Uma mulher que não se cansa de aprender
Emília Graça é funcionária administrativa no Centro de Saúde de Ourém
Começou a trabalhar aos 13 anos mas sempre teve a intenção de aprender mais e mais. Foi a vontade de estudar que a levou a procurar um conjunto de amigos que compusessem as 15 pessoas necessárias para abrir uma turma no ensino nocturno. E assim chegou ao 12º ano.
Emília Graça tinha 13 anos quando arranjou o seu primeiro emprego. No antigo Hospital Santo Agostinho, em Ourém, com três médicos e um enfermeiro, fez de tudo um pouco, desde o trabalho da cozinha a suturas a doentes. Tempos diferentes, recorda, “em que havia mais respeito, mais educação”. Hoje, a trabalhar como administrativa no Centro de Saúde de Ourém, para onde passou após o encerramento do hospital, reflecte que sempre gostou de aprender e que nunca é tarde para fazê-lo.Actualmente com 55 anos, diz que foram as carências económicas que a obrigaram a parar os estudos pelo ensino primário. Mas, aos 13 anos, Emília Graça “era muito activa, gostava de aprender”, fazendo o trabalho com alegria e vontade. Numa ocasião, recorda, já com cerca de 18 anos, apareceu no hospital um acidentado com uma grande ferida na cabeça. Como o enfermeiro não estava presente, Emília Graça colocou mãos à obra e tratou da ferida. Quando o enfermeiro regressou indicou-lhe que o trabalho “estava óptimo”. “Eu tinha orgulho naquilo que fazia”, comenta.Até ao 25 de Abril de 1974, passou por todos os serviços do hospital, aprendendo com os profissionais, observando o que a rodeava. Com 15 anos decidiu regressar aos estudos e completou o 12º ano. “A escola secundária nocturna abriu comigo”, lembra, destacando que foi a vontade de estudar que a levou a procurar um conjunto de amigos que compusessem as 15 pessoas necessárias para abrir uma turma. “Só uns nove terminaram, mas hoje já é um mundo as aulas à noite”. Ainda que nunca tenha ingressado em nenhum curso superior, foi fazendo todo o tipo de formações que foi encontrando, contando actualmente com cerca de 18 cursos. Ir para a universidade não está fora de questão. Bastava que a oportunidade surgisse. “Aprender sempre”, sublinha constantemente, destacando que também gostaria de se dedicar a crianças e animais. Após a revolução de Abril, deixou de poder trabalhar lado a lado com médicos e enfermeiros, mas continuou nas restantes funções. No Centro de Saúde de Ourém, o trabalho como administrativa é intenso e amplo em obrigações. “Marcar/desmarcar consultas, atender o telefone, todo o apoio médico, todo o expediente inerente ao utente. É muito vasto e muito cansativo”, comenta.“É um trabalho muito desgastante. As pessoas cada vez exigem mais, acham que só têm direitos, há mais falta de respeito, acham que têm direito a tudo a qualquer hora”, desabafa. Por norma, entra às 08h00 e “já se encontra gente mal disposta, a exigir, antes de dizer bom dia”. “Os utentes mais complicados são aqueles que estão a receber o rendimento mínimo, são os mais exigentes, os que recebem sem trabalhar”, aponta. “Os mais fáceis são, pelo contrário, as pessoas humildes, alguns idosos e aqueles que sabem o que é trabalhar”. Apesar de tudo, Emília Graça destaca que gosta do que faz. Os bons momentos passados a atender os outros reflectem-se quando as pessoas se dirigem ao centro de saúde apenas para vê-la. “Há uma senhora que ainda se lembra de mim pequena, a cantar”, nota sorridente. “Hoje não consigo ser eu mesma, as pessoas muitas vezes não admitem uma brincadeira”. A situação actual, a economia e as dificuldades gerais da população, também não ajudam. Quando interpelada sobre momentos menos bons, comenta o facto de muitas vezes estar a tentar ajudar a pessoa e esta tratá-la com “sete pedras na mão”. “Nesta sociedade podre, tem um bom sabor o sermos honestos, sermos diferentes”, reflecte. Emília Graça sente-se explorada todos os dias. “Muito e de que maneira”. “Sinto que estou a ser roubada por essas pessoas que vão para lá exigir e estão a ganhar o rendimento mínimo”.Também já se viu confrontada com situações difíceis. Principalmente em tempo de Verão e no Natal, é ver “pais serem abandonados pelos filhos ou as próprias crianças”, nota. “Agora no Verão, os emigrantes metem os pais em consultas sem necessidade nenhuma”, constata. Pelos corredores do centro de saúde, também já assistiu a situações de violência doméstica. “Tentamos lidar com as coisas o melhor que podemos”.
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