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Bater no ceguinho

Na passada segunda-feira comecei o meu dia parando 15 minutos junto ao balcão da antiga relojoaria Silva, tempo suficiente para começar o dia a ouvir a dona Maria do Carmo Delgado a lembrar-me crónicas de que já nem guardava memória. Tinha a cabeça cansada e tirei a manhã para visitar algumas capelinhas onde gosto de rezar pela minha saúde mental. Da Chamusca segui para a Golegã onde me sentei em cima de um tractor alimentando a ideia de que um dia destes perco a cabeça e compro uma máquina daquelas para fazer o gosto ao dedo. No Entroncamento entrei numa casa de electrodomésticos mas foi numa loja de fotografias que encontrei conversa. Primeira grande proposta do dia: uma página em O MIRANTE só para falar de moda e da noite na região. Depois de um café e mais meia hora de conversa passei por um viveirista em Torres Novas e fui saber o que é que se pode plantar nesta altura. Como se não soubesse fui encontrar as plantas e as flores envasadas ao preço do ouro. Fiquei por ali meia hora a cheirar a terra molhada e a planear o pomar da minha vida. O telemóvel ia tocando mas nada que me roubasse a atenção. Mudei de número e de endereço de e-mail há cerca de um ano e a minha vida ganhou qualidade.Entrei em dois concessionários de automóveis e pela enésima vez perguntei o preço de uma carrinha 4X4 de caixa aberta. Um dia vou comprar para deixar de lado o meu velho Volvo mas, até lá, ainda vai correr muita água por debaixo das pontes. Passei por uma empresa na zona industrial de Santarém e sentei-me na cadeira do administrador a falar sobre a vidinha. Aquele homem viajou comigo um dia pela Europa e levava um livro na mão que depois me ofereceu e que marcou a minha vida. Trouxe duas garrafas de vinho e um abraço do reencontro com alguém que, apesar das diferenças, tem o mesmo gosto pela vida.Entrei depois em mais duas empresas com as portas meio abertas. Não encontrei quem procurava mas espreitei a crise pelo buraco da fechadura. É graça de Deus termos sensibilidade e juízo para aprendermos com os erros e os espalhanços dos outros? Às duas e meia da tarde estava num restaurante do centro da cidade de Santarém a comer cerejas depois de meio prato de bacalhau com grão. Senti-me cansado e fui buscar ao fundo da gaveta a memória de que o meu dia fora de casa tinha começado ao balcão da farmácia onde trabalha o sportinguista mais descrente que existe ao cima da terra; no domingo transpirei com uma enxada nas mãos e deixei secar a roupa no corpo. Resultado: estou com um pigarro na garganta e pelo que conheço de mim vem aí constipação pela certa.Espanto-me por saber que sou amigo de gente de espírito livre, e libertário, que é leitora assídua de livros de auto-ajuda. Tenho duas crónicas escritas a dizer mal. Esta manhã de convívio, apesar do cansaço, deu-me a volta ao espírito. Recuso-me ser advogado do diabo. Antes uma crónica narcisista que maldizente só porque sim e é fácil bater no ceguinho. JAE

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