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O orgulho de ser tomarense numa casa no coração de Lisboa

O orgulho de ser tomarense numa casa no coração de Lisboa

Presidente da Casa do Concelho de Tomar deseja um relacionamento mais estreito com a comunidade tomarense

A Casa do Concelho de Tomar é um espelho do espírito de iniciativa dos homens que há um século rumaram à capital para ganharem a vida e um lugar ao sol. Cresceu a pulso, graças à dinâmica e espírito empreendedor dos seus sócios, e ainda hoje é uma referência para os nabantinos e seus descendentes que vivem na capital.

Os tabuleiros ornamentados com flores de papel e pão e a Roda do Mouchão em miniatura, colocados no átrio de entrada denunciam onde estamos: na Casa do Concelho de Tomar, um amplo prédio na Rua Flores de Lima, em pleno coração de Lisboa. À porta o aviso é explícito: entrada reservada a sócios. Numa época em que algumas casas representativas de concelhos do país fecham portas, como foi o caso da Casa do Concelho de Ourém, a Casa do Concelho de Tomar mantém-se aberta nos 365 dias do ano, estando aberta das 16h00 até às duas da madrugada. O desafio passa agora por saber chamar os filhos e os netos para continuarem o trabalho de gerações, bastando apenas ser neto de um sócio efectivo, independentemente do lugar de nascimento, explica o presidente.José Manuel Graça desejava que a comunidade residente na capital sentisse uma maior proximidade com a Casa do Concelho de Tomar. “Nem todas as pessoas reconhecem a importância que temos ou que deveríamos ter. De facto, a Casa do Concelho de Tomar nunca conseguiu estender a sua influência a todo o concelho”, assume o dirigente, acrescentando que ainda hoje nem todas as 16 freguesias integram a sua massa associativa. Há três anos puseram em prática uma ideia e realizaram um conjunto de quatro visitas pelas freguesias, para ficarem a conhecer melhor o concelho, e sentem o contentamento de quem os recebe. Mas a ligação não vai muito além disso. “Procuramos manter um intercâmbio com as pessoas e, quando se proporciona, inscrevemo-nos como sócios das colectividades dessas freguesias e elas também ficam sócias da Casa do Concelho de Tomar sem lugar a qualquer pagamento”, explica. Pragmático, admite que gostaria de ter um desenvolvimento mais estreito com o concelho mas refere que isso depende não só de quem está à frente dos destinos da Casa do Concelho como de quem está à frente dos destinos do município. “Já houve um período em que a Casa do Concelho de Tomar esteve de costas voltada para a câmara, no tempo do Dr. Aurélio Ribeiro, embora este até fosse uma pessoa simpática”, sublinha. Actualmente, as relações pautam-se pela cordialidade. De qualquer modo, a Casa do Concelho de Tomar tem vindo a desenvolver várias iniciativas. Há duas em particular que já deixaram marcas na cidade templária: a homenagem ao general Fernando de Oliveira, em Dezembro de 2003, altura em que se comemoraram os cem anos do seu nascimento, com a colocação de um busto no jardim da Várzea Pequena, e mais recente, a 11 Julho de 2009, a inauguração do monumento de homenagem aos construtores civis, na Rotunda da Serôdia, da autoria da arquitecta tomarense Sandra Lopes. Na Casa do Concelho de Tomar podem ainda ser adquiridos produtos do concelho como os vinhos da Adega Cooperativa de Tomar, azeite dos lagares de Além da Ribeira, mel e algumas peças de artesanato templário. “Queremos ter um espaço de produtos de venda e divulgação da nossa região e ainda uma biblioteca sobre a temática dos templários”, acrescenta o dirigente. A conversa desenrola-se na quinta-feira, 13 de Janeiro, poucas horas antes do jantar que todos os meses reúne dezenas de associados da colectividade, que comemora no dia 4 de Março a bonita idade de 68 anos. “Este ano até abriu no dia de Natal”, atesta José Manuel Graça, presidente da direcção há quatro anos mas que faz parte dos corpos gerentes há quase trinta anos. “Claro que temos as nossas despesas fixas porque as instalações, cave, rés-do-chão e primeiro andar têm que ser limpas todos os dias e temos dois funcionários em permanência”, explica o dirigente. O segredo da vivência desta casa passa pelos membros se assumirem como “regionalistas” no século XXI. “Somos guardiões de um conjunto de valores transmitidos pelos nossos pais e avós, porque muitos dos que aqui estão já não nasceram em Tomar mas mantêm o cordão umbilical”, atesta José Manuel Graça que já nasceu em Lisboa. Para além de aulas semanais de danças de salão e de tango, a Casa do Concelho de Tomar dinamiza há mais de 20 anos aulas de ballet para crianças. O dirigente refere ainda com vaidade que esta casa “ tem os melhores bilhares da capital”, chegando a acolher competições. Para além de dispor de um serviço de bar com música ao vivo, realizam matinés dançantes aos sábados, domingos e feriados, entre as 15h00 e as 19h00.Um alfacinha que se identifica como tomarenseJosé Manuel Graça, 59 anos, professor reformado de Matemática, nasceu em Lisboa mas é filho de um casal nascido na freguesia da Serra. O pai era construtor civil. É presidente da Casa do Concelho de Tomar, com sede na Rua Flores do Lima, há 4 anos, apesar de estar ligado aos corpos sociais há mais de 30 anos. Aprendeu a nadar na Piscina Municipal Vasco Jacob, no ano em que foi inaugurada, 1961. Costuma visitar Tomar com regularidade mantendo casa própria. Nos tempos livres, gosta de pescar na albufeira do Castelo de Bode ou no Alentejo. A leitura também é uma das suas grandes paixões, o que faz com que seja um grande conhecedor de História. Identifica-se como tomarense quando lhe perguntam a naturalidade. E conta, com orgulho, que o filho mais velho, nascido em Lisboa, também repete sempre: Tomar. Uma sede construída “sem um tostão de subsídio”A história da Casa do Concelho de Tomar remonta a 1943, ano em que foi fundada na Rua D. Antão de Almada, em plena baixa lisboeta, onde estiveram até 1969. Foi fundada com 200 associados (25 por cento eram operários da construção civil) e nasceu da necessidade dos tomarenses que trabalhavam em Lisboa se juntarem num espaço próprio para colmatar as saudades que tinham de casa. Até então, as reuniões aconteciam, aos fins-de-semana, em meia dúzia de cafés ou tabernas da capital, como o “Zé Ricardo”, no Campo Grande, ou na Cervejaria Portugália. “Nos primeiros 25 anos ocupamos instalações arrendadas mas desde sempre que havia uma aspiração da casa ter uma sede própria”, confessa José Manuel Graça. Um desejo difícil de concretizar porque apenas tinha o capital humano. O dirigente recorda que se fizeram várias tentativas mas que a oportunidade só surgiu em 1969 por via de um associado que iria disponibilizar um terreno pelo preço que lhe tinha custado, para a construção da Casa do Concelho de Tomar. Trata-se de José dos Santos. “Demoramos muitos anos a pagar a dívida que contraímos e, a partir de um projecto que já existia, avançamos. Mas as instalações, tal como estão actualmente demoraram 25 anos a ser construídas. Não há aqui um tostão de subsídio de quem quer que seja”, sublinha José Manuel Graça. A casa veio a erguer-se com os donativos dos sócios, não só em dinheiro, mas também em trabalho, em materiais e com engenho. À medida que o edifício crescia ia-se rentabilizando. Com os bailes, com o aluguer para festas particulares ou reuniões. “Até casamentos e baptizados se faziam. Capital não havia mas existia vontade e quando esta existe as coisas singram”, conta António Godinho Granada, natural de Tomar mas residente em Lisboa. “Era gente feita por si própria e que veio com uma mão atrás e outra à frente lá da terra, e que acabou por singrar devido ao suor do seu trabalho”, atesta o tomarense. Também era usual emprestarem dinheiro uns aos outros, sem juros, em que apenas a palavra contava. José Manuel Graça é o rosto do orgulho quando descreve as suas origens. “Os tomarenses são feitos de uma massa muito especial. Comeram o pão que o Diabo amassou. Esses homens, os que tiveram algum sucesso, poderiam ter alguns anéis nos dedos mas há uma coisa que todos também tinham: calos nas mãos.” “Rapaziada só regressava com um fato novo”A génese da Casa do Concelho de Tomar em Lisboa remonta aos finais do século XIX, quando alguns tomarenses, operários da construção civil, migraram de Tomar para a capital em busca de uma vida melhor. A história recorda três nomes em particular: João Vicente Martinho (da freguesia de S. Pedro), Manoel de Matos e Manuel Vicente (ambos da freguesia da Serra). Em 1906 decidiram constituir a primeira sociedade e compraram um terreno na zona da praça do Chile a dois escudos o metro quadrado, onde viriam a construir um prédio de três andares, na Rua António Pereira Carrilho n.º 32, que venderam por seis mil escudos. Viriam a construir mais sete prédios até dissolverem a sociedade e continuarem o seu caminho como empresários da construção civil. “Foi o primeiro prédio construído por tomarenses. Trabalhavam lado a lado com os operários aos fins-de-semana e nas horas vagas, almoçando no estaleiro. Quem ali fosse não conseguia distinguir o operário do construtor”, refere José Manuel Graça, explicando que a maioria dos operários especializados, pedreiros e carpinteiros, vinha sobretudo das freguesias da Serra, São Pedro, Olalhas, Junceira e Casais trabalhar para Lisboa como mestre-de-obras. Sem recursos, era natural irem a pé de Tomar para Lisboa, demorando a viagem alguns dias. Anos mais tarde, e após progredirem na sua carreira, muitos destes empresários da construção civil também começavam a investir em terrenos que tinham em Tomar, desbravando pinhais e construíndo vinhas. “Nos anos 50, 60, não havia desemprego rural nas freguesias da Serra e Junceira. Eu recordo-me que a aldeia dos meus pais foi electrizada em 1958, quando muitas só o foram após o 25 de Abril”, conta orgulhoso José Manuel Graça.“A rapaziada que migrava para Lisboa só regressava à aldeia depois de ter dinheiro para comprar um fato novo”, conta, sinónimo de que as coisas estavam a correr de feição. De facto, nos anos 20, o trabalho não abundava pelo que era habitual ver os operários a vaguear pelas avenidas novas de Lisboa. “Perguntavam de onde és e se dissessem que eram de Tomar era garantia de trabalho”, conta José Manuel Graça, acrescentando que a primeira abordagem era feita logo que as fundações (caboucos) da obra começavam a ser feitas, de forma a garantir aos operários que viriam a trabalhar em toda a construção do empreendimento.“O meu pai construiu um prédio na Av. Duque D’Ávila onde está inscrita a palavra “Labor”, conta a O MIRANTE Frederico Serra, 88 anos, filho de um construtor civil tomarense e que é presença assídua na colectividade. Sócio n.º 34 recorda que chegou a fazer o baile do seu casamento na antiga sede da Casa do Concelho de Tomar, na Rua Casquilho. O “pato bravo” não receia a luz do solA expressão “pato bravo”, atribuída aos homens de Tomar que vieram para Lisboa trabalhar na construção civil, surge porque os patos bravos não receiam as intempéries, tal como esses operários que chegavam a trabalhar ao sol e à chuva. Mais tarde ganhou uma carga pejorativa, de intrujice, o que na opinião de José Manuel Graça advém da inveja que estes operários – que alcançaram sucesso – causavam nos outros. Já Godinho Granada tem uma definição romanceada a este epíteto. “Há dois tipos de patos: os mansos e os bravos. Os patos mansos ficam nas capoeiras e acomodam-se a picar o milho. Os patos bravos levantam voo, ganham altura e só se sentem bem com os olhos na direcção do sol. Foi o que aconteceu a esta gente que deixou a santa terrinha. Gente ambiciosa, de dar aos filhos o que não receberam dos pais. É esta gente desejosa de alcançar um lugar ao sol que aparece aqui em Lisboa”.
O orgulho de ser tomarense numa casa no coração de Lisboa

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