Vera Alves
41 anos, psicóloga, Cartaxo
Tem 41 anos. É psicóloga. Vera Alves passa o tempo a ouvir os problemas dos outros. Comove-se com o sofrimento de alguns, mas a experiência já a ensinou a defender-se do envolvimento. Nos tempos livres devora romances e anda de mota.
Nasci em casa. No Cartaxo. Sou de 1969. Fui para Lisboa aos 19 anos. Num meio mais pequeno há coisas negativas e positivas. Há o conforto de todos nos conhecermos e de sentirmos alguma segurança na rua. Na minha altura saíamos da discoteca Horta da Fonte às quatro da manhã e cada um ia sozinho para casa. A desvantagem de um meio pequeno é que há muita gente atenta às coisas más que os outros fazem. Um dia pensei ser jornalista de desporto. Cresci num ambiente de carros e motos. Eu própria tive moto muito cedo. Adoro carros e adoro fórmula 1. Como sou péssima a línguas, achei que seria melhor não seguir essa vertente. Como teria algumas dificuldades nem sequer tentei. Apaixonei-me pela filosofia. No décimo ano. Tive três professores fantásticos. Tive algumas dificuldades na adolescência. Não gostava de estudar. Era adolescente. Quando cheguei ao décimo ano a filosofia começou a dizer-me alguma coisa. Pensei: é mesmo isto, quero ficar aqui a pensar sobre as coisas. Quando chegou a altura de concorrer à faculdade questionei-me sobre o que poderia fazer com filosofia. A única saída era o ensino. Não me apeteceu. Foi então que surgiu a psicologia organizacional. Acabei por apaixonar-me pela psicologia clínica. O funcionamento emocional, a personalidade e as questões da mente começam a interessar-me. Toda a gente devia ir ao psicólogo. A ideia de que só deve ir ao psicólogo quem não está bom da cabeça é um rótulo de há muitos anos. Não é assim. Por vezes as pessoas vêm cá apenas para investir nelas mesmas. Porque são demasiado ansiosas ou oscilam muito em termos dos estados de ânimo. Estão contentes e sem razão aparente ficam tristes. Isto faz com que necessitem de ajuda. Por vezes também há situações patológicas, insónias, pessoas que não lidam bem com a ansiedade. Alguns problemas físicos estão associados ao facto de não se lidar bem com o stress. Há pessoas que têm situações de vida muito delicadas. Até são pessoas corajosas, mas que ficam com muitas sequelas internas. O sofrimento dos outros comove-me. Mas tenho que conseguir trabalhar para minimizar este sofrimento. Há situações com as quais nos identificamos. Às vezes sente-se um nó na garganta. Por vezes a lágrima também quer aparecer. Se estiver atento ao sofrimento do paciente consigo não me envolver. Estamos a trabalhar não estamos a ter uma conversa de café. Não sou a amiga que dá um abraço ou faz um conforto. Há casos que nos fazem bem à alma. Acompanhei uma rapariga de 30 anos obesa que vivia com os pais. Era demasiado protegida. Os pais não promoviam a sua autonomia. Todos os namorados da adolescência eram muito maus. Estivemos em terapia alguns anos. Entretanto ela conseguiu ter um contacto num outro país. Emigrou. Enviou-me uma carta para a clínica passado um tempo. Tinha perdido quase 50 quilos, estava grávida, tinha casado e estava a trabalhar. Tudo o que ela sempre desejou. Já não durmo com os pacientes. Ao contrário do que acontecia quando comecei a trabalhar. Hoje em dia faço muito bem o corte entre o meu trabalho e a minha vida pessoal. Também porque demoro uma hora a chegar a casa. Vou geralmente no carro, em silêncio, a rever algumas questões do dia. Vou desligando das coisas da terapia e vou começando a pensar no que é que vou fazer para jantar. Sou eu que trato das roupas lá de casa. O meu marido é que é o cozinheiro. Pelo menos deveria ser porque tem muito mais jeito. Chega mais cedo que eu e muitas das vezes é ele que cozinha. Em casa não delego a roupa. Sou eu que ponho a roupa a lavar e lavo a roupa à mão.Ando de mota. Tenho uma vespa que o meu marido me ofereceu. Damos alguns passeios ao fim de semana. É uma coisa que me dá prazer. Faço ginásio e caminhadas. Leio imenso. Sou viciada. Gosto de ler coisas que me ponham a pensar. Romances, alguma ficção, ensaios. Nesse momento tenho o “Diário da Bicicleta”, de David Byrne. Ele é um cantor dos anos 80. Mora em Nova Iorque e faz um diário das viagens pela América e Europa. Conheceu a cidade de bicicleta. É o olhar dele. Tem coisas de arquitectura, de fotografia, reflexões sobre a cidade, sobre a população. Tem ali muito de psicologia. Recomendo. Vícios? Tabaco. Café só um ou dois por dia. Lema de vida não tenho. Não me agarro a frases feitas. O facto de ter feito psicoterapia na faculdade e de ler muito faz com que reflicta muito. Aproveito as experiências. As minhas e as dos meus pacientes. Reflicto sobre isso. Tento mudar e tento fazer diferente. Ana Santiago
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