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A muçulmana que nunca entrou numa Igreja Católica e duas africanas que adoram a terra onde vivem

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Forte da Casa tem uma vasta comunidade multicultural bem integrada na freguesia

Abandonaram os seus países de origem para tentar a sorte noutro continente. Trazem para a freguesia do Forte da Casa, concelho de Vila Franca de Xira, tradições, memórias e religiões diferentes. Para alguns o sonho é poder um dia regressar à pátria.Filipe Matias

Enquanto prepara os enchidos que vão acompanhar o cozido à portuguesa, Samira Salhli Agnous solta um sorriso. Na cozinha do Instituto de Apoio à Comunidade (IAC) do Forte da Casa, concelho de Vila Franca de Xira, manipula os alimentos como qualquer outra mulher, mas prepara-os ao gosto dos portugueses. A profissional marroquina é um exemplo de integração no Forte da Casa, freguesia que, como muitas outras do concelho de Vila Franca de Xira, é caracterizada por uma forte multiculturalidade.Enquanto revira as couves conta que nasceu numa cidade celebrizada por Humphrey Bogart e Ingrid Bergman: Casablanca. A cidade onde, segundo a lenda, “é fácil de entrar e difícil sair”. Samira conseguiu fazê-lo. Abandonou Marrocos com 30 anos depois de se ter casado com um homem que já trabalhava no Forte da Casa há seis anos. “Já moro aqui desde essa altura e gosto muito do Forte da Casa, lá fui conseguindo fazer a minha vida aqui”, conta a O MIRANTE. Samira passou um mau bocado quando chegou ao concelho vilafranquense,. Recorreu ao Instituto de Apoio à Comunidade para obter refeições quentes porque não tinha trabalho. “Felizmente o presidente da Junta de Freguesia, António José Inácio, arranjou-me um emprego aqui no centro e estou muito feliz”, confessa. A sua religião obriga-a a rezar cinco vezes ao dia, quando o trabalho assim o permite. Nunca entrou numa igreja católica. “Respeito todas as religiões, mas acredito nos profetas e não devo entrar noutra igreja”, explica. Samira cozinha de forma diferente dos portugueses tudo aquilo que come. A carne de porco está proibida e as restantes carnes não podem ter vestígios de sangue. Diz que já ouviu as colegas a falar de arroz de cabidela mas não tenciona provar. “Já gosto de algumas comidas portuguesas, como o bacalhau com natas”, diz com um sorriso. Aprender o português foi complicado e fê-lo ouvindo e praticando. Hoje é quase fluente no dialecto luso.“Não me sinto discriminada, embora às vezes, como uso um lenço na cabeça, as pessoas tenham tendência para olhar um pouquinho de lado, mas acho que é por curiosidade”, partilha. A marroquina tem medo de toiros por isso não sabe se irá assistir às largadas que vão dar vida à tradição ribatejana nas festas do Forte da Casa.É também frente ao fogão que está Maria Nunes, 52 anos, nascida em Cabo Verde. Prepara a comida para a festa do Dia de África, evento comemorado a 30 de Maio no concelho de Vila Franca de XiraA cachupa é um dos pratos principais confeccionado com produtos importados. Quiabos (um vegetal), mandioca, batata doce e manga. Maria Nunes arriscou vir para Portugal para estudar mas a vida trocou-lhe as voltas. “Constituí família e por aqui fiquei. Hoje sou operadora de lavandaria industrial”, conta ao nosso jornal. Garante que a sua vida é igual a qualquer outra pessoa. Não tem uma igreja específica onde rezar, mas diz acreditar no conceito de um Deus omnipotente. “O meu dia-a-dia é exactamente igual ao dos portugueses. Nunca notei qualquer diferença, a não ser o facto de nós às vezes comermos cachupa e vocês o bacalhau”, diz com um sorriso. Os seus cinco filhos e oito netos já se habituaram à comida portuguesa, por isso na casa de Maria os pratos africanos só se cozinham em dias de festa. Ser estrangeiro no Forte da Casa não invalida que se perca as suas raízes identitárias, defende outra africana, Fina Fernandes, natural da Guiné. Com 35 anos Fina não descarta a possibilidade de voltar à sua pátria e diz gostar do concelho de Vila Franca de Xira para viver. “Algumas coisas que fazíamos lá na terra fazemos aqui também. Às vezes juntamo-nos em vários grupos, de várias etnias, para dançar e conviver. Há uma boa vivência entre toda a comunidade”, garante. No seu dia-a-dia vê televisão mas prefere os canais de África. “Às 19h30, todos os dias, gosto de ver as notícias da minha terra, saber o que se passa por lá”, conta. A despedida é feita em crioulo, “porque o português é a língua de trabalho”, diz. Por isso, “N`ta odjau dipus”, ou seja, até mais logo.
A muçulmana que nunca entrou numa Igreja Católica e duas africanas que adoram a terra onde vivem

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