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Odete Jerónimo

Odete Jerónimo

Empresária, 59 anos, Vale da Pinta - Cartaxo

Odete Jerónimo, 59 anos, vive dividida entre a sua residência em Vale da Pinta, Cartaxo, a cidade de Paris, onde vivem os dois filhos e os três netos, e a Beira Alta, de onde é natural o marido. Nasceu em Trás-os-Montes, mas as dificuldades fizeram-na emigrar cedo para França onde viveu 33 anos. É empresária da Casa da Fidalguia, um lar de idosos em Pontével, no Cartaxo, mas mais do que o lucro guia-a a paixão pelo ser humano.

Dizíamos que tínhamos tudo e não tínhamos nada. Aconteceu quando o meu pai morreu. Eu tinha 9 anos. Éramos sete irmãos. A mais velha tinha 15 e a mais nova dois meses. O meu pai era negociante de gado, tínhamos vinte pastores e vivíamos bem. Depois da sua morte, a minha mãe, habituada a ter poder económico, nunca quis dizer que passávamos dificuldades. Nem aos meus avós. Fazíamos trabalhos de tear para sobreviver. Foi uma época difícil, mas que forjou o nosso carácter. Fui a salto para Paris aos 12 anos, sem passaporte. Tinha lá uma irmã. Fui com um grupo de outras pessoas. Andei oito dias a pé. Dormia no chão. Cheguei a Paris sem falar uma palavra de francês. Aprendi muito a tomar conta de crianças e hoje falo melhor francês que português. Senti-me mais estrangeira em Portugal que em França. Nunca me senti maltratada em Paris. Antes pelo contrário. Fui muito apoiada. Apesar disso nunca quis optar pela nacionalidade francesa porque a minha alma é portuguesa. Os meus dois filhos nasceram em Paris. Fizemos uma vida boa. O meu marido tinha uma empresa de construção civil e eu uma imobiliária. Regressámos em 1994.O meu maior problema é que vejo os meus dois filhos e os meus três netos com pouca regularidade. Fui sempre um bocadinho Madre Teresa de Calcutá. Na aldeia do meu marido, no concelho do Sabugal, muitas pessoas emigraram. Via os velhinhos sempre sozinhos e comecei a fomentar a ideia de um lar. Ajudei a fazer festas e a vender rifas para ajudar a construir uma casa do género. Fiquei com a paixão pelos idosos. Acabei por denunciar uma situação com a qual não concordava, mas prometi a mim mesma que um dia iria fazer uma casa para idosos. Andei sete anos a lutar pelo projecto “Casa da Fidalguia”. Vivo em Vale da Pinta, no Cartaxo, na Beira Alta e em Paris. Vou com pouca frequência à aldeia onde nasci, Carção, Vimioso, distrito de Bragança, porque saí de lá muito jovem. Vou mais à aldeia do meu marido, mas tenho pouco tempo. Dedico-me inteiramente a este projecto e gosto muito dos meus idosos. Sou talvez um grão de areia numa praia. Pelo menos contrario a maioria. Os idosos, tal como as crianças, são aqueles que mais precisam de ser protegidos. Depois de uma vida de trabalho deviam ter amor e carinho. Nos últimos dois anos tirei dez dias de férias. Mais do que o lucro guia-me a paixão pelo ser humano.Nunca me sinto cansada. Começo o dia por volta das 9h00 e acabo às 21h00. Sinto-me muito feliz pelo projecto que realizei. O meu marido queixa-se, mas percebe a minha paixão. Quando tem vontade de me ver vem aqui. Faço o que gosto ao lado dos meus idosos. Ginástica e dança. Leio poemas e canto fados. É muito gratificante. No fundo passam a ser eles a nossa família. Há coisas que eles não contam aos próprios familiares. Na minha casa não sabemos o que é abandonar idosos. As famílias estão muito presentes. Nunca me vou embora sem eles terem jantado e já cheguei a cozinhar. Estive dois anos num convento. Entre os nove e os 11 anos. Vi muita injustiça. Creio em Deus. Algo há que nos governa, mas não vou muito à Igreja. Falo com Deus sozinha, mas não sou fanática da religião. A minha maneira de ser perante Deus é de não fazer aos outros aquilo que não quero para mim. Sou uma mãe galinha. Gosto muito dos meus filhos, mas fui sempre muito rígida. Transmiti-lhes valores e educação. O meu filho tem 38 anos e levanta-se no transporte público para dar o lugar a uma senhora de idade. A minha filha também. São muito humanos, gostam dos outros e estão prontos a ajudar. Lidar com a morte faz-nos perceber melhor a vida. A não dar demasiada importância ao dinheiro, às ambições desmedidas. Acho que o importante é que alguém se lembre de nós pela positiva. Não pelo que tivemos, mas pelo que fomos. Ana Santiago
Odete Jerónimo

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