“Quero repetir em Londres a presença nos Jogos Olímpicos”
Duarte Marques é um dos melhores triatletas do mundo que nasceu, vive e treina em Rio Maior
O triatleta internacional riomaiorense, Duarte Marques foi um dos três triatletas portugueses presentes nos Jogos Olímpicos de Pequim, e agora trabalha com afinco para repetir a participação em Londres em 2012. Para isso o jovem que é licenciado em ciências do desporto, abdicou do trabalho na área, para voltar toda a sua concentração para o triatlo, a modalidade da sua vida e onde quer continuar a ser um dos melhores a nível internacional.
Começou como nadador no Clube de Natação de Rio Maior. Era o que havia?Não havia mais coisas para fazer no desporto em Rio Maior. Comecei na natação porque foi a modalidade que mais me seduziu na altura. Fui nadador durante dez anos. Por volta dos 16 anos comecei a sentir alguma saturação e afastei-me da modalidade.Foi então que surgiu o triatlo?Sim. Estava na Escola Secundária de Rio Maior quando o professor José Mário Ribeiro, que é o meu treinador desde essa altura, organizou uma prova de duatlo escolar. Participei e ganhei com boa vantagem. E o professor como sabia que eu tinha feito natação, entusiasmou-me a ir para o triatlo. Foi assim que a modalidade entrou na minha vida, já lá vão 10 anos.Começou logo a competir mais a sério?Não. Só no ano seguinte. Depois fui a um daqueles triatlos a que agora chamam detecção de talentos, e logo convenci os dirigentes da Federação de Triatlo de Portugal que me levaram para um estágio e a partir daí foi sempre a subir na modalidade.Na altura começou como júnior?Sim. Sofri um pouco dos males da altura, que era o facto de não haver muitos atletas a fazer provas nos escalões mais altos. Os mais novos como eu começámos logo a competir nas provas internacionais nos escalões de elites e não nos escalões jovens. Mas isso hoje está mais controlado?Sem dúvida que sim. Hoje os atletas vão fazendo a sua formação a competir nos seus escalões. E nas elites temos um bom lote de atletas, como é o caso do Bruno Pais, eu e mais uma boa meia dúzia de jovens.Mas em relação ao Duarte Marques a evolução tem sido constante?É verdade. De ano para ano tenho conseguido ir a mais provas e tenho feito melhores resultados. É um atleta com muita dedicação aos clubes que representa. Começou no Camarnal, uma equipa apenas conhecida no triatlo e por lá esteve durante quase 10 anos.Sim comecei no Camarnal, que era o clube que o meu treinador ajudou a fundar. Estive lá entre 9 e 10 anos. Porquê a saída para o Águias de Alpiarça?No final de época fala-se sempre em mudança, e eu era sempre um daqueles atletas que era falado. Mas as pessoas não se chegavam porque me ligavam a mim e ao meu treinador ao Camarnal e pensavam que não saíamos porque já fazíamos parte da história do clube.Mas acabou por sair mesmo. As pessoas ligadas ao Águias de Alpiarça abordaram-me com uma proposta que avançava com um bom projecto de futuro, que senti que tinha pernas para andar. Na altura já tinha decidido parar de trabalhar e dedicar-me em exclusivo ao triatlo e a proposta trazia consigo um bom apoio. Depois de falar com os responsáveis do Camarnal resolvemos tudo a bem, eles também viram que eu tinha necessidade de mudar.A mudança foi para melhor?É diferente. As coisas estão a correr bem, e foi para melhor.O facto de Miguel Jourdan ser treinador do Águias teve influência na sua ida para Alpiarça?Não. A minha relação com o Miguel Jourdan vinha da selecção, somos amigos e já nos conhecíamos do tempo da natação. No meu treino não tem qualquer intervenção, o meu treinador continua a ser o José Mário Ribeiro. Foram os dirigentes do Águias que me convenceram a ir para Alpiarça.Há vários triatletas a destacarem-se a nível internacional, mas há um trio formado pela Vanessa Fernandes, o Bruno Pais e o Duarte Marques que embora sejam os melhores vivem um pouco fora do grupo. Porque é que isso acontece?Na Selecção Nacional havia uma forma muito organizada de fazer as coisas. Eu fui sempre o mais afastado, sou o único que tenho um treinador extra-federação.Isso torna as coisas mais difíceis? Um pouco. No início havia alguma indefinição e eu estava como que fora do grupo. Mas cumpria os critérios e estava lá por mérito próprio. E ao longo dos anos os responsáveis foram percebendo que é possível trabalhar assim e hoje um dos incentivos da federação é que haja mais atletas a trabalhar nos seus próprios enquadramentos e nas suas zonas.O treinador José Mário Ribeiro tem sido importante na sua carreira?Muito importante. Mais que um treinador é um grande amigo. Talvez possa dizer que é a principal razão para eu ainda estar no triatlo. Ele foi atleta de selecção e passou por tudo o que eu estou a passar e nas alturas de algum desânimo tem sempre a palavra certa para me motivar.O triatlo é uma modalidade que exige muito do atleta?São muitas horas de treino, muita dedicação, muito tempo fora de casa. Para mim que sou muito caseiro é um grande sacrifício. Na altura em que os amigos vão para a praia é quando temos mais provas e estágios. Essa parte é que às vezes mexe um pouco connosco.No seu caso o facto de treinar junto da família é uma boa vantagem?Sem dúvida que sim. Psicologicamente é muito importante. Treino muito sozinho, mas tenho os meus grupos. Nado com os nadadores do Clube de Natação de Rio Maior, corro com os atletas do mesmo clube, e no ciclismo pedalo juntamente com o meu treinador. Durante os treinos falamos de outras coisas e não só do triatlo o que ajuda a aliviar o stress.A sua preparação incide sobre a distância olímpica, o triatlo longo está fora de questão?Para já sim. É na distância olímpica que se realizam todas as provas internacionais, e aquela em que se realizam os Jogos Olímpicos. É a prova para a qual eu e o meu treinador orientamos os treinos. Mas ao longo da época fazemos imensos triatlos sprint que servem de preparação e para representar os nossos clubes.Quanto tempo treina por dia?Normalmente quatro ou cinco horas por dia, divididas em três treinos. Natação e corrida de manhã e ciclismo à tarde. Com dezenas de participações em Taças do Mundo e da Europa, a participação nos Jogos Olímpicos de Pequim foi o ponto mais alto da carreira?Para qualquer atleta, entre a Taça do Mundo ou da Europa e os Jogos Olímpicos há uma diferença abismal. Eu tive a felicidade de conseguir a classificação para os Jogos de Pequim. Infelizmente na altura não me encontrava nas melhores condições devido ao processo de classificação, que era por pontos e só iam os 50 melhores do mundo. Tive que competir forte na última fase de classificação e cheguei um pouco cansado aos jogos. E em termos desportivos a minha classificação soube a pouco. Mas em termos motivacionais a presença nos Jogos Olímpicos é extraordinária. A primeira participação nos Jogos Olímpicos é o momento alto da carreira de qualquer atleta. Mesmo que se vá a outros os primeiros serão sempre os mais importantes.MOTIVAÇÃO NÃO FALTAPARA NOVOS DESAFIOSQuais são os novos objectivos?Para já estou motivado para fazer uma grande época e conseguir resultados para voltar a estar nos Jogos Olímpicos que se realizam em Londres em 2012. Quer manter-me nas provas internacionais. A nível nacional não é possível fazer mais do que fiz este ano, fui campeão nacional. Os atletas de selecção estão sempre um pouco condicionados pela participação a nível internacional que à vezes coincidem com as provas do campeonato. Vai ser mais fácil do que em 2008?Não vai ser mais fácil. Falando em Portugal, estamos quatro atletas nessa luta, são três lugares que podem ser ocupados, mas para isso é preciso fazer pontos a nível internacional. A época passada foi muito difícil para mim, por falta de apoios. Este ano ainda tudo parecia mais difícil, mas felizmente já consegui um apoio para bicicletas e procuro ajuda para um fato isotérmico.Um atleta desta categoria tem assim tantas dificuldades em angariar apoios?Tem. É difícil e se não ganhamos nada e ainda temos que comprar o material é muito complicado. Este ano com a ajuda da minha equipa consegui o apoio da Benebike, que me cede uma bicicleta e algum material.Com o palmarés que tem e a forte vontade de voltar a participar nos Jogos Olímpicos, não sente que as entidades e empresas podiam apostar um pouco mais?Eu acredito que sim, mas penso que talvez seja um pouco culpado disso. Tenho um feitio que não é de andar muito a pedir e a chorar. Falo, entrego o currículo e fico a aguardar. Não sou de insistir muito, e assim acabo por ficar um pouco para trás.O apoio do Águias e da Benebike foi essencial?Foi muito importante. Uma bicicleta é muito cara. Tenho bicicletas minhas, mas já não davam para o nível que tenho e onde quero chegar. Quanto pode custar uma bicicleta para o seu nível?Anda à volta dos seis mil euros. É muito dinheiro.E a Federação não apoia?A Federação tinha umas bolsas que agora também cortou. Mas se comparar-mos a nossa Federação com a de outros países não estamos nada mal. Paga-nos todas as viagens e alojamentos o que muitas vezes não acontece com os atletas de outros países, que só recebem se atingirem determinados objectivos. A Federação trabalha bem. A mudança de enquadramento técnico da Federação foi para melhor?Vamos ver. Não pude ir ao primeiro estágio com o novo seleccionador. Acredito que as mudanças não vão ser muito grandes. Só não conheço bem o novo seleccionador principal, de resto os restantes são os que já estavam o ano passado e creio que tudo vai continuar a funcionar em pleno. No Ribatejo o triatlo continua a ser uma modalidade forte?Penso que sim. Registaram-se algumas mudanças de atletas, mas acabaram por ficar quase todos aqui na zona. O problema continua a ser nos apoios.Falando em apoios. O que é que Rio Maior já lhe deu pelo facto de ser atleta olímpico?Rio Maior tem sido uma luta desde que eu comecei no triatlo. Tentou-se até através da Federação um apoio da câmara que nunca surgiu em pleno. Eu percebo, Rio Maior tem sete atletas olímpicos, e se apoiarem um têm que apoiar todos. Depois seis representavam clubes da terra e eu sou o único que represento um clube de fora. Mas nunca tiveram qualquer reconhecimento?Tiveram. Na altura atribuíram-me uma distinção por ir aos Jogos Olímpicos, e facultam-me o acesso a todas infra-estruturas desportivas, que por lei teria sempre. Mas eu nem preciso de estar a fazer essa exigência, nunca me foram colocadas quaisquer restrições.Isso acaba por ser um grande apoio?Sem dúvida que sim. Qual é o atleta que na sua terra, perto da sua casa, sem precisar de deslocações, consegue ter todas as condições para treinar. Mas tem apoios para ajudar na luta para uma nova participação nos Jogos Olímpicos?É verdade que estou na luta pela classificação para os jogos. Mas neste momento tenho o apoio do Águias de Alpiarça, que é o meu clube actual, não tenho mais nenhum apoio institucional.Nem como atleta olímpico e agora pré-olímpico tem direito a apoio institucional?Não. Tive uma bolsa até ao final desta época, em Setembro. Agora não tenho, porque durante este ano por vários motivos não consegui atingir os critérios de atribuição. Neste momento sou profissional de triatlo de borla.E a família como reage?Se não fosse o apoio da família não dava para continuar. Os meus pais, os meus irmãos e namorada, têm sido espectaculares, nunca regatearam o seu apoio.É o único desportista na família?Sim. Sou o único desportista na família. A minha namorada também pratica, mas é na área do ensino. É também formada em ciências do desporto e é treinadora de natação.Como está o triatlo a nível nacional?O triatlo nacional cresceu muito e de uma forma rápida a nível de atletas de topo, o número de atletas está a crescer. Agora vai estabilizar um pouco ao nível de atletas internacionais, porque exigir que um país como o nosso ter mais que três ou quatro atletas nos Jogos Olímpicos é demais. Neste momento Portugal é a quinta potência a nível mundial. Atingimos um patamar muito alto e não é possível ir muito mais além.Até onde é que irá o triatlo na sua vida?O triatlo irá fazer parte da minha vida para sempre. Como atleta ainda sou um jovem. Depois virá a veia de treinador, que quero acumular com a minha vida profissional. Um riomaiorense que não quer deixar a sua terraDuarte Marques nasceu 3 de Dezembro de 1983 em Rio Maior e é na “Cidade do Desporto” que tem feito toda a sua vida. Só saiu para fazer a licenciatura em Ciências do Desporto, na Faculdade de Motricidade Humana, em Lisboa. É solteiro, vive com os pais, tem namorada e amigos com quem gosta de conviver e adora praticar todo-o-terreno. “Pego muita vez no meu jipe e vou para a serra passar algumas horas. É mais fácil estar na serra à noite dentro do jipe do que ir para uma discoteca, e tenho amigos que gostam de me acompanhar nessas pequenas aventuras”. É um jovem simples que sempre teve uma queda especial para o desporto. Na escola, em Rio Maior, foi nadador do Clube de Natação de Rio Maior onde permaneceu 10 anos. “Sem ter uma carreira de grande destaque”.Deu aulas de educação física numa escola profissional durante um ano. Não era um emprego estável. E a vontade de voltar aos Jogos Olímpicos “obrigou-o” a dedicar-se em exclusivo ao triatlo.Para isso abdicou de muita coisa na sua vida. Abdiquei de quase tudo. “Deixei de ser bombeiro, que era a minha outra paixão. Fui soldado da paz durante 13 anos, mas, para ser triatleta, foi preciso abdicar de algumas coisas e como tinha que perder pelo menos uma noite por semana, não era compatível com a modalidade. Perdeu-se um bombeiro temporariamente. “O bichinho continua cá e quando deixar o triatlo posso voltar à corporação. Na associação compreenderam a minha escolha e as portas ficaram abertas”. Já fez um pouco de tudo a nível de responsável técnico. “Fui treinador de natação, dei aulas num ginásio, aulas indoor, aulas de cárdio, de musculação, tenho feito um pouco de tudo. Mas é no triatlo que me sinto melhor”. Duarte Marques leva a vida de triatlo muito a sério, mas não descura as coisas boas da vida. Gosto de estar com a minha namorada e com os amigos. Não gosto de bebidas alcoólicas, não fumo nem gosto de estar em locais de fumo, mas gosto de conversar e conviver com amigos, e faço isso com regularidade.Espera por melhores dias para constituir família. “É claro que casar e constituir família é uma meta que quero atingir. Mas eu e a minha namorada estamos à espera de uma estabilidade que o desporto não consegue dar”.
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