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“O primeiro-ministro não pode andar aos ziguezagues”

“O primeiro-ministro não pode andar aos ziguezagues”

As vinte e quatro respostas de António José Inácio a uma entrevista colorida

Tem orgulho no cabelo branco, é apaixonado por toiros e um homem poupado. Não troca sardinha assada por um prato requintado de nome pomposo. Tal como não resiste ao elogio sempre que vê uma mulher bem vestida. António José Inácio, presidente da junta do Forte da Casa, fundador do Instituto de Apoio à Comunidade, aceita o desafio de uma entrevista de temas salteados – da política à gastronomia – com perguntas quase tão variadas como as 140 gravatas que tem no guarda-fatos. Ana Santiago

Reparou nos sapatos vermelhos que o Papa usou quando visitou Portugal?Não estive tão perto do Papa a ponto de me aperceber dos sapatos. Mas estive no Terreiro do Paço, em Lisboa, e assisti à cerimónia a partir do barco varino da câmara com outros elementos do executivo. O vereador João de Carvalho levou uma televisão e observámos as imagens mais de perto. Também estive em Fátima no dia em que o Papa recebeu as instituições de solidariedade social. Estava a três metros do corredor central, mas no momento em que o Papa passou houve muita gente que se aproximou e eu não sai do lugar.O país andou a perder tempo?É sempre importante a vinda de um Papa. Ajuda a tranquilizar as pessoas. Mesmo as que não puderam deslocar-se a Lisboa, a Fátima ou ao Porto. Foi um momento de reflexão. Mesmo para as pessoas não católicas. Já o vimos de gravata cor-de-rosa. Há alguma cor que exclua do seu guarda-fato?Não. Devo ter à volta de 140 gravatas. Gosto muito de gravatas. No dia da minha apresentação tinha uma verde, mas em momento de eleições tanto uso a rosa, como uso a vermelha. Gosto de gravatas com vida. Com muitas cores. De quantos telemóveis precisa para viver?De um só. Tenho um cartão e dois números. Um é privado. Outro é o da junta de freguesia. Quando preciso de falar de assuntos que não são relacionados com a junta mudo o código. Mas um reencaminha para o outro. Portanto estão sempre os dois em funcionamento. Tenho sempre o telemóvel ligado. Mesmo no período de férias. A qualquer hora do dia ou da noite. O telemóvel está sempre em silêncio e dá um ligeiro sinal. O telemóvel não pára. Recebo centenas de chamadas. E respondo depois a todas elas. Ter o telemóvel sempre ligado é também uma forma de poder responder às pessoas que querem falar comigo. Só o desligo no avião.É capaz de elogiar uma mulher ou é ligeiramente tímido?Pelo contrário. Sou muito apreciador. Não só observo a roupa como o penteado. Sempre que gosto de alguma coisa, digo: «hoje está muito bonita» ou «está muito bem penteada». Na junta, mas também no Instituto de Apoio à Comunidade – 98 por cento dos trabalhadores são mulheres – isso acontece. Aprecio as mulheres bem vestidas. Mas também aprecio isso nos homens. Normalmente as senhoras têm esse cuidado de conjugar o fato, os sapatos, a pulseira e a mala. Um conjunto de coisas interessante que ajuda a revelar a personalidade. Posso gostar de um vestido que a pessoa que trabalha mais perto de mim tem hoje e não gostar tanto de outro que ela possa usar amanhã. Também há momentos em que as pessoas, por uma razão ou por outra, não se cuidam tanto. Convive com muitas mulheres. Como é que gere os ciúmes?Falo a toda a gente. Mesmo às pessoas que estão menos bem vestidas. Tenho essa forma de estar e isso permite que as pessoas me vejam tal qual sou. Acho que as pessoas sentem esta aproximação. Se existe algum ciúme não sei…Já lhe passou pela cabeça pintar o cabelo como alguns homens fazem?Não. Nunca o faria e não me parece que mude agora de ideia (risos). Desde muito novo comecei a ter cabelo branco. Mesmo o meu filho mais novo já começa a ter. Nos dias mais intensos qual é a sua forma de descompressão?Tenho momentos em que me sinto muito cansado depois de muitas reuniões. Quando venho de Lisboa, depois de muitas reuniões, como me aconteceu ainda esta semana, ligo o ar condicionado. A necessidade de poupança é uma ideia que tem sido muito repetida por causa da crise. É um homem poupado?Sou uma pessoa poupada. Trabalhei muitos anos na Central de Cervejas e comprei um apartamento. Nunca adquiri nada a prestações, com excepção do carro. Acho que a oferta de cartões e as facilidades que dão as grandes superfícies podem trazer alguma dificuldade ou a gestão não é a melhor. Estipulo determinado montante para gastar durante o mês e tento economizar algum, não muito, para uma situação imprevisível. Ao longo da minha vida nunca me lembro de ter assumido responsabilidades além das minhas possibilidades. Há milhares de pessoas que assumem responsabilidades e que depois não conseguem cumprir. Ou o casal separa-se, ou um deles fica desempregado ou aparece uma doença. Há quem ache que os políticos deveriam dar o exemplo na poupança. E se a contenção passasse por reduzir os ordenados dos presidentes de junta?Concordaria, mas os presidentes de junta estão já no patamar mais baixo. A seguir são os colegas da assembleia de freguesia. Estou a meio tempo como presidente e recebo 680 ou 700 euros (ainda não percebi bem porque é que o valor diverge). Claro que se o Governo - este ou outro qualquer, eleito democraticamente - viesse a fazer essa redução aceitaria desde que fosse para ajudar o país. A verdade é que até chegar aos presidentes de junta há milhares de pessoas - no Governo, no Parlamento, nas empresas públicas – que poderiam dar um contributo importante. O que não dispensa à mesa num dia de Verão?Gosto muito de um vinho branco fresquinho ou imperial Sagres. Trabalhei lá 25 anos e sou apreciador da marca. Tem um fabrico próprio muito especial. Nunca bebi whisky. Se tiver que beber água bebo.Faz sentido que as praias não tenham nadadores salvadores fora da época balnear?É uma situação que tem que ser repensada. Esta responsabilidade deve ser partilhada por diversas entidades: administração central, governos civis, câmaras e juntas. Se calhar os nadadores salvadores deveriam estar nas praias o ano todo. Há muitas praias que têm pessoas todo o ano. Isso acontece no Algarve, por exemplo. A vigilância tem que passar a ser feita muito mais cedo. Isto também em relação às praias fluviais. Que livros tem à cabeceira?Não tenho nenhum livro à cabeceira. Leio muitos jornais. Mesmo quando vou de férias compro dois ou três jornais. Fixo-me muito na imprensa regional e na imprensa nacional. Tem algum bode espiatório para a crise que atingiu a Europa e o mundo?O mundo não mudou há dois ou três meses. Tem estado em mudança há já há alguns anos. A Europa também. A contenção que se está a fazer agora já deveria ter sido feita há alguns anos. Os políticos têm a responsabilidade de falar às pessoas com maior clareza. Por aqui também passa a democracia. As pessoas começam a não acreditar naquilo que os políticos dizem. As pessoas estão cada vez mais atentas. Vão penalizar quem há um ano disse uma coisa e depois vem dizer outra e nem sequer consegue concretizar aquilo que diz. Não tem problemas em criticar o primeiro-ministro mesmo sendo da mesma cor política.Não tenho qualquer problema. Acho que o primeiro-ministro tem a grande responsabilidade de não fazer nenhum ziguezague. Tem que explicar aos portugueses porque é que uma vez diz uma coisa e, pouco tempo depois, diz outra. E digo isto com a maior consideração pelo engenheiro José Sócrates que tem sido sujeito a uma grande pressão parlamentar a que outras pessoas não teriam provavelmente resistido, independentemente das conclusões a que se cheguem nos inquéritos. Os grandes investimentos deveriam ser travados?Alguns, não todos. Isto tem que ver também com a economia do país e com a criação de emprego. Se se conseguir um equilíbrio acho que alguns devem ser feitos. Quem analisa estas questões deve ponderar e explicar bem ao país porque avançam uns e não avançam outros. À mesa, o que escolheria: um foie gras [pasta de fígado de ganso] ou sardinha assada?Sardinha assada. Sou totalmente português. Se tiver que ir para o estrangeiro é um problema. Uma das coisas que perguntei à senhora presidente de câmara a propósito da visita a Cabo Verde [Vila Franca de Xira está geminada com o município de Santa Catarina naquele país] foi, o que se comeria por lá. De facto a comida é muito semelhante. Comi muitas vezes peixe. Chicharro. Uma carapau muito grande que é um espectáculo. Tenho a preocupação, não que tenha tido alguma indicação, de fazer uma refeição de carne e outra de peixe. Qual é o seu tipo de vinho?Do Ribatejo, sempre que possível, embora também goste dos vinhos do Alentejo. Mas sou muito regionalista. Pode ser um vinho branco ou tinto. Depende da refeição. Gosto dos vinhos com um sabor das características das próprias uvas. Leves. Toiradas ou um espectáculo de golfinhos?Sou aficionado. E presidente da Escola de Toureio José Falcão. Se me colocassem dois espectáculos à mesma hora e ao mesmo dia iria ver a corrida. Já tenho visto espectáculos de golfinhos e também são bonitos.E o que responde aos defensores dos animais que se manifestam frente ao Campo Pequeno?Assiste-lhes todo o direito de se manifestarem, mas as corridas portuguesas têm uma grande tradição na cultura portuguesa. Quem se manifesta deveria perceber isso. É o espectáculo que movimenta mais pessoas a nível nacional, a seguir ao futebol. Era capaz de se meter frente a um toiro?Desde muito novo que gosto de largadas de toiros. Ia a Alenquer. No Forte da Casa não perco a largada das duas da manhã, na noite da sardinha assada, de sexta para sábado. Onde há largadas de toiros estou lá. Gosto das festas populares. Dão-nos a possibilidade de passar bons momentos com os amigos e de conhecer pessoas. Há dois anos cheguei ao Forte da Casa quando faltava um quarto de hora para as oito da manhã. Vinha da Feira de Maio de Azambuja. Gosto de estar perto do toiro, chamá-lo, mas sempre com segurança. Em jovem fazia maiores aproximações. Uma vez ainda fui parar ao Hospital. Foi mesmo colhido?A tranqueira onde estava tinha um peso muito grande e não suportou com todas as pessoas e partiu. Foi na vila alta, Alenquer. Fui das pessoas que provavelmente fiquei mais perto do toiro. Tive um momento difícil. Levei pancada. Felizmente o toiro estava embolado. Fui para o hospital de Vila Franca de Xira. Tinha 16 anos. Lembro-me que quando cheguei a casa os meus pais estavam aborrecidos e fui deitar-me cheio de marcas. Vai festejar a vitória do clube para a rua?Sou simpatizante do Benfica. Mas também vejo um jogo do Porto ou do Sporting. Sou uma pessoa extremamente calma a ver qualquer espectáculo. Se me convidarem e tiver disponibilidade vou, mas não aprecio tanto como se estivesse numa corrida de toiros. Um fim-de-semana na neve ou um safari em África?Preferia a neve. Não viajo muito porque também não há muitas condições, mas há três anos estive no Norte de Espanha, na neve, e gostei imenso. Gosto muito de praia, mas também gosto muito do frio e da neve.O senhor presidente da juntaAntónio José Inácio tem 62 anos e nasceu no concelho de Alenquer. É divorciado, vive em união de facto e tem dois filhos, de 25 e 37 anos. Trabalhou 26 anos na central de cervejas. Começou na área do enchimento da empresa, mas depois de estudar à noite tornou-se técnico de informática. Nos últimos anos ainda acumulou funções de vereador da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira. É fundador e presidente do Instituto de Apoio à Comunidade do Forte da Casa, freguesia a que preside como autarca.
“O primeiro-ministro não pode andar aos ziguezagues”

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