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Quando os garrafões eram revestidos com vime em vez de plástico e não havia vinho embalado em vácuo

Luís Mendes Pedro chegou a tratar de três mil garrafões na casa agrícola onde trabalhava

Nas grandes quintas o trabalho dos cesteiros era fundamental e mais fundamental ainda quando havia muita produção de vinho. Cláudia Gameiro

No tempo em que o plástico ainda não era rei e a agricultura era o sector económico mais importante do país o trabalho de cesteiro era bem conhecido e reconhecido. Homens que faziam cestos e canastras de verga e, com o mesmo material entrançado, revestiam os garrafões usados para guardar vinho.Luís Mendes Pedro, agora na casa dos oitenta anos, foi cesteiro na Quinta da Cardiga, entre a Golegã e Vila Nova da Barquinha. Entrou primeiro para fazer o transporte do leite, mas não tardou a passar para o empalhamento de garrafões, ofício que aprendera em pequeno com o pai. “O forte da Cardiga era o vinho em garrafões e garrafa. Era vendido para todo o país e também para o estrangeiro. Trabalho não faltava. Chegámos a ter três mil garrafões para empalhar ou reparar”, conta.O material utilizado era apenas a verga, criada nos vimeiros dos terrenos da Quinta. Luís Pedro trabalhava inicialmente com o irmão. A certa altura o trabalho era tanto que o cesteiro tinha 14 funcionárias a trabalhar com ele. Com a chegada do plástico, foi o próprio cesteiro que anunciou ao patrão que a verga ia acabar. “Ele não acreditou mas permitiu que eu tirasse a carta de condução de ligeiros e pesados e colocou-me como motorista de uma camioneta com reboque, emprego que me valeu o sustento até chegar a reforma”, conta. Mas cesteiro uma vez, cesteiro toda a vida. Agora não trabalha para nenhum patrão e o que faz já não é para uso diário mas para decoração. Luís Pedro é artesão e mostra a sua arte em vias de extinção em escolas, lares de idosos e na televisão. “A Júlia Pinheiro convidou-me uma vez para ir até à Madeira conhecer outros artesãos da mesma arte mas eu recusei por ter medo de andar de avião. Hoje lamento a oportunidade perdida”, confessa. De boné na cabeça, avental azul para proteger a roupa, rodeado de vimes, Luís Pedro vai contando como se faz. “O vime é apanhado geralmente em Janeiro e é guardado em terra ou água até Abril, quando começa a ganhar folha. De seguida, é descascado numa máquina própria. Nas antigas tinha que se dar à manivela mas as modernas fazem tudo sozinhas (risos). Enquanto a verga preta deve ser seca e ficar de molho 12 dias, a verga branca, utilizada para enfeitar, amacia em pouco mais de três horas. Estando o material bem mole, pode começar-se o trabalho”.Um garrafão de cinco litros demora uma hora a empalhar. Mas há vasilhas maiores cujo revestimento pode levar um dia. Luís Pedro faz sobretudo cestas para colocar a lenha ou para enfeitar e muitas em miniatura, utilizadas com frequência em casamentos. Não obstante, garrafões que empalhe e leve para vender na feira esgotam com facilidade, recebendo bastantes pedidos. Com tantos anos de experiência é natural que diga que empalhar garrafões “não tem nada de complicado”. Para quem assiste não é essa a ideia que passa. Em redor do gargalo da base de vidro prendem-se nove a 11 vergas de vime, criando-se um pequeno esqueleto. De seguida, com uma verga mais fina, faz-se o entrançado, passando ora por cima ora por baixo da estrutura inicial. Chegado ao fim do gargalo, torna-se a juntar mais verga ao esqueleto, possibilitando assim um entrançado mais espesso. Depois é só usar a imaginação, criando-se desenhos pelo corpo do garrafão conforme for do agrado do cliente. A base é feita à parte e depois enlaçada. As asas têm de ser bem torcidas antes de serem presas à restante estrutura. Para quem acha que é fácil fica o convite para experimentar. O cesteiro está rendido aos materiais modernos. Quando se lhe pergunta onde o vinho se conserva melhor, não hesita. É no “bag in box”, sacos estanques revestidos a alumínio onde o vinho é embalado em vácuo e que são vendidos dentro de caixas de cartão com uma torneira de plástico. “São os melhores recipientes para o vinho porque não entra ar quando nos servimos e o vinho não azeda”, justifica.“Eu hoje sou patrão de mim mesmo. Recebo as encomendas e contacto com pessoas de vários pontos da região. Trabalho no horário que quero. Os meus netos não se interessam muito por este ofício que está em vias de extinção mas tem encontrado jovens com jeito e vontade de aprender. Acho que isto não tem dificuldade nenhuma mas, como em tudo, é preciso vocação e muita dedicação”.

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