O taxista de Ourém que conduziu estrelas de cinema em Paris
Manuel Pereira é motorista há mais de trinta anos, trabalhando actualmente em Caxarias
A vida familiar fê-lo regressar a Portugal. “Foi uma diferença enorme, um choque enorme”, tanto nas distâncias percorridas como no montante ao fim do dia, diz.
Manuel Pereira, 58 anos, natural de Freixianda mas a viver na freguesia de Rio de Couros, Ourém, é taxista há mais de 30 anos. Actualmente passa os seus dias na praça de táxis junto à estação de Caxarias, Ourém, mas durante 16 anos percorreu o trânsito de Paris, capital de França, transportando muitas vezes figuras conhecidas do cinema. O regresso a Portugal foi um choque para quem se habituou a percorrer longas distâncias. O princípio da sua vida profissional é semelhante a muita gente da sua geração. Fez apenas a quarta classe e trabalhou na agricultura até aos 17 anos. Nessa altura partiu ilegal para França, onde foi ao encontro do pai. A pequena aventura da passagem da fronteira não teve incidentes a registar, tendo sido acompanhado por uma senhora já idosa que lhe foi contando estar ligada a negócios de contrabando. Após quatro anos a trabalhar na construção civil regressa a Portugal para cumprir o serviço militar, tendo estado na guerra em Angola entre 1973 e 1975. “Apanhei o momento da retirada”, recorda. “Nunca matei ninguém, não me mataram, aprendi muita coisa”. A saída de Angola foi “uma confusão total”, tendo regressado à civil a Portugal.Tentou novamente a sorte em Paris, onde tornou a trabalhar nas obras. “Ao fim de três anos pensei em mudar e aventurei-me nos táxis”. “Andei 16 anos naquela vida, o meu francês era médio-baixo mas desenrasquei-me. Para mim foi uma aventura, não perdia nada”, afirma.Foi lá que viveu o pior momento da sua profissão. Um homem vestido de executivo apanhou o táxi às duas da manhã e ameaçou-o com uma arma. “Tentei acalmar-me e procurei lidar com ele, sensibilizá-lo”. No fim da história o assaltante acabou por pagar-lhe a corrida de táxi e foi-se embora sem problemas. “Os clientes perguntavam se não tinha medo de trabalhar à noite e se andava armado. Eu respondia que sim, que andava armado com a minha língua e diplomacia”.Em Paris “transportei cantores, actores, actrizes, sempre bêbedos”, lembra rindo. De nomes mais sonantes recorda o actor Gérard Depardieu, “um tipo que não interessa a ninguém”, a actriz Jackie Sardou, “uma senhora adorável”, ou o cantor Demis Roussos. “Apanhei também muitos jornalistas que andavam atrás dos famosos”. A vida familiar fê-lo regressar a Portugal, onde continuou como taxista na estação de comboios de Caxarias. “Foi uma diferença enorme, um choque enorme”, tanto nas distâncias percorridas como no montante ao fim do dia. “São os riscos da profissão e não podemos olhar só aos nossos interesses”, refere, destacando que mesmo por pouco dinheiro levanta-se às quatro da madrugada para levar um passageiro necessitado à estação. O seu dia começa por norma entre as 08h00 e as 08h30, pára para almoço uma hora e regressa ao trabalho muitas vezes até às 22h00 ou 23h00. A estação não é muito movimentada e vai-se encontrando um pouco de tudo. O melhor serviço é o que vai até ao Santuário de Fátima. Por vezes aparecem passageiros até Lisboa, estrangeiros que perdem o comboio e precisam de apanhar o avião, mas a maioria são pequenos serviços pela terra. “Isto tem-se degradado de há cinco anos para cá. As pessoas não têm dinheiro e a maioria dos que chegam à estação são estudantes”.Ri-se quando lhe perguntam qual a história mais original que já presenciou. Tem imensas, com todo o género de situações. “Uma vez entrou-me um homem todo nu no táxi às duas da manhã. Não trazia nada com ele, mas pediu-me que arrancasse antes que o marido da amante nos apanhasse aos dois”.“Nós somos um pouco psicólogos, as pessoas contam-nos histórias que não contam à família. Eu tento moderar, nunca dou razão ao cliente”. Pelo concelho de Ourém não vai encontrando grandes problemas, apenas os chamados “papa-reformas” e as máquinas agrícolas que atrapalham por vezes a circulação quando entram em estradas que não se pode ultrapassar. “O desvio actual para Caxarias também está muito confuso e mal sinalizado” e quem não conhece facilmente se perde. “O que gosto mais nesta profissão é do contacto com as pessoas”, sublinha. Já pensou em dedicar-se a uma quinta um dia mais tarde, trabalhar com animais e na agricultura. Mas para si o contacto com o público é essencial e já não se vê a fazer outra coisa. “Adoro conversar com o cliente”, reforça.
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