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Um brinde à música dos anos sessenta

Um brinde à música dos anos sessenta

João e Carlos Sardinha, enólogos de profissão, músicos por paixão

Uma rádio pirata que tocava músicas dos Beatles e um acorde lançado pelos alunos da então escola agrícola de Santarém. Nasciam assim “Os Charruas”. João e Carlos Sardinha - irmãos, antigos alunos, enólogos de profissão - não mais largaram as violas. São do tempo em que não existiam festas académicas nem bebedeiras de cerveja. Era nos bailes que se ouvia música e o vinho era a bebida oficial das festas.Ana Santiago

Anos 60. Um grupo de alunos da então escola agrícola de Santarém - “Os Charruas” – dava os primeiros passos no mundo da música de ouvidos postos na “Caroline”. A rádio pirata que emitia a partir de um barco, fora das águas territoriais inglesas, num tempo em que a BBC tinha o monopólio da radiodifusão no Reino Unido. A rádio pirata também era sintonizada no Cartaxo. Os irmãos Carlos e João Sardinha embalavam sonhos ao ritmo da música “ié, ié” na década de sessenta em Portugal.“Fixávamos as músicas, escrevíamos as letras e no outro dia à tarde estávamos a ensaiar aquelas músicas com ‘Os Charruas’. Quando aparecíamos em público a tocar a música toda a gente gostava. Fomos tocando cada vez mais”, conta João Sardinha, um assumido “Charrua” de segunda geração. Quatro anos e meio mais novo que Carlos Sardinha que, à viola, alinhou no quarteto inicial em 1965. Foi assim que surgiram os primeiros temas dos Beatles e Rolling Stones no repertório da banda que sempre manteve os clássicos franceses ou não fosse Portugal influenciado na altura pela cultura francófona. O cantor Salvatore Adamo é referência incontornável. “Tombe La Neige” ou “Inch’Allah” constam do repertório. O segundo tema não vai faltar no espectáculo dos Charruas marcado para sexta-feira, às 22h30, na Festa do Vinho do Cartaxo.Carlos Sardinha foi tocar viola aos 14 anos para o grupo. O irmão seguiu-lhe os passos com Mário Viegas que ainda integra o grupo. Conseguir comprar um instrumento era difícil. “Hoje qualquer miúdo tem uma bateria. Na altura não era assim. Tínhamos que andar a poupar todos os meses com esse objectivo”.Dos quatro elementos da formação inicial [Carlos Sardinha, João Baptista, João Magalhães] Dany Silva foi o único que seguiu a carreira profissional na música. O grupo arrancou em 1965, a aventura abrandou com a ida para a tropa e com as missões no Ultramar, mas a paixão não morreu. O grupo mantém-se com algumas mudanças. “É numa casa no Cartaxo que fazemos os ensaios e bebemos o nosso copinho de vinho”. O público tornou-se mais exigente e o grupo acompanhou a tendência. Tocam as mesmas músicas, mas com outros instrumentos. O número de elementos em palco varia. “Depende do dinheiro”, explica João Sardinha. “Apesar de sermos amadores não somos a Santa Casa da Misericórdia. Temos as nossas despesas e temos um pianista que vem de Portalegre que gasta dinheiro de gasóleo, portagens e tem que almoçar pelo caminho”. Ensaiam aos domingos, mas nem todos. Apenas quando uma actuação se aproxima. Os ensaios são os suficientes para que a coisa corra bem. O repertório varia consoante os elementos em palco e o sítio do espectáculo. “Não podemos tocar sempre as mesmas coisas no Cartaxo”, justifica João Sardinha.São de um tempo em que não havia festas académicas. Era nos bailes que se ouvia música. Tocavam “Os Skeiks” e o Quarteto 1111 de Paulo de Carvalho, Carlos Mendes e José Cid. “Não tinha nada a ver com os espectáculos de hoje, palcos, milhares de pessoas a ver e a beber cerveja”.Nessa altura o que se bebia então? “Bebia-se vinho”, explica João Sardinha. “Vinho. Sempre”, reforça Carlos Sardinha. Mau vinho era o que não existia no grupo. Ou a formação não teria chegado aos dias de hoje. “Foi sempre gente responsável e nunca bebemos em excesso”. Hoje os jovens são levados a outros consumos. Apareceram as discotecas, os bares e os shots. Carlos Sardinha, 60 anos, é enólogo na Agrovia, Quinta da Lapa, Manique do Intendente, há 17 anos. João Sardinha, 56 anos, está na Quinta do Casal Monteiro, Almeirim, há 23 anos. Há cinco anos conseguiram juntar 700 pessoas no aniversário do grupo. Houve choro e ranger de dentes. Pessoas que não se viam há mais de 30 anos. Um arranjo de “Venham mais cinco”, do Zeca Afonso e “O Menino”, uma música tradicional da beira, tocado nos anos 60 pelo grupo Filarmónica Fraude, vão soar no espectáculo de sexta-feira: “Venham mais cinco/ Duma assentada/ Que eu pago já/ Do branco ou tinto/ Se o velho estica/ Eu fico por cá”.Acreditam que os grandes espectáculos são dos artistas daquela época e não do tempo das “músicas de consumo rápido”. Já tocaram com Paulo de Carvalho, Carlos Mendes, Manuel Freire, Vitorino e Carlos Guilherme. “Dá-me a sensação de que eles têm muito gozo em tocar aquelas músicas que não podem tocar agora porque os espectáculos deles não são aquilo”. Sentem a música como o ar que respiram. “Há pessoas que jogam ténis. Outros jogam golfe. Nós juntamo-nos ao domingo à tarde, ensaiamos e tocamos. Bebemos um copo, conversamos, discutimos. Somos muito amigos. É o escape da semana”, resume Carlos Sardinha.Abençoado vinho“O meu irmão abraçou a vida do vinho”, diz Carlos Sardinha. E a mesma imagem reflecte-se no espelho. A queda para a arte estará no perfil genético? “Tínhamos na família um chefe dos tanoeiros do Cartaxo que ensinou muita gente. Tio avó. Zé Sardinha. E um bisavô tanoeiro”, lembra João Sardinha. Fizeram os primeiros concursos de vinho na Azambuja e no Cartaxo e integram com orgulho a Tertúlia dos Enófilos do Cartaxo. “Sempre tivemos gratuitamente dois módulos da festa do vinho porque não temos fins lucrativos. Toda a gente vai provar um copo de vinho. É a única entidade a quem a câmara não recebe dinheiro”.A primeira e única bebedeira de João Sardinha foi com vinho tinto, num baile da escola. “Aquilo descontrolou-se, mas jurei para nunca mais e nunca mais aconteceu nada parecido”. O vinho, no tempo em que enólogo era profissão rara, vendia-se a granel. O único engarrafador que havia era a Adega Cooperativa do Cartaxo. “Quem queria consumir vinho em casa ia à taberna. Comprava um garrafão e levava para casa. Hoje o conceito é diferente quer em termos qualitativos quer em termos de consumo”.João Sardinha lembra-se de pegar na “garrafinha” e ir ao senhor Joaquim Miranda, que morava ao lado, buscar uma garrafa de vinho para o pai beber durante o dia. Hoje escolher um vinho é algo requintado. Pedir que sugiram um vinho é quase impossível. Os dois irmãos dão a cara por uma casa agrícola. “Depende daquilo que estamos a comer, do ambiente e da companhia”. O Ribatejo faz hoje em dia dos melhores vinhos que existem em Portugal. A marca Tejo apareceu para ajudar a vender o produto lá fora. O Ribatejo está bem servido. Palavra de enólogos.
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