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Recordação - Muito antes de ganhar o Nobel

Foi numa segunda-feira, 10 de Agosto, corria o ano de 1992. Na Golegã havia mais que a cultura do cavalo. A conversa com o escritor José Saramago foi um dos momentos dos designados FIM - Encontros de Arte Con­temporânea. Duas horas de pura tertúlia no bar da piscina municipal. Na altura ainda estava quente a polémica à volta do livro “O Evangelho Segundo Jesus Cristo”. O MIRANTE registou algumas afirmações do futuro Nobel da Literatura, que publicou na edição saída três dias depois e que agora relembra.«Cada acto cometido à nossa volta, quer pelos nossos parentes, quer pelos nossos antigos, quer pe­los nossos inimigos, influi de ma­neira decisiva na nossa vida. Os livros que eu escrevi, existem por esta razão muito simples: por­que o meu pai foi para Lisboa quando eu tinha três anos Se não fosse assim eu, provavelmente ti­nha ido para a loja do senhor Viei­ra vender açúcar ou para a loja defronte vender xitas e riscados. Era agora o José Saramago da Azinhaga, digno cidadão, mas não existiam os livros que escrevi».“Cada um de nós fisicamente é apenas um, mas contudo, se olharmos para dentro de nós, encon­tramos várias pessoas e o grande esforço que fazemos ao longo da vida é para que os outros nos ve­jam como um só. É o esforço para controlarmos a nossa pluralidade. Eu tenho uma péssima reputa­ção neste país. Não porque tenha roubado ou assassinado, mas sou tido como uma pessoa antipática, presunçosa, complicada, orgulho­sa. Aqueles que me querem mesmo mal, até dizem que eu sou mui­to vaidoso. O que eu posso dizer de mim é que, pelo menos, sou uma pessoa bastante coerente. Quase me apetece dizer que eu sou de uma coerência total. Não renego nada do que fiz”.“O Alexandre O’ Neil dizia com muita graça e com muita inte­ligência, dirigindo-se aos autores, aos escritores: ‘Não contem a vi­dinha. A vidinha não tem importância nenhuma’. Eu trato de ir procurar os meus temas, não na minha própria vida pessoal, mas na visão que eu tenho do mundo, da sociedade, do homem, da história e da cultura. É aí que procuro os meus temas”.“O Evangelho Segundo Jesus Cristo é um livro sobre a cul­pa e a responsabilidade. A culpa do pai de Jesus, José, que tendo sa­bido, conforme se conta nos evan­gelhos, pela visita de um anjo, que Herodes ia mandar matar os me­ninos de Belém, não fez aquilo que era natural, que era bater à porta dos vizinhos e dizer-lhes para porem os filhos a salvo.” “Não tenho esse sentido do artista torturado. Escrever é uma coisa que eu faço, da parte da tar­de, sem romantismo nenhum. Para mim escrever é um trabalho. Um trabalho com a matéria. Um tra­balho com a palavra. Não estou à espera que o Espírito Santo me ve­nha segredar ao ouvido como é que eu vou escrever. E também não es­crevo para ninguém. A ideia de que o escritor tem em mente um públi­co é uma ideia que eu considero absurda. Não há um público para o autor. O que se estabelece depois entre o escritor e os leitores é o afecto. Afecto no sentido de que para o leitor, aquele autor é neces­sário. A grande tarefa do leitor não está em percebera história que está a ser contada, mas reconhecer que em cada livro vem uma pessoa que é o autor, que é preciso conhecer.”

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