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De condutor do Exército a cozinheiro em Vila Franca de Xira

De condutor do Exército a cozinheiro em Vila Franca de Xira

Alexandre Alberto tem uma vida profissional cheia de peripécias

Aos 63 anos, Alexandre Alberto garante que mantém a mesma força e vontade de trabalhar como no primeiro dia em que pegou ao serviço. Esteve num seminário, foi condutor do exército, pedreiro em Angola e agente da PSP em Vila Franca de Xira. Hoje encontrou a profissão que adora: ser cozinheiro.

A profissão de Alexandre Alberto é ser cozinheiro. É nela que se sente realizado. Mas olhando para o seu percurso profissional é fácil encontrar um trajecto cheio de altos e baixos, que enriquece uma curiosa história de vida. Estudou num seminário, desistiu e foi para a tropa. Aí se fez condutor. Em pleno Estado Novo foi para as colónias ganhar a vida como agente da Polícia de Segurança Pública. Regressou a Portugal na miséria. Foi pedreiro e, lentamente, chegou ao estatuto de empresário, sendo hoje dono de vários restaurantes, cafés e uma loja na cidade de Vila Franca de Xira.Alexandre Alberto nasceu em 1946 em Resende, perto de Lamego, e como tantos outros portugueses do seu tempo o dinheiro era escasso no seio familiar. Sem dinheiro para entrar na faculdade, os pais colocaram Alexandre num seminário. “Estive no seminário durante quatro anos, eu não tinha dinheiro para entrar na faculdade. Isso era coisa de ricos. Ainda assim aos 14 anos vi que aquela não era a minha vocação e desisti. Ainda continuei muito ligado à igreja, fui sacristão e ensinei a catequese mas depois tive de me fazer à vida”, conta a O MIRANTE. Findo o tempo religioso, Alexandre meteu as mãos na massa e dedicou-se à construção civil. Rapidamente a sua força de vontade o levou de trolha a empreiteiro. Porém, ao fim de pouco tempo as coisas começaram a correr mal e decidiu ingressar na vida militar. “Acabei por casar com 20 anos, tive um filho e senti que devia assentar um pouco. Acabei por ficar aquartelado em Coimbra mas depois fui transferido várias vezes. A vida naquele tempo era muito difícil para quem era pobre. Um dia troquei de quartel com um rapaz que era da Figueira da Foz. Fui para Vila Real. Mas ele teve azar, foi mobilizado para a Guerra do Ultramar. Foi destacado para a Guiné e lá morreu. Estive 40 meses como condutor do Exército em Vila Real mas nunca cheguei a ser mobilizado para a guerra. Em vez disso a minha vida era fazer os funerais dos meus camaradas que morriam lá fora e que chegavam cá a Portugal todos os dias”, recorda com tristeza.Uns meses depois tirou uma formação como desenhador e acabou por ir trabalhar para Angola na construção civil. Foi lá que uns familiares o aconselharam a candidatar-se à Polícia de Segurança Pública. “Acabei por entrar numa recruta da polícia, em Luanda. Mandaram-me para a polícia de choque”, recorda o nosso interlocutor. Com a revolução de 25 de Abril de 1974 a vida de Alexandre Alberto dá nova reviravolta. Começa a descolonização e as pilhagens. “Estive dois anos a comer ovos estrelados com salsichas e batata frita em cima de uma tábua de engomar. Uma vez fiz um sacrifício enorme na fila do refeitório da PSP para comer um pedaço de bacalhau. Mas como era tão pouco eles voltavam a meter os restos dos pratos dentro do tacho para dar para todos. Não comi…”, diz com um sorriso. Farto da miséria, lembra-se de regressar a Portugal. “Foi ainda pior. Abandonei tudo para vir para cá, passei fome, vinha com uma sacola, alguns trocos e um saco com um quilo de amendoim por torrar. Não trazia mais nada. Acabei por encontrar a minha família na miséria também”, recorda. Para não ficar parado fez uns biscates num empreiteiro do norte e, certo dia, aproveitou uma vaga na PSP em Belém, Lisboa. Um familiar vivia na Vala do Carregado e Alexandre aproveitou. Ao fim de uns meses pediu transferência para Vila Franca de Xira e foi um dos nove polícias da esquadra. Ganhava 420 escudos.Anos depois tirou um curso de cozinheiro e dedicou-se à restauração. Abriu em Vila Franca de Xira a “Toca Transmontana” e o que hoje é o “Solar Sabores de Lamego”. O negócio cresceu e com ele a aquisição de um café em Povos, que abrirá até ao final deste mês. Recentemente abriu “O Fumeiro” a poucos metros do Museu do Neo-Realismo, uma casa dedicada à venda de especialidades de Lamego (fumados e queijos) e vinhos verdes de Barcelos. De sorriso fácil, Alexandre garante que continuará a trabalhar enquanto lhe restarem forças e vontade.
De condutor do Exército a cozinheiro em Vila Franca de Xira

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