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“A prova que o CNEMA foi um erro é que não atraiu investimento”

“A prova que o CNEMA foi um erro é que não atraiu investimento”

“A maior parte dos Planos Directores Municipais que estão em vigor só serve para inviabilizar investimentos”. José Diogo Mateus, presidente e membro fundador da Associação Profissional de Urbanistas Portugueses

É jovem e fala com frontalidade. Critica os responsáveis municipais que não têm a coragem de promover amplos debates com as populações sobre os Planos Directores Municipais. Lembra que o objectivo do planeamento é fazer com que as pessoas tenham qualidade de vida. Fala do fracasso do Centro Nacional de Exposições (CNEMA) afirmando que é algo estranho que a cidade de Santarém nunca procurou.

O Ordenamento do Território é um tema que está sempre na ordem do dia e na boca dos políticos. Como avalia a situação no distrito de Santarém?Não está muito bem ordenado, à semelhança do resto do país. Por ser um território agrícola ainda tem muita área que se mantém com essa actividade.O que motiva os municípios a quererem construir sempre mais?O investimento. Há um desejo enorme em afectar o território para um determinado uso para garantir que venha o investimento. Depois, às vezes o investimento vem para construir outras coisas. E nisto do ordenamento do território muita gente tem feito muita coisa e muito mal feita. Faz-se planeamento para o imediato. Por exemplo, na altura do Euro 2004, todos os municípios queriam estádios de futebol. Actualmente o que está a dar são plataformas logísticas. O Plano Director Municipal (PDM) tem uma vigência de dez anos e numa década os investimentos podem mudar. O planeamento tem que ser dinâmico mas com regras. Dinâmico o suficiente para permitir que o território se adapte às necessidades das populações. Isto é que é fazer urbanismo.Para que servem actualmente os PDM em vigor? Actualmente os PDM são instrumentos que, na maior parte das vezes, inviabilizam investimentos. Os presidentes de câmara, por vezes, têm dificuldade em aprovar determinados projectos que são bons para aquele território porque o PDM não deixa, uma vez que não foi previsto aquando da sua elaboração. Os PDM não foram criados para as populações. Acredito que há dez anos, quando foram feitos os primeiros, muita gente que participou na sua elaboração não sabia para que serviam. E actualmente algumas dessas pessoas continuam sem saber.As câmaras municipais são as principais culpadas do mau ordenamento do território?As câmaras municipais contratam para a área do urbanismo e do planeamento e ordenamento do território profissionais que não estão aptos para praticar estes “actos”, que não têm formação específica. Estas pessoas são os maiores responsáveis. Entregar a elaboração de um PDM a uma equipa que não esteja capacitada para ordenar o território é errado. O urbanismo é uma actividade pluridisciplinar e no meio disto tudo fez-se muita confusão. Arranja-se um arquitecto, um engenheiro, um geógrafo e um paisagista e eles que tratem do assunto.Está a decorrer a revisão dos primeiros PDM. O que deveria ser acautelado?Na altura de elaborar o PDM, os privados devem ser chamados. A discussão pública deve ser aberta não só à população como também aos investidores. Para se planear tem que se conhecer muito bem o território e os anseios das populações. Deve-se perguntar às pessoas a sua opinião antes de se começar uma obra, porque os equipamentos são para elas usufruírem. Elas são as principais interessadas.Fazer um PDM à medida de interesses particulares é sensato? As câmaras têm que garantir as infra-estruturas e os equipamentos. Fazer tudo aquilo que é necessário para suportar a vida das populações e fazer a ligação ao núcleo urbano mais próximo garantindo qualidade de vida. E deixar construir onde as pessoas querem?Não. Mas também não se podem limitar a dar as respostas que muitas vezes dão. “Se está fora do perímetro urbano não pode construir”. “E se for dentro do perímetro urbano?”. Aí já pode, basta cumprir os índices legais. Parece simples mas pode dar mau resultado. Por exemplo, o limite urbano de Santarém termina para lá da Rua O (circular urbana), e sempre que ali passo interrogo-me sobre o que acontecerá se alguém se lembrar de fazer ali uma urbanização. A resposta será: “Está dentro do limite urbano pode fazê-lo”. Mas quais serão as condições de vida dadas às pessoas que irão viver ali?Os espaços verdes estão a ser eliminados das cidades?As áreas novas das cidades têm poucos espaços verdes e estes são essenciais ao equilíbrio urbano por uma questão de saúde pública. Cada vez mais cresce-se em betão e esquece-se de crescer em verde. Se formos a cidades europeias mais centrais apercebemo-nos da existência de áreas verdes do tamanho de Santarém com as cidades a crescer à sua volta. Uma cidade ou vila do distrito que seja um bom exemplo de urbanismo?Posso apontar alguns bons exemplos dentro de territórios, agora cidades, no seu todo, como bom ordenamento do território, não existem no país. A Chamusca não tem grandes erros urbanísticos. Faz falta o IC3, mas fazem também falta maiores oportunidades para o concelho crescer. O território da Chamusca é muito difícil porque é muito grande, com muito montado e poucas áreas urbanas. Os Cirver (Centros Integrados de Recuperação, Valorização e Eliminação de Resíduos Perigosos) são um excelente investimento que vai trazer desenvolvimento e pessoas ao concelho. O Centro de Estágio de Rio Maior também é um bom exemplo assim como o pavilhão do Cevadeiro e o passeio ribeirinho entre Vila Franca de Xira e Alhandra. O aproveitamento da margem ribeirinha, um espaço natural, em Coruche, e a integração num espaço urbano também foi uma boa ideia.E um mau exemplo?O Entroncamento é um erro urbanístico. É um dos concelhos mais pequenos do distrito e só cresceu em área urbana, muito à conta da linha dos caminhos-de-ferro. Cresceu muito e de forma pouco coordenada e planeada. É uma cidade confusa para andar de carro ou para encontrar qualquer coisa. São muitos prédios, muitas casas e praticamente não existem espaços verdes para a população desfrutar. O seu crescimento não foi estruturado e desse ponto de vista é um erro.Como avalia o crescimento da cidade de Santarém nos últimos anos?A cidade de Santarém cresceu, mas cresceu mal. Lembro-me que, quando ainda lá morava, perto de minha casa – em frente à Escola Dr. Ginestal Machado – começaram a construir vivendas e passados cerca de três anos já existiam prédios ao lado. Eu pergunto. Que raio de ordenamento é este que permite fazer habitações unifamiliares e logo ao lado edifícios de seis e sete andares? O que é isto? Esta situação repete-se em vários locais. Autorizam-se loteamentos sem olhar para o espaço envolvente. Qual a pior zona da cidade? Há algumas. Mas a zona do Jardim de Baixo e Jardim de Cima é talvez a que mais me choca.Gosta do bairro de São Domingos?Nos anos 80 havia ali alguns edifícios. Era a área fora do planalto para onde toda a gente ia morar. Na década de 90 consolidou-se mas depois permitiram umas construções “esquisitas” junto da rua O. Eu não teria feito aquele desenho urbano. Tem uma estrutura muito pouco amiga do cidadão. A praceta Dr. Cónego Formigão é um aspecto positivo porque promove o convívio e é agradável estar num espaço daqueles, mas está ali como podia estar outra coisa qualquer. À frente não tem qualquer tipo de lógica e aí está um dos grandes exemplos que andamos a falar há muito tempo. O crescimento de coisas avulso através de loteamentos faz com que os equipamentos sejam remetidos para uma última opção. São Domingos cresceu e é uma pequena cidade, mas onde estão os equipamentos em S. Domingos? Ninguém promoveu uma ligação estruturada àquele espaço. A escola primária foi construída no meio dos prédios, assim como o centro de saúde. Não há espaços verdes. Em qualquer estrutura pensada esses equipamentos são construídos no centro, ou estão perto do centro do aglomerado. E há uma preocupação em localizar creches e escolas junto dos percursos que as pessoas fazem quando vão para o emprego. São Domingos merecia um melhor planeamento.Que construção nunca autorizaria em Santarém?Aquela ‘ovotunda’ junto ao shopping e à PSP. É uma aberração sem pés nem cabeça que nunca deveria ter sido construída e já não devia existir. Também nunca autorizaria uma construção em leito de cheia; em áreas de reserva ecológica e agrícola ou junto de linhas de alta tensão. Nunca permitiria construções que colocassem em perigo populações nem nada que, no seu conjunto, destoasse do que já está implantado ou que privasse os cidadãos de qualidade de vida.Como avalia a situação da Ribeira de Santarém?A Ribeira de Santarém é um local histórico e devia ser alvo de um plano de reabilitação urbana muito bem pensado e concertado. A primeira coisa a fazer é decidir se aquela localidade é para manter ou para se ir mantendo.Se mandasse, o que fazia?Se fosse eu, e sem pensar no investimento financeiro necessário, já tinha promovido a passagem da linha-férrea para a zona norte da cidade. Passaria a norte do complexo desportivo do Mocho e ia dar ao CNEMA onde ligava ao percurso normal. Mas no CNEMA criava uma estação intermodal com estação de caminho-de-ferro e autocarros. De certeza que o CNEMA ganhava outra vida.“Quando era pequeno queria construir cidades”José Diogo Mateus nasceu em Santarém há 35 anos. Em criança sonhava construir cidades. Antes de ingressar na universidade nunca tinha ouvido falar em urbanismo por isso pensava tirar dois cursos: arquitectura e engenharia civil. Foi em conversa com um amigo que descobriu que podia colocar em prática o seu sonho de criança. “Ele estava a tirar o curso de Planeamento Territorial e Urbano e como não fazia a mínima ideia do que era aquilo perguntei. Ele respondeu-me que era ‘fazer cidades’. Fiquei muito admirado porque não sabia que existia um curso para isso”, conta o urbanista.Ainda entrou em engenharia do Ambiente, mas decidiu mudar de curso e licenciou-se em Urbanismo pela Universidade Lusófona onde tirou o mestrado e o doutoramento. Assim que tirou o curso foi convidado para dar aulas na mesma Universidade. Já lá vão dez anos.Integra a equipa que está a elaborar os PDM da Chamusca, Palmela e Peniche. Fez a avaliação do PDM de Portimão e integrou ainda a equipa que avaliou o projecto Urban. Diogo Mateus é membro fundador e actual presidente da Associação Profissional de Urbanistas Portugueses. Criada em 2002 com o objectivo de agrupar os urbanistas portugueses com formação especifica e lutar para a dignificação da profissão.“A criação da Associação é uma forma de estruturar a profissão que está completamente desregrada. Em Portugal ainda existem pessoas sem formação na área que desempenham funções de urbanistas. Arquitectos, geográfos e engenheiros têm ocupado o lugar dos urbanistas, mas a maioria não tem formação. Há que responsabilizar as pessoas”, afirma.O CNEMA teve um custo de construção elevadíssimo e não cativou investimentoO CNEMA é um bom exemplo de urbanização?O CNEMA não faz sentido. Não devia existir. A prova é que, desde que foi feito, não atraiu qualquer investimento. O CNEMA é um mau exemplo tanto do ponto de vista urbano como do ponto de vista da gestão e da relação com a cidade porque não acrescenta nada. Não há qualquer tipo de relação com a cidade. Estava projectado um “country club”, nunca foi feito. O hotel – pelas razões que conhecemos – ficou a meio. O CNEMA teve um custo de construção elevadíssimo e não cativou investimento. Estruturalmente, dificilmente se aproveita alguma coisa porque é um espaço que está longe de tudo. Nunca houve apetência da cidade de Santarém para ir para ali.O que deveria ser feito naquele espaço?Compreenderia aquele espaço, livre de habitação, com alguns serviços mas utilizado e ligado à cidade por uma boa rede de transportes urbanos para puxar investimento. Mas isso não chega. Falta-lhe vida e essa vida só existirá com a colocação de alguns restaurantes, cinemas, espaços culturais, concertos. Tenho a sensação que as pessoas continuam a preferir um concerto na praça de toiros do que no CNEMA porque é muito chato ir lá para baixo.Continua a visitar a Feira da Agricultura?Quando se realizava no Largo da Feira não perdia um único dia. Quando a feira passou para o CNEMA, no primeiro e segundo ano fui lá muitas vezes. No terceiro ano foi algumas, mas posso dizer que há seis anos que não vou à Feira da Agricultura e continuo sem vontade de ir. Passamos de uma feira gratuita para uma feira paga.Qual é a sua opinião das festas da cidade que o actual presidente da câmara trouxe para Santarém?A essas tenho vontade de ir. São mais populares e são feitas no centro da cidade. Vieram trazer uma dinâmica muito interessante à cidade. E estão sempre cheias o que significa que as pessoas gostam da ideia.
“A prova que o CNEMA foi um erro é que não atraiu investimento”

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