O barbeiro que aparou o cabelo a Américo Tomás
António Carvalho nasceu em Alfândega da Fé mas há 57 anos que está em Vila Franca de Xira
A barbearia de António Augusto Carvalho é sobejamente conhecida em Vila Franca de Xira. Nascido em 1932, António Carvalho é barbeiro de profissão. Aprendeu a arte numa época em que ninguém fazia a barba em casa. O seu cliente mais famoso foi o almirante Américo Tomaz, mais tarde Presidente da República no tempo do Estado Novo.
Mergulhada naquela que foi em tempos a principal rua de Vila Franca de Xira está a barbearia de António Carvalho. Tem livros na montra, um poster da selecção nacional de futebol e um jornal diário. Os espelhos projectam o cabelo dos clientes em todos os ângulos. Enquanto a cadeira do cliente roda a 180 graus, o “velho mestre” António Carvalho vai aparando os cabelos. Tempos houve em que fazer a barba era a sua especialidade. Agora, com 78 anos, a mão que segura a lâmina já treme e às vezes corta demasiado. Mas é uma mão teimosa, diz António, porque nunca esquece o que aprendeu.Durante toda a sua vida foi barbeiro de profissão e nunca fez outra coisa. Um dos seus clientes mais famosos foi Américo Tomaz, que requisitou os seus serviços ainda antes de ter sido Presidente da República. António Carvalho nasceu em Alfândega da Fé, no norte do país, e foi para a escola com sete anos. Estudou até à quarta classe e começou a aprender o ofício quando ainda andava na escola. “Estudava durante a semana e aos sábados e domingos ia aprender para a barbearia da terra. Naquele tempo pagava-se para aprender a ser barbeiro. Só que o meu pai era pobre e não pagou, mas deu ao patrão dois anos para eu estar lá a trabalhar de borla”, recorda a O MIRANTE.Quando a escola acabou os livros foram trocados pelos instrumentos do campo. Durante a semana António cultivava, ao fim-de-semana aprendia a arte de barbeiro. “A primeira coisa que aprendi na barbearia foi a lavar os pincéis e a varrer a loja. Certo dia, eu ainda não dominava bem aquilo, o médico da terra chegou à barbearia e perguntou por que motivo eu ainda não sabia fazer uma barba. “Anda cá, corta-me a barba, disse ele. E eu lá fui, cortei devagar, com jeito. Mas no final não deu gorjeta nenhuma”, recorda.O pai morreu quando ele tinha 14 anos. Foi uma prima de António, que morava em Campolide, que lhe abriu as portas para viajar do norte para o centro do país. Chegou a Lisboa com 14 anos. O seu primeiro trabalho na capital foi em Alcântara, numa barbearia onde ganhava 18 escudos. “Mas tinha de pagar 20 à minha prima pelo comer e alojamento, faltavam-me sempre dois escudos para vestir e calçar”, lamenta. António recorda os tempos difíceis do Estado Novo, mas defende que com vontade de trabalhar “tudo se alcança”. Naquele tempo, ao contrário de hoje, falava-se pouco na barbearia. Nunca se sabia se o cliente seria um PIDE. “Nunca tive problemas desses”, afiança. Com sede de ganhar mais dinheiro António trabalhou também na Praça da Ribeira e mais tarde numa barbearia nas Escadinhas do Duque, em Lisboa. Ganhava 22 escudos. Só mais tarde se mudaria para uma barbearia na Praça do Chile, onde trabalhavam oito homens. Foi ganhar 24 escudos.Mais tarde deu o nome para a Marinha. A sua ocupação foi sempre cortar cabelo (sem autorização não era permitido cortar barbas na Marinha). “Fui autorizado a trabalhar a 25 tostões o “caldinho” (cortar o risco de cabelo junto às orelhas). Ganhava 400 escudos por mês na Marinha. Cheguei a ter tardes de ganhar dois contos a cortar cabelo. Mais tarde acabei por ser barbeiro dos oficiais nas escolas da Marinha”, conta. Enquanto esteve na Marinha em Vila Franca ainda trabalhou em três barbearias da cidade. “Estávamos em 1953/1954 quando nas escolas, num juramento de bandeira, apareceu o Américo Tomaz, que se tinha esquecido de cortar o cabelo. Pediu ao comandante para chamar o barbeiro e lá fui eu”, recorda. Américo Tomaz era na altura ministro da Marinha. Viria a ser Presidente da República entre 1958 e 1974. “Ele foi delicado, disse-me que queria o corte “quase rente”. Ele também já não tinha muito cabelo”, diz com um sorriso. “No final deu-me 7$50. Pagou bem o corte de cabelo (risos)”. Enquanto puder António garante que vai continuar a ser barbeiro. “Se largar isto morro mais depressa”, confessa.
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