. “O trabalho era muito perigoso. Cheguei a ficar sem uma luva, que ficou presa na máquina. Bastava um descuido e lá se iam os dedos”, recorda. Novamente desempregado, não virou as costas à luta numa região onde os empregos não abundavam. Na época, a fábrica de transformação de tomate “IDAL” era um dos maiores empregadores da zona. Carlos não hesitou e pediu trabalho. “Arrisquei e deram-me emprego. Na fábrica já ganhava 47 contos (250 euros), o que era muito bom. Fui para a fabricação, fiz de tudo, limpei o lixo, coloquei rótulos, limpava frascos e acabei como motorista de primeira. As empresas dão sempre oportunidades a quem se esforça e quer trabalhar”, relata. Ao fim de 3 anos um desentendimento interno levou à sua saída. Inscreveu-se num centro de emprego, embora continuando a procurar diariamente uma solução. Bateu à porta de várias empresas e de uma fábrica de escadotes, “mas estava tudo cheio”, garante. Por fim, acabou como electricista numa empresa que prestava serviço na construção da fábrica do açúcar de Coruche. “Eu já tinha conhecimentos de electricidade e electrónica, que na Raret era uma das disciplinas obrigatórias. Perguntei o que havia para fazer. Disseram-me: “passar cabo”. Eu aceitei. Cheguei a ganhar 270 contos por mês (1 350 euros) mas depois surgiu outra oportunidade numa empresa de electricidade aqui da zona”, refere. Mas o vencimento era tão baixo que Carlos foi obrigado a fazer algumas horas extra para pagar as contas. “Comecei a fazer um biscate num café de Foros de Salvaterra a assar frangos num restaurante e foi aí que conheci o meu actual patrão, que é também um excelente profissional”. O responsável precisava de gente na funerária e Carlos foi convidado para ajudar. O desafio já dura há uma década. “As pessoas têm de ser sepultadas e alguém tem de o fazer. Essas situações nunca trazem felicidade, é sempre uma vida que se perde, são sempre momentos muito tristes”, refere.Sem deixar de olhar para o futuro, e antevendo os cabelos brancos que começam a chegar, Carlos formula um desejo: “Quando tiver o cabelo todo branco compro uma Harley, para andar com ela a esvoaçar”, ironiza o homem que tem várias motas e uma paixão por clássicos, a exemplo do Renault 5 GT Turbo que guarda na garagem.
O homem que descobriu cedo como custa ganhar a vida

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