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“Os políticos servem-se da justiça para a luta política”

Juiz António Gaspar diz que a morosidade da justiça é culpa de todos

O juiz do primeiro juízo criminal do Tribunal de Santarém, que já passou pelos tribunais da Boa Hora, Loures, Rio Maior e outros, revela nesta entrevista alguns pormenores da justiça que muitas vezes passam ao lado dos cidadãos. Defensor da profissão, dos tribunais, António Gaspar diz que um julgamento tem semelhanças com as cenas teatrais onde se desfia o novelo que é a vida dos cidadãos. E refuta a ideia de que os juízes fazem pouco.

A justiça é o parente pobre da política e das prioridades dos Governos?Há uma perspectiva economicista. Mas temos que nos entender numa questão. A justiça é um serviço ao cidadão como é a saúde ou a educação e que são fundamentais num Estado de Direito. Mas os tribunais também devem ser sujeitos a uma avaliação de eficácia. Só que o resultado estará sempre condicionado aos meios que se colocam ao dispor da justiça. Porque concluir muitas vezes que o resultado é mau sem se ter em conta os meios empregues é no mínimo injusto. Por que é que há uma opinião generalizada de que os juízes trabalham pouco?Porque é isso que é informado, noticiado, muitas das vezes com uma grande carência de informação objectiva e com grande oportunismo. Quando se divulgam informações sobre os órgãos de soberania que são os tribunais, estas devem ter um tratamento profundo e muito cuidado. Os tribunais são órgãos de soberania e parece que isso incomoda actualmente muita gente. Ou seja, os juízes incomodam os políticos…Os juízes incomodam todas as pessoas a quem dirigem as suas decisões. E hoje são mais mediáticos os casos em que intervêm políticos. Quando aparecem cidadãos que desempenham funções públicas é evidente que a luta política acaba por se servir daquilo que os tribunais decidem. Não são os tribunais que se servem da luta política. A actividade política serve-se muito da actividade judiciária e não devia ser assim. Está a falar também da separação de poderes?Esse é um princípio que actualmente muito se apregoa mas muito se esquece. Mas as pessoas hoje afirmam-no quando têm interesse e esquecem-no quando têm deveres a cumprir. De quem é a culpa da morosidade da justiça, dos juízes? Dos advogados?Há vários factores que determinam essa morosidade que abrangem os juízes, advogados, funcionários… É uma culpa repartida por todos. Mas hoje também há outros factores uma vez que houve uma aposta legislativa para reduzir essa morosidade e essa aposta não conseguiu os objectivos. Por que é que se marcam vários julgamentos para a mesma hora e dia quando se sabe que nem metade se vão realizar?Antes, além do funcionário judicial havia o oficial de diligências que fazia o trabalho externo e o tribunal chamava as pessoas para a sala de audiências. Hoje só há o funcionário judicial e se o juiz marcar uma audiência de hora em hora este vai ter que sair da audiência de hora a hora para fazer as chamadas dos processos.Para comodidade da justiça prejudica-se o cidadão.Ao cidadão também lhe marcam uma consulta às nove da manhã e só é atendido ao meio-dia. A questão está na motivação que leva as pessoas aos lugares. À justiça nunca ninguém vem de livre vontade. Isto porque nós ainda não temos a cultura da cidadania e do Estado de Direito. O Direito para as pessoas devia ser tão importante como a Saúde e a Educação. E a lei concede uma compensação monetária pelas perdas que a testemunha teve por passar por exemplo uma tarde ou um dia no tribunal.Os tribunais começaram a abrir-se mais às comunidades, mas ainda são instituições fechadas, distantes do povo. Do que é que os agentes da justiça têm medo?Não creio que actualmente essa distanciação seja muito grande. Hoje todos os dias se fala da justiça, dos tribunais e de casos concretos na comunicação social. O problema que ainda se vive na instituição é o procurar conseguir o equilíbrio entre os direitos e os deveres. Ou seja a questão do segredo de justiça, a questão do dever de reserva dos magistrados e o direito à informação. É essa conjugação que muitas vezes é difícil de conseguir. E é nessa dificuldade que residem algumas reservas que muitas das pessoas que trabalham nos tribunais ainda retêm. O problema está na forma como se divulga?O facto da justiça dever estar mais próxima do cidadão não significa que seja devassada, de modo a que tudo o que se passa na justiça seja como se passa numa casa de espectáculos, de diversão.Mas um julgamento é uma representação quase teatral…A audiência em si é uma encenação que tem actores. O impulsionador desta ideia nos anos 80 foi o conselheiro Laborinho Lúcio e na altura isso gerou uma grande polémica. Ele utilizou o teatro como forma de colocar em cena o treino da audiência, para fazer experimentações. E há de facto semelhanças com o teatro, porque é uma cena que está voltada para o espectador. A experiência de vida de um juiz é importante na tomada de decisões?A experiência não é pela sua quantidade mas pela qualidade. E essa qualidade vai-se adquirindo ao longo dos anos e tem que ser enriquecida com o voltar de olhares para a dinâmica social. Um juiz com mais anos de trabalho é melhor juiz…Nem sempre, pode não ser, mas tem obrigação de o ser. De funcionário judicial a juiz António Gaspar nasceu há 54 anos no Cartaxo. Na juventude queria ser médico e a maioria dos seus colegas do sétimo ano acabaram por seguir medicina ou enfermagem. Perdeu-se um médico, mas ganhou-se um juiz que se apaixonou pela profissão quando começou a contactar com a justiça enquanto funcionário judicial. Quando terminou o sétimo ano de escolaridade foi trabalhar para Lisboa, esteve como funcionário no Tribunal da Boa Hora, depois foi colocado no Palácio da Justiça e passados três anos foi para o Centro de Estudos Judiciários (CEJ).Foi quando trabalhava no CEJ que resolve voltar a estudar e ingressa no curso de Direito, que concluiu em 1989. Quando iniciou o curso já era casado e tinha um filho. Diz que a sua mulher tem sido uma grande companheira e um pilar na sua vida. No seu percurso profissional passou pelos tribunais de Loures, Almeida, Rio Maior e Matosinhos. Recentemente passou a ter mais responsabilidades no Tribunal de Santarém, acumulando as funções de presidente do tribunal, cabendo-lhe gerir as instalações e os recursos humanos. Tem dois filhos, um de 15 anos e outro de 24. Costuma analisar processos em casa, aos fins-de-semana, mas consegue sempre arranjar tempo para ajudar o clube do seu coração, o Atneu Artistico Cartaxense, onde praticou ténis de mesa. Um dos prazeres da sua vida é comer. Costuma organizar encontros com amigos que foi fazendo ao longo da vida. Costuma chegar ao tribunal às 08h30 e sai por volta das 20h00. Para os que dizem que os juízes chegam tarde e fazem pouco, responde que só dizem isso porque elas não vêem grande parte da actividade do juiz. Uma parte do trabalho do juiz é de gabinete, de isolamento.

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