Quem não tem uma história passada na feira, para contar?
Toda a gente tem histórias passadas na feira de Santa Iria para contar. E há muitas outras histórias à espera de quem ali vai ano após ano. A Feira é um espaço de liberdade e aventura num tempo em que é tudo programado e são poucas as oportunidades de viver aventuras inesperadas e, por isso mesmo, inesquecíveis. As que se seguem foram-nos contadas por pessoas na casa dos 30, dos 40, dos 50 e dos 60. Gerações e gerações de naturais de Tomar que não deixam morrer um dos mais emblemáticos acontecimentos da cidade.
João Patrício, 55 anos, professor e contador de estórias“Apanhado com um macaco do circo ao ombro a contar histórias”João Patrício chegou a Tomar no início da década de 70, para estudar e trabalhar no Colégio de Nun’Álvares (CNA). Durante o período da Feira de Santa Iria, os alunos do Colégio tinham direito a umas saídas suplementares. Teria 15 anos quando chegou a sua vez. Até então conhecia a feira apenas das descrições feitas pelo pai, quando este por ali passava integrado nos “ranchos” da apanha de azeitona, vindos de Ansião nos idos anos 50. “ Foi um deslumbramento a minha primeira ida à feira embora estivesse preocupado em arranjar dinheiro para tantas solicitações”, conta recordando que era este o seu pensamento enquanto rondava os animais do circo. Foi numa altura dessas que uma macaca lhe subiu para o ombro e tratou de lhe roubar uns amendoins “que guardava na mão como um tesouro”. Foi aí que teve uma ideia e foi para o meio da multidão, de boné na mão e macaco ao ombro a contar “estórias” maravilhosas do animal que o adoptou como seu dono e senhor. As moedas foram muitas mas, a “brincadeira”acabou mal uma vez que alguém terá informado o dono do Circo. “Só de lá saí acompanhado pelo saudoso Perfeito Curinhas, que me levou de volta para o colégio”, conta. O pior ainda estava para vir. “Não pude voltar a visitar a feira e não fui autorizado a sair mais nenhuma vez nesse longínquo ano de 1971”, recorda. “O dinheiro para a feira que só chegava para os primeiros dias” Em criança, Silvino Henriques confessa que aguardava todos os anos com alguma ansiedade pela chegada da Feira de Santa Iria a Tomar, especialmente para andar nos carrosséis. “Na altura os meus pais davam-me sempre o equivalente a 20 euros, para gastar durante os quinze dias que durava a feira”, recorda. Passada uma semana já o “crédito” tinha esgotado e começavam então as sessões de sensibilização dos pais para um suplemento ao subsídio inicial. E muitas vezes eles iam na cantiga, conta a sorrir. Actualmente faz questão de ir à feira com os filhos. “É divertido e engraçado ver as crianças a divertirem-se como nós um dia já o fizemos. E a feira das passas também é muito importante para o comércio da cidade”, diz o empresário que abriu há seis meses uma “Boutique de carnes e peixes” perto do centro histórico de Tomar.António Rodrigues, 65 anos, presidente Junta Freguesia Santa Maria dos OlivaisO ano em que os alunos do Nun’Álvares destruíram um carrosselAos 65 anos, António Rodrigues, actual presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria dos Olivais, recorda que quando era menino vivia na Longra, a seis quilómetros de distância, e que tinha por hábito apanhar figos para secar. “O dinheiro da venda desses figos servia para pagar o carrossel na Feira de Santa Iria”, conta. Mas há uma história sobre a Feira de Santa Iria que o marcou especialmente. Antigo funcionário no Colégio Nun’Álvares Pereira, sob a direcção do carismático director Dr. Raul Lopes, costumava acompanhar os alunos à feira. O Colégio tinha na altura entre 700 e 800 alunos internos. Um ano, que pensa ter sido 1961, alguns alunos acharam que o dono de um carrocel tinha que lhes oferecer uma volta de borla mas ele não foi na conversa. “Foi uma guerra civil que acabou com uma cena de pancadaria, pessoas no hospital e o carrossel completamente destruído”, conta António Rodrigues. A polícia e também a tropa que estava instalada no Convento de São Francisco, junto à Várzea Grande, intervieram mas os ânimos continuaram exaltados. A ordem só regressou quando o director do colégio chegou e impôs a sua autoridade. “Sua cambada de parvalhões. Tudo à minha frente”, limitou-se ele a dizer. E reinou a paz. O autarca recorda que se impressionou com a cena e que houve famílias que choraram ao ver o respeito que os alunos tinham ao director do colégio. “Pareciam cordeirinhos, todos em fila”, atesta. Ficaram todos de castigo. E conclui. “Foi um exagero. Se o dono do carrossel tivesse dado a borla tinha ganho muito dinheiro logo a seguir. Assim, naquele ano, só teve prejuízo”, refere. Andar nos carrinhos de choque mesmo sem ter idade para issoO que Carlos Nunes recorda mais da Feira de Santa Iria da sua infância são os carrosséis e as pistolas de fulminantes que comprava nas barraquinhas e com as quais brincava aos cowboys. Mas também lembra-se de tentar andar nos carrinhos de choque, apesar de não ter idade para isso. “Havia sempre essa expectativa. Por vezes pedíamos a alguém mais velho da família para nos acompanhar só para experimentarmos essa emoção forte”, conta o cabeleireiro do Salão Nunes. A ida ao circo era também um momento que aguardava com bastante expectativa. “A primeira vez que fui ao circo foi na Feira de Santa Iria e foi bastante gratificante porque montavam as jaulas para os animais até quase às cadeiras da frente e ver animais ao perto que só víamos na televisão ou nos livros foi uma sensação bastante forte”, conta. Recorda ainda que a Feira de Santa Iria, e também a Feira das Passas, era um lugar de culto uma vez que era nesta ocasião que se reencontravam os amigos. “Comprávamos as botas de pele com biqueiras de aço e toda a envolvência da feira criava uma certa magia”, refere. “As pessoas do campo compravam cobertores às carradas”“Lembro-me da minha mãe ir vender os frutos secos à feira de Santa Iria. Íamos numa carroça, puxada por um macho, até à Rua dos Táxis onde estava muita gente a vender”, recorda Fernanda Lopes, que durante muitos anos ajudou a mãe nessa tarefa. Apanhavam-se os figos e as uvas, secavam-se e depois de secos vendiam-se. “Era uma maneira das pessoas arranjarem dinheiro, que era pouco”, refere. Responsável, mesmo em criança nunca lhe deu para fugir para os carrosséis. O que de mais engraçado recorda da feira eram as carrinhas de vendedores ambulantes que vendiam cobertores ao quilo, com o vendedor de microfone pendurado ao pescoço. “As pessoas do campo compravam cobertores às carradas já a pensar no Inverno. Tínhamos a tradição de ir ao circo todos os anos e, quando terminava, pela uma da manhã, as pessoas esperavam, na fila, pelo táxi (o único meio de transporte disponível para quem morava mais afastado da cidade) embrulhadas às mantas que compravam”, recorda a empresária da TemplarLuz que ainda mantém o hábito de ir comer sardinhas à feira de Santa Iria.“Tinha boa pontaria na barraquinha dos tiros”Vítor Luta começou a trabalhar com apenas 11 anos na extinta Gráfica de Tomar mas mesmo assim conseguia dar um salto até à Feira de Santa Iria. Lembra-se, sobretudo, de gostar da barraquinha dos tiros e de andar nos carrinhos de choque. “Tinha boa pontaria e cheguei a ganhar alguns prémios como bonecos de peluche ou uma garrafa de gasosa”, conta lembrando que era sempre uma emoção para uma criança agarrar numa arma mesmo que fosse uma simples pressão de ar. Lembra ainda que aproveitava a hora de almoço, comia à pressa, para conseguir ir à feira com um grupo de amigos. Actualmente já só vai à feira de passagem. “Já não é tão apelativa como antigamente”, confessa o empresário da Gráfica Tipomar, recordando que quando ia à feira com os pais, estes compravam-lhe sempre “um carrito ou uma camioneta” nas barracas de brinquedos.
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