O administrador que pica o ponto para dar o exemplo
Luís Caetano investiu o dinheiro do casamento para se lançar como empresário
Investiu os 200 contos que recebeu do casamento em 1980 para entrar como sócio na empresa de vinhos. Luís Caetano, que trabalhou com o pai a amanhar as vinhas, é hoje sócio maioritário da SIVAC - Sociedade Ideal de Vinhos de Aveiras de Cima, considerada a “PME excelência” pelos resultados de 2010. O empresário, que trabalha com uma equipa de mais quatro administradores, colocados em área chave da empresa, pondera cada euro que gasta e para dar o exemplo não abdica de picar o ponto todos os dias.
Às 8h30, quando chega à sede da empresa, em Aveiras de Cima, no concelho de Azambuja, Luís Caetano pica o ponto. Por uma questão de rigor e porque gosta de dar o exemplo. É sócio maioritário da empresa, mas os restantes quatro administradores – que coordenam áreas chave da empresa - também trabalham assim. Não foi por acaso que a SIVAC (Sociedade Ideal de Vinhos de Aveiras de Cima) alcançou o estatuto de “PME Excelência 2010”, uma iniciativa do IAPMEI (Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas), que tem como objectivo distinguir as pequenas e médias empresas que apresentam os melhores desempenhos económico-financeiros. “Não temos nenhum negócio da china. O que nós tentamos é rentabilizar os recursos ao máximo, mas não somos carrascos. Não há nenhum mistério. Há uma grande dedicação ao trabalho, profissionalismo, rigor nos horários que temos que cumprir. Somos exigentes connosco e exigimos dos outros”, descreve o administrador Luís Caetano enquanto vai alinhando simetricamente as notas em pequenos papéis amarelos autocolantes que tem com notas um pouco por toda a secretária.A organização é uma palavra de ordem para o sócio maioritário da empresa que não decide nada ao acaso ou sem ouvir as opiniões dos outros administradores. “Se precisamos de um Volkswagen não compramos um Mercedes e se compramos de um Mercedes não compramos um topo de gama, mas um de média gama. Não compramos três camiões novos mas um novo e dois usados mesmo que tenhamos dinheiro”, desvenda. A sorte também se conquista, lembra Luís Caetano. Os resultados que a empresa tem alcançado são fruto do trabalho. “Qualquer um de nós faz aqui o que qualquer pessoa deve fazer em sua casa que é ser comedido nos gastos e ponderar bem os investimentos”. A crise de que tanto se fala não é um bicho de sete cabeças para a empresa que soube aproveitar as dificuldades. “As pessoas não podem comprar uma garrafa por quatro ou cinco euros, mas compram uma por dois que do nosso vinho que é bom e ficam bem servidas à mesma”, explica.A estratégia de mercado também está bem definida. A empresa não vende directamente às grandes superfícies, mas a distribuidores. Em equipa vencedora não se mexe. Pelo menos para já. E a relação preço-qualidade é satisfatória.A empresa funciona hoje com 40 colaboradores. A maioria é de Aveiras de Cima. “É uma questão de princípio. Empregamos as pessoas que nos pedem trabalho e que estão aqui à nossa beira”. A empresa é boa pagadora e por isso muitos fornecedores dispensam as garantias bancárias. Comprar bem, o que não quer dizer enganar, é meio caminho andado para o sucesso. “Há uma contenção em todas as áreas. Temos isto muito bem gerido. Aqui não há desvios e não há perdas”.Os ordenados da empresa situam-se ligeiramente acima do estipulado. Mesmo nas funções que não exigem qualificação. Em vez de um frondoso jardim a empresa, com um volume de negócios de 14 milhões, possui uma vinha de um hectare que é tratada apenas para mostrar aos clientes já que a matéria-prima vem de fora. O desenvolvimento da empresa consolidou-se com a mudança para novas instalações em 2005. A exigência dos novos clientes não se compadecia com a capacidade das antigas instalações, no centro da vila, que hoje estão alugadas. Em 2010 a empresa registou um aumento nas vendas na ordem dos cinco por cento em termos gerais. Em 2011 o objectivo é estabilizar até porque chegaram quase ao limite da capacidade de produção: 16 milhões de litros.Foi você que pediu um “capataz” tinto?Qualidade e preços baixos são chave do sucesso“Capataz”, “Brejeiro” e “Curriola” são apenas alguns dos vinhos de mesa que a empresa SIVAC de Aveiras de Cima, Azambuja, põe no mercado a bom preço e com uma qualidade reconhecida. Os nomes dos produtos mais vendidos são escolhidos pelo grupo de cinco administradores da sociedade por quotas. A SIVAC não é uma quinta produtora de vinhos. As uvas chegam sobretudo de adegas cooperativas. “Este ano já fizemos negócio em Pinhel para um vinho de gama mais baixa que vendemos muito para a Guiné e para Cabo Verde, onde temos dois bons clientes”. Os fornecedores são normalmente os mesmos para não variar o tipo de vinho que têm no mercado. As vendas para o mercado externo representam cerca de 20 por cento e continuam a subir. Fora do espaço da União Europeia a empresa vende ainda par a Suíça e Canadá. O vinho tinto vende-se três vezes mais que o branco. O cliente consome tanto no restaurante como em casa. Está também aí um dos segredos do negócio: as embalagens bag in box (saco dentro de uma caixa). A embalagem é barata e mantém a qualidade do vinho, ao contrário do que acontecia com as cartolas. “As pessoas levam 15 litros de vinho e podem estar 15 dias sem beber”, exemplifica.Têm pago as uvas mais caras, mas ainda assim há três anos que não mexem no preço do vinho. “Tivemos sorte. Apontámos para produtos certos, com qualidade adequada, preço certo e as pessoas continuam a aceitar”, analisa.O menino que ajudava o pai a cultivar as vinhas A mãe queria que o menino tivesse um rumo diferente do pai - que ganhava a vida a amanhar as vinhas e a fazer o vinho na adega que vendia ao fim de um ano - mas o futuro de Luís Caetano haveria de estar ligado à área.Tirou o curso geral de comércio em Vila Franca de Xira. Apanhava em Aveiras de Cima o autocarro que passava às 6h20 da manhã na vila. Em Azambuja entrava no comboio que o levava à cidade onde estudava. A mãe levantava-o às 5h30 e preparava-lhe o pequeno-almoço. “Era uma mãe especial que partiu cedo. Recordo momentos desses para toda a vida”. O trabalho no campo ficava quase todo por conta do pai, Luís Veríssimo da Silva. Quando o avô morreu herdaram-se mais vinhas e o pai passou a trazer uma pessoa para o acompanhar nas podas e na cava das vinhas durante o anoMesmo quando estudava Luís Caetano aproveitava o tempo livre para ajudar o pai na vinha. Trabalhava com um pequeno tractor de vinte cavalos que o pai comprou, modelo moderno para a altura. Ajudava-o nas curas, a lavrar a vinha e a fresar. Vindimava, pisava uvas e ajuda a fazer o pé da massa, o “queijo gigante” que é depois prensado. No dia em que se tirava o vinho levantava-se às cinco e meia da manhã e ia ajudar o pai a dar à bomba para levar o vinho do lagar para o depósito. A mãe ajudava nas curas e semeava batatas, mas faleceu vítima de doença prolongada. Luís Caetano tinha apenas 18 anos e a irmã 15 anos. “O meu pai tinha feito uma despesa enorme para tentar que ela conseguisse vencer a doença. Infelizmente não foi possível. Estas doenças têm um sucesso baixo. Havia alguma vergonha em volta do cancro da mama”. Aos 18 anos, depois da morte da mãe, Luís Caetano foi trabalhar. Luís Caetano, hoje com 55 anos, tem uma filha única de 31 anos formada em biologia de investigação. O genro é vendedor do Alentejo e Algarve.O dinheiro do casamento pagou a quota da empresaA SIVAC foi criada em 1973, mas Luís Caetano só entrou na empresa sete anos depois, em 1980. A empresa foi fundada pelo antigo patrão, José Sousa Duarte, com quem trabalhou no ramo da destilaria. “Não conheço ninguém com tamanha inspiração e jeito para o negócio. Era um pensador. Planeava o negócio e raramente se enganava”. Luís Caetano teve um bom professor embora tenha sempre considerado que os negócios eram demasiado rápidos. “Numa tarde ele comprava um milhão de litros e vendia na mesma tarde o mesmo milhão a outra pessoa”, diz Luís Caetano, mais ponderado no negócio.Quando o patrão quis deslocar-se para as Caldas da Rainha um dos sócios da nova empresa propôs que Luís Caetano entrasse na sociedade da empresa. O actual administrador aceitou. Tinha acabado de casar. O valor da quota era de 450 contos. Investiu os 200 contos que recebeu na boda para o capital da empresa. O restante valor pagou durante cinco anos. A esposa, de que entretanto se separou, não se chateou, e foi sempre colaboradora nos negócios. No final da década de 90, depois da morte de José Sousa Duarte e da saída dos sócios, Luís Caetano ficou sozinho na empresa na altura com cerca de 10 trabalhadores. Teve o apoio de colaboradores da empresa para viabilizar o negócio e prometeu-lhes sociedade que entretanto já concretizou. São hoje cinco os administradores da firma. Ainda hoje tem em mente alguns dos ensinamentos do antigo patrão. “Ele costumava dizer que nunca devemos dar a conhecer aos nossos fornecedores que não temos dinheiro. Temos que arranjá-lo de costas ou de barriga. Isso faz com que o nosso fornecedor tenha confiança em nós e às vezes venda mais barato por causa disso”.Começou a trabalhar nas vendas até que passou para o escritório e por isso valoriza o trabalho dos comerciais. Confessa que nunca pensou tornar-se empresário, mas os resultados deixam-no satisfeito. “Temos uma clientela que acredita em nós, temos vinhos muito bons no mercado de que as pessoas gostam e um bom”.Metade das vinhas de Aveiras de Cima foi arrancadaAveiras de Cima ganhou nos últimos anos o título de “vila museu do vinho” e recebe ainda um evento ligado à área, promovido pela câmara municipal, a Ávinho. O administrador da SIVAC, Luís Caetano, congratula-se pelas iniciativas, mas lamenta que já cheguem tarde. “É uma coisa boa, mas que se está a fazer fora de tempo na minha opinião. Apanha pessoas que já procuram outros modos de vida. Já se arrancou metade das vinhas que havia em Aveiras de Cima”, sublinha.O empresário não compreende o arranque das vinhas patrocinado por fundos comunitários quando o país deveria estar a trabalhar para a auto-suficiência. “Não há cá que chegue e tem que comprar-se fora. Deveriam existir incentivos à plantação para a que o país fosse auto-suficiente e não saíssem divisas. Pedir de Espanha não é importação, mas existe uma compra no mercado externo. O dinheiro acaba por sair”.O vinho de mesa “Capataz” evoca os tempos do velho carrascão, um termo que não choca o empresário. É um vinho com 13 graus, com boa cor, à moda de Aveiras de Cima. Tem um mercado específico de norte a sul do país e é de qualidade garantida.“Há 15 anos esse era o termo que se usava. Vinho carrascão. A gente ia a um depósito e tirava um copo de vinho fazia uma rama bonita. Depois houve um abandono das vinhas. Com a Ford e a GM muitas pessoas passaram a amanhar as vinhas ao fim de semana só para não as deixar morrer”. Poucas foram as pessoas que se dedicaram em termos profissionais à área, mas os resistentes garantiram a boa qualidade do produto.
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