
Sofia Dias Yéyé Sussu é uma mãe de santo do candomblé
Os rituais com origem em África ainda são vistos por muitos como bruxaria
Diz que foi a primeira mãe de santo (sacerdotisa) de etnia branca na religião do candomblé, onde os líderes religiosos são todos de origem negra. Maria Sofia Dias, de 57 anos, residente em Coutada Velha, concelho de Benavente, foi educada no catolicismo. A conversão ao candomblé – ainda vista como bruxaria – só veio a acontecer depois de casada e por influência de um amigo brasileiro.
Na Coutada Velha, os portões abrem-se para uma grande quinta com dez mil metros quadrados onde se situa a Associação Portuguesa de Cultura Afro-Brasileira. Sofia, ou Mãe YéYé Sussu como é conhecida, recebe-nos numa espécie de sótão da casa, decorado com trajes africanos e muitos objectos afro-brasileiros expostos nas paredes. É aqui o templo onde se celebram os rituais religiosos do candomblé.A religião do candomblé teve origem nos escravos da Nigéria, do Benim e da República do Togo, chamado de reino de Yorùbá, e consiste na prática de rituais africanos que foram depois levados para o Brasil. A palavra em si significa festa e está associada às tradições africanas. O culto centra-se nas divindades chamadas Orixás, deuses ligado a elementos naturais – como a água, fogo, ar, terra - e também a elementos sociais - como a justiça.Sofia veste toda de branco da cabeça aos pés, com um turbante que lhe envolve a cabeça. Ao fundo da sala há três tambores rituais, denominados atabaques, e o chão está coberto de pétalas de flores num grande rectângulo destinado às danças cerimoniais religiosas. O aroma das flores faz-se sentir por toda a divisão, que é um espaço amplo com várias janelas e com capacidade para conviverem mais de 50 pessoas. Ao canto esquerdo há uma pequena mesa de café, onde se senta a sacerdotisa quando lança os búzios, o método de adivinhação que serve para receber as mensagens das divindades. Sofia sempre se sentiu diferente das outras pessoas. A sacerdotisa conta a O MIRANTE que desde pequena sempre teve sonhos sobre episódios que aconteciam depois no futuro. O facto fez com que lhe chamassem “bruxa” e cultivou muitas vezes o medo entre alguns conhecidos. As visões continuaram ao longo da vida e foram elas que a levaram até ao candomblé. Sofia tinha um amigo brasileiro filho de santo - que significa que foi iniciado nesta tradição. Depois de uma viagem ao Brasil, a casa deste amigo, Sofia percebeu que esta religião estava perto daquilo que procurava. Começou então a sonhar com uma mulher negra baixinha e ligou para vários templos afro-brasileiros na Bahia até que encontrou a pessoa com quem tinha sonhado, que também disse que estava à espera de Sofia há já muitos anos. Essa pessoa era a Mãe Nitinha de Oxum, uma das mais conhecidas mães de santo do Brasil e que integrou a comitiva presidencial de Lula da Silva aquando das exéquias do Papa João Paulo II. Sofia regressou a Portugal e trouxe com ela a religião. Começou por envolver os amigos mais próximos – todos eles portugueses e de classe alta - e por criar, em Janeiro de 2007 a Associação Portuguesa de Cultura Afro-Brasileira. Neste momento o culto já conta com cerca de 50 a 60 pessoas, das quais cerca de 30 são africanos. “Não há muitos brasileiros”, explica, “porque a maioria dos brasileiros que estão em Portugal são evangélicos e essa religião faz guerra às tradições africanas, que consideram tudo o que é africano como demoníaco”.Da criação da associação até à aceitação do culto religioso foi apenas um passo. A comunidade portuguesa do candomblé yorùbá foi reconhecida pessoa colectiva religiosa em Janeiro de 2010, o que significa que tem o mesmo estatuto que outras religiões em Portugal como a comunidade islâmica ou judaica. Isto permite também que possam celebrar os festejos religiosos na rua, e que crianças nascidas na comunidade possam ser registadas com nomes yorùbás. Mas esse reconhecimento oficial não impede que esta religião seja alvo de preconceito. “Nas festas da Coutada Velha há sempre um cortejo e o padre faz questão de não passar à nossa porta. Há também crianças que passam e gritam ofensas”, refere tristemente João Ferreira Dias, filho de YéYé Sussu, acrescentando que um vizinho chegou mesmo a chamar a polícia durante a celebração do culto. YéYé Sussu não acha que seja preconceito. “As pessoas das aldeias sempre procuraram – ainda que escondido - aquilo que chamavam as bruxinhas, as pessoas das mezinhas. As pessoas vão à missa, rezam o Pai-Nosso, mas continuam a ir”, sublinha. A sacerdotisa sente que tem uma função especial neste mundo. Uma missão. “Ajudar quem precisa de mim e ir ao encontro do lado que a medicina não é capaz, recorrendo às forças da natureza.”O ritual do XirêO candomblé é uma religião iniciática, o que significa que quem não é iniciado neste culto não conhece os segredos da religião nem os rituais privados. No entanto, existem alguns rituais com celebrações públicas, como o Xirê, ao qual todos podem assistir. No início da celebração tocam-se os três atabaques (tambores) e ao som ritmado da percussão africana começa o Xirê, com cânticos alusivos aos Orixás (divindades), cantados em dialecto yorùbá.Homens e mulheres vestem sumptuosos trajes africanos típicos, de cores vivas, e dançam então à volta do espaço sagrado, pisando as folhas de várias flores, que formam um tapete de pétalas pelo chão. Ao pisar as folhas nas danças inalam o cheiro forte, que conjuntamente com os cânticos, a dança e o ritmo dos tambores pode conduzir à entrada em transe e à possessão da divindade ou Orixá.“Ter um Orixá é ter uma espécie de anjo da guarda”, explica a sacerdotisa YéYé Sussu. Esta comunicação entre o sagrado e o profano pode acontecer até em pessoas que ainda não foram iniciadas na religião. “Uma menina de 12 anos que não conhecia a religião e que participou no ritual, entrou em transe”, refere a mãe de santo.”Quando foi tocado o Orixá da menina, eu ouvi o coração bater e vi-a muito vermelha. Ela estava em estado febril. Enfiei-lhe uma saia pela cabeça e pus a menina no meio a dançar. A menina dançou melhor do que algumas que já cá estão há 5 anos. A isso eu chamo nascer e ter (o Orixá)”, conclui.Na religião do candomblé acredita-se que a pessoa nasce várias vezes e que o que é bom é estar na terra. Não existe a concepção de pecado nem inferno. Acredita-se na reencarnação permanente e na predestinação, ou seja, a pessoa já nasce com o seu destino traçado, o qual é depois revelado pelas divindades.

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