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Um cidadão do mundo com base em Almeirim

Cândido Azevedo é professor na China e um estudioso da presença portuguesa no Oriente

É em Almeirim que tem a sua base, para onde pensa regressar em definitivo dentro de dois anos. Até lá vai continuar a dar aulas na China. De férias na cidade ribatejana onde tem casa, fala das suas andanças pelo mundo, da sua ligação ao Ribatejo e dos tempos em que foi delegado distrital da extinta Direcção Geral de Desportos, membro da comissão executiva da Feira Nacional de Agricultura e candidato à Câmara de Almeirim pelo PSD.

João CalhazO que pensa fazer quando regressar de vez a Portugal?Parado e quieto não consigo estar, senão envelheço. Trabalhar é que me mantém novo. Não tenho ideia do que virei fazer, mas gostaria de dar um contributo para que o nosso país seja melhor. Vejo tanta gente metida na política sem competência, sem tarimba, sem experiência… Esse contributo pode passar pela política autárquica?A política autárquica não me motiva muito. Quando fui delegado distrital da Direcção Geral de Desportos (DGD) fui escolhido por um partido que estava no Governo, só que a minha postura foi de tal forma ética que passaram por mim 13 governos e nenhum me mexeu e toda a gente me agradeceu. Ficou vacinado da política autárquica após essa experiência como vereador em Almeirim há cerca de oito anos?Fiquei vacinado enquanto autarca minoritário de uma câmara.Não gostou de trabalhar em minoria?Não é isso. É que primeiro põem-se os interesses partidários em vez de se porem os interesses locais. Entende-se que tendo sido eu director da DGD tantos anos, que venha para uma autarquia e só por não ser da cor da maioria nem sequer me atribuam o pelouro do desporto?Ninguém o convidou?Não.E o senhor também não se fez convidado…Não. A casamentos e baptizados só vão os convidados. Sou amigo do presidente da câmara e até percebo por que ele não me deu nenhum pelouro. Porque também foi eleito um vereador comunista e para me dar a mim tinha também de dar ao outro. E ele pessoalmente estava incompatibilizado com essa pessoa. Face a essa situação, o novo chamamento de Macau acabou por se sobrepor à política?Sim. Estava como vereador, fazia-me ouvir, mas as minhas propostas nunca eram aceites. E meses depois via propostas minhas serem postas em prática apresentadas pelo partido da maioria. A política é assim! Não quero dizer que os outros também não o fizessem. Na altura, o reitor de Macau foi recebido na Câmara de Almeirim e o presidente disse que era com pena que me via partir, porque o executivo gostava de me ouvir.Mas nunca o convidaram para funções executivas…Tinham maioria absoluta e por isso é que digo que as maiorias absolutas nas câmaras por vezes são inconvenientes. Se na governação do país dão estabilidade, nas autarquias não jogam com os interesses de todos. O que gostava de experimentar na política?Não sei. Não tenho ambições políticas, mas sinto que tenho capacidade para desempenhar melhor as funções de muita gente que vemos todos os dias nos ecrãs da televisão. Não me refiro a cargos ministeriáveis. Sou suficientemente humilde para reconhecer que não tenho capacidade para tanto, mas saberei dar o meu contributo em certas áreas se a isso for chamado. Por exemplo: há alguém que conheça as comunidades portuguesas melhor que eu? Já dei três vezes a volta ao mundo. Não há um território onde tenha havido uma comunidade portuguesa que eu não tenha visitado. Viajo para conhecer a história e não para fazer praia. Estive em 83 países.Tem casa em Almeirim. A cidade continua a ser a sua base?Almeirim será sempre a minha base.Segue com atenção o que lá se passa?Sim, completamente.A cidade tem crescido bem?A cidade tem crescido, mas podia ter crescido de outra forma, com outros modelos, a outro ritmo. Mas há detalhes que me faltam para poder ajuizar mais profundamente. De qualquer forma noto uma certa modificação para melhor. Vai acompanhando também as tricas políticas?Vou estando a par. Tenho muita pena que nas últimas eleições não tenha sido eleita uma voz moderadora para a câmara. Está a falar de um representante do PSD?Sim. Uma voz do PSD é uma voz muito consensual, apesar de não lhe distribuírem poderes. Faz a diferença. O que terá falhado para os eleitores não darem o seu voto a essa voz moderadora?Penso que tem a ver com o aparecimento da lista independente do Maurício, que do PS derivou para uma independência que acabou por ser suportada pelo eleitorado do PSD. Os eleitores terão visto nele uma promessa capaz. Qualquer coisa aconteceu ali. O PSD tem de procurar roubar novamente esse eleitorado ao MICA.O presidente da Câmara de Almeirim está a cumprir o seu último mandato, segundo a lei. Vai deixar saudades?A mim, como amigo, deixa. Como presidente da câmara teve bons anos mas também teve maus anos. Não posso julgar em detalhe porque não vivi o pormenor, aquelas coisas que são importantes para fazer um todo. Para mim, teve falhas. Aliás, só por isso assumi concorrer contra ele, que é o meu maior amigo em Almeirim. Há essa particularidade, porque somos oriundos dos Pupilos do Exército, uma escola onde se fomenta a amizade com “a” grande. Fomos também colegas enquanto professores na escola industrial de Santarém, chegámos a passar férias juntos. Que falhas foram essas que o levaram a candidatar-se contra o seu melhor amigo?Não gostei da gestão de obras. Acho que se podia fazer muito mais coisas. Um exemplo é aquele edifício da camionagem, onde era suposto estarem os autocarros e está o museu da Casa do Povo. Na área do desporto encontro também algumas falhas. Mas as pessoas que geriram essa área não são profissionais. As falhas maiores foram na gestão da própria autarquia em si. Na altura das eleições pus cá fora o meu projecto caso fosse eleito presidente. Não fui e fiquei com a sensação que o povo de Almeirim também não merece muito mais.O que quer dizer com isso?Criticam, escrevem, fazem barulho mas depois quando chega o dia das eleições votam na mãozinha, como muita gente me disse. Fiz campanha eleitoral porta a porta e toda a gente se queixava. Quem acha que dava um bom sucessor do actual presidente da câmara?Não faço ideia.O número dois Pedro Ribeiro, que é também responsável pela área do desporto?Penso que o Pedro Ribeiro é um jovem com interesse, que vive para a política, que foi trabalhado no Partido Socialista. É um jovem ambicioso e responsável, mas não poderei dizer honestamente que já está, digamos, em ponto de rebuçado para poder vir a ser o futuro presidente. Acho que lhe falta ainda alguma tarimba e tem que sentir o que são dificuldades, porque desde muito novo anda nisto mas nunca sentiu o amargo da oposição. Agora, se um dia vier a ser presidente da câmara certamente merece-o porque trabalhou para isso. De Damão a Pequim Casado e pai de dois filhos, Cândido Azevedo nasceu há quase 62 anos em Damão, na então Índia Portuguesa, filho e neto de portugueses já nascidos por aquelas paragens. Aos 10 anos saiu da Índia rumo a Lisboa com uma morada e uma nota de 500 escudos cosida no bolso das calças, mandado pelo pai. O objectivo foi ingressar nos Pupilos do Exército, onde esteve quatro anos e de onde saiu por não ter média para frequentar o curso de oficiais. Ironia do destino: alguns anos mais tarde, após ser mobilizado para a guerra colonial quando frequentava a universidade em Lourenço Marques, foi alferes dos Comandos em Moçambique, para onde entretanto a família se mudara.Em Novembro de 1974 regressa a Portugal “recambiado” pela Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique), que não queria por lá ex-instrutores dos Comandos das tropas coloniais portuguesas. Tem como destino Santarém, onde viviam familiares da esposa. Aí residiu apenas 7 meses, antes de fixar residência em Almeirim, onde ainda tem casa e cidade que considera a sua “base”.O seu primeiro trabalho foi dar aulas de Educação Física na Escola Industrial Ginestal Machado, em Santarém. No chamado “Verão Quente” de 75 foi convidado para liderar a delegação distrital da Direcção Geral de Desportos, com sede em Santarém. Aceitou e ali permaneceu durante 13 anos, sobrevivendo a sucessivos governos de várias cores partidárias. Acumulava as funções com as aulas de ginástica que dava na Casa do Benfica de Santarém e no Ateneu Artístico Cartaxense, onde ajudou a formar campeões.Durante esse período é ainda convidado a integrar a comissão executiva da Feira Nacional de Agricultura, onde esteve durante nove anos assumindo inicialmente o pelouro das actividades lúdicas e didácticas e depois o das relações públicas.Entretanto, à licenciatura em Educação Física soma a de História. Em 1988, Cândido Azevedo é convidado a dar aulas no Instituto Politécnico de Macau. Falou com a esposa e decidiu aceitar. Regressa ao Oriente, onde ainda hoje faz a sua vida profissional, actualmente como professor catedrático de Língua e Literatura Portuguesa na Universidade de Pequim. “Fui por três anos e estou lá há 22”. Pensou regressar de vez a Portugal em 2001, quando se candidatou a presidente da Câmara de Almeirim e era professor na Universidade Lusófona. Acabou por não ser eleito e ser vereador da oposição não lhe encheu as medidas. O reitor da Universidade de Macau veio a Portugal e aproveitou para lhe fazer novo convite para assumir um “projecto especial”. Aceitou e agora o regresso definitivo está previsto para daqui a dois anos. “Porque quero ainda ser útil também cá”. Cândido Azevedo é um apaixonado pela História do antigo império português, que tem divulgado em vários livros publicados, o último dos quais apresentado sábado em Almeirim com o título “O Lúdico na História do Oriente Português. Um diálogo intercultural do século XV ao século XX”. Um estudo que o obrigou a viajar por todo o Oriente onde os portugueses estiveram, como Goa, Damão, Diu, Chaul, Ceilão, Maldivas, Malaca, Macau, Timor, Molucas ou Ambeno. “Há que fazer uma maior aproximação entre o CNEMA e Santarém”Pertenceu à comissão executiva da Feira Nacional de Agricultura, em Santarém, durante nove anos. Como vê a feira actualmente?Não tenho acompanhado a Feira Nacional de Agricultura há já alguns anos, porque se realiza numa altura em que não estou cá.Mas tem ideia do que se vai fazendo.Não. Sei é que a administração é paga, coisa que no meu tempo não acontecia. Era por amor à camisola e à terra. A feira passou a ser administrada por uma empresa e tenho pena que como empresa o CNEMA não proporcione mais actividades do que aquelas três exposições anuais.Concordou com a saída da feira do Campo Infante da Câmara?Era importante a feira sair do planalto, mas jamais pensámos que iria haver um divórcio com a cidade. Há que fazer uma maior aproximação entre o CNEMA e a cidade. Recordo com saudade o antigo presidente da câmara Ladislau Teles Botas, um grande homem que alinhou na compra da Quinta das Cegonhas, onde agora se realiza a feira, e que também ele previa outro tipo de feira.Trabalhou em Santarém durante 13 anos antes de rumar ao Oriente. O que acha da cidade actualmente?Gostei do novo Jardim da Liberdade. Mas gostaria também de ver fontanários, de ver árvores naquele passeio público. De o ver mais acolhedor, para que as pessoas saiam mais de casa.Acompanha também o que se passa em Santarém?Procuro acompanhar.A eleição de um presidente de câmara que é uma figura mediática ajuda a essa curiosidade?Teve o seu contributo. Ao mediatismo da pessoa passou a ser associada Santarém, para o bem e para o mal. Ficou satisfeito por a Câmara de Santarém ser conquistada pelo seu partido?Bastante. A câmara vinha de uma crise a que se tinha de pôr fim. Pelo menos houve projectos, houve ideias, revolucionou-se. Bem ou mal? Daqui a uns anos vai-se fazer história.Acha que Santarém tem dado passos no sentido da afirmação como capital desta região?Tem procurado dar, mas há qualquer coisa que falta. Aquela zona entre a cidade alta e a cidade baixa devia estar melhor ligada. Conheço cidades na China que solucionaram este tipo de problema através de jardins nas encostas, de circuitos de peões que conseguiram dar vida à cidade juntando as zonas altas com as zonas baixas. Se Santarém não conseguir ligar esses dois aspectos vai ser sempre uma cidade muito espartilhada.“Prefiro sopa da pedra a arroz xau-xau”Vai aproveitar esta estadia em Almeirim para visitar o festival Pão, Vinho e Companhia?Certamente. É um apreciador da gastronomia portuguesa?Muito. Aliás é aquilo que me falta quando estou na China. Em Macau não, porque lá temos bons restaurantes portugueses. Desses três elementos, Pão, Vinho e Companhia, qual prefere?Prefiro a companhia dos amigos. E tenho bons amigos aqui em Almeirim. Aliás, apesar de ser militante do PSD os meus melhores amigos estão todos na área contrária.Isso mostra que não é uma pessoa sectária?Absolutamente nada.Almeirim tem sabido aproveitar a vertente gastronómica da melhor maneira?Penso que não. Quando me candidatei apostei também nessa área, defendendo que se devia trabalhar de outra forma. Teoricamente, em termos gastronómicos, Almeirim é a terra do melão e da sopa da pedra. Na prática vemos bichas às portas dos restaurantes, sobretudo aos fins-de-semana. O que temos feito mais? Almeirim não merecia já, havendo um politécnico tão perto, uma escola de hotelaria?Já existe uma em Santarém.Antes que existisse essa, eu já me batia para que houvesse uma em Almeirim. Entre uma sopa da pedra e um arroz xau-xau qual prefere?Sopa da pedra. Gosta de comida chinesa?De alguma. Não consegui habituar-me à comida chinesa, porque a verdadeira comida chinesa não é nada daquilo que comemos cá. Os sabores são completamente diferentes. Aliás, almocei hoje com os meus alunos chineses num restaurante chinês e eles ficaram espantados de eu comer tanta variedade de comida chinesa. Porque é comida chinesa feita para o paladar de um português. E a gente na China não tem nada daquilo. E os seus alunos gostaram?Gostaram. Comeram. Mas eles comem tudo.É habitual frequentador dos restaurantes chineses quando está em Portugal?Não. Raramente. Só mesmo de vez em quando.E das lojas chinesas?Quando estou na China sou, porque aquilo é para usar e deitar fora. Quando estou em Portugal e quero coisas com alguma durabilidade, não. É mais fácil comer com pauzinhos ou com garfo e faca?Com garfo e faca.De início sujava muito a toalha?Pior que a toalha é a camisola. Cai sempre qualquer coisa.Qual é o prato de que tem mais saudades quando está na China?Uma costeleta de novilho, uma posta mirandesa. Na China essa carne suculenta faz-me uma falta terrível. O que é que na China o põe de olhos em bico?Muita coisa. Não me comprometa (risos) …E por cá?O que me põe de olhos em bico, ou de olhos em raiva, é a má política que se faz neste país. Sou um homem de História, que vive muito os acontecimentos do passado. Nós fomos um grande país. A China tinha respeito por nós. Éramos considerados o grande reino do mar do Oeste. O que somos hoje? Não tenho saudosismo do império, que teve a sua época como todos, mas orgulho-me daquilo que fomos.É por isso que escreve tanto sobre o nosso passado.Estou a escrever agora um livro que se chama “Pequenas histórias da nossa grande História”. As pessoas desconhecem que o primeiro homem que subiu os Himalaias foi um português. Toda a gente pensa que foram os ingleses. Os ingleses foram 200 anos depois. Foi um padre que montou uma igreja dedicada à santa virgem a seis mil metros de altitude. Foram os portugueses que modificaram a língua e a escrita do Vietname. A espingarda portuguesa esteve na base da unificação do Japão. Quatro homens submarinos portugueses meteram quase uma armada japonesa ao fundo. Nós na Ásia fizemos tanta coisa de que quase ninguém fala…Por que é que esses episódios não vêm nos livros de História de Portugal?É isso que me aflige, esta política educativa… Não há que ter vergonha do passado. Os alemães já levantaram a cara e sabem condenar o nazismo e aquilo que os seus dirigentes fizeram. Salazar já lá vai!

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