uma parceria com o Jornal Expresso

Edição Diária >

Edição Semanal >

Assine O Mirante e receba o jornal em casa
31 anos do jornal o Mirante
“Houve abuso de poder durante os 12 anos de gestão socialista em Alpiarça”

“Houve abuso de poder durante os 12 anos de gestão socialista em Alpiarça”

Mário Santiago é presidente do Grupo de Dadores de Sangue e da Assembleia Municipal de Alpiarça

É o contacto com as pessoas que motiva Mário Santiago a participar no movimento associativo do concelho de Alpiarça, que esteve reunido sábado para debater os seus problemas e anseios. Há cerca de quatro anos assumiu a presidência do Grupo de Dadores Benévolos de Sangue da vila. Em Outubro de 2009 foi eleito presidente da assembleia municipal. Aceitou o convite da CDU porque quis inverter o ciclo de “ditadura” e “ofensa” à liberdade das pessoas durante os 12 anos de gestão socialista em Alpiarça.

Como surgiu esta experiência na política?O facto de estar ligado ao associativismo teve o seu peso para a CDU me convidar. Na altura em que o partido começou a formar as listas para as eleições autárquicas era necessário definir os cabeças de lista. Normalmente estes candidatos têm que ser pessoas que não sejam completamente desconhecidas no concelho. Reconhecimento público não tenho muito mas as pessoas conheciam-me do meio associativo. Talvez tenha sido daí que decidiram convidar-me.Aceitou imediatamente o convite?Não. Estranhei um pouco e pedi para pensar porque fui apanhado desprevenido. Nunca tinha pensado em candidatar-me a um cargo político.O que é que o fez aceitar?Fiz parte de uma geração de pessoas que viram doze anos de gestão socialista em Alpiarça. Que viram uma gestão egoísta, não voltada para as pessoas, com ofensas às liberdades da população. Se pensarmos que as pessoas foram limitadas, por exemplo, na assembleia municipal de se exprimirem isso é uma ofensa à liberdade das pessoas. A minha família sempre me ensinou que a ditadura não era uma coisa boa e sempre valorizou a importância da liberdade de expressão. Quando me disseram que, de certa forma, eu poderia ajudar a inverter o tal ciclo de limitação de liberdade de expressão, aceitei.Viveu-se um aperto em Alpiarça durante os 12 anos de mandato PS?De certa maneira foi ditadura. Existiram alguns abusos de poder e bastante autismo em relação ao que a população estava a querer dizer para dentro do poder autárquico e que a maioria não queria ouvir.De quem foi a culpa?A pessoa que representava o PS no poder autárquico era o presidente, Joaquim Rosa do Céu. Se é a pessoa que tem o poder dentro de uma estrutura autárquica, e se as coisas não funcionam, se alguém tem que ser culpabilizado obviamente que é o presidente.Está arrependido de se ter candidatado à presidência da assembleia municipal (AM)?Não. Estou atento, muito atento ao que se passa, mas não estou arrependido.Geralmente as AM duram pela madrugada fora. O que é mais difícil na gestão dos trabalhos?O mais difícil é ser tolerante com as pessoas quando elas perdem a noção do local onde estão e da falta de postura e compreensão face à condução dos trabalhos. Gostava que algumas pessoas que fazem parte das bancadas estivessem do meu lado para perceberem, por vezes, as figuras que fazem. Se a ideia é fazerem-me um teste de força, podem ter a certeza que não me vão dobrar nesse aspecto. Se querem que as sessões acabem cedo então façam por isso. A legislação devia ser revista para evitar que os deputados municipais percam tanto tempo com assuntos que muitas vezes não têm interesse político?Os tempos estão regimentados, mas devemos ser tão rígidos ao ponto de o período antes da ordem do dia ser limitado a uma hora? Não posso interromper os trabalhos quando o presidente está a dar respostas às questões colocadas pelas bancadas só porque atingimos uma hora. Como também não posso interromper um eleito que está a dar informação importante sobre o concelho. Não nos podemos esquecer que a assembleia municipal reúne seis vezes por ano. São poucas vezes para discutir assuntos importantes, por isso não podemos limitar muito mais do que já está estabelecido.Como se pode resolver a situação?As bancadas serem mais sintéticas quando apresentam as questões e o senhor presidente também ser mais sintético nas respostas. Além disso, todos os eleitos devem preocupar-se em não se perderem em discussões que não contribuem em nada para resolver os problemas do concelho. Também parte da educação das pessoas, porque há uma extrema falta de educação por parte de alguns eleitos. Gostava de ter, e quem sabe se até ao final do mandato não vamos ter, uma assembleia municipal gravada em vídeo para as pessoas, no final, verem a figura que fazem. E se acham que a imagem que transmitem à população é a mais correcta.Como vê o trabalho desenvolvido pelo executivo municipal?É obviamente um trabalho que não é fácil. Os pressupostos de governação que foram definidos na altura em que a CDU se candidatou a estas eleições foram completamente adulterados quando conhecemos a situação financeira da autarquia. Tínhamos a noção que a situação financeira da autarquia não era a melhor, mas ninguém fazia ideia que, segundo o estudo dos Técnicos Oficiais de Contas, Alpiarça era uma das dez piores câmaras do país do ponto de vista financeiro. Ninguém fazia a ideia que os limites de endividamento estavam ultrapassados há muito tempo.Alpiarça precisa mesmo do Plano de Saneamento Financeiro?Alpiarça não tem outra saída que não seja o Plano de Saneamento Financeiro. Sem este plano não há receita que consiga cobrir as necessidades que a autarquia tem em pagar os seus empréstimos. É o mesmo que a autarquia ter que pagar mil quando só recebe novecentos. Sem o plano é isso que acontece. O plano é uma forma de prolongarmos a responsabilidade do pagamento das dívidas por mais tempo, uma vez que estamos a pagar as dívidas mensalmente.“Colectividades são um excelente negócio para as autarquias”O que o levou à presidência do Grupo de Dadores Benévolos de Sangue de Alpiarça?O anterior presidente tinha intenções de sair e algumas pessoas da direcção lembraram-se de mim e convidaram-me para me candidatar à presidência. Decidi aceitar.Era algo que ambicionava?Antes de integrar a presidência do Grupo de Dadores de Sangue já fazia parte do conselho fiscal. O grupo não me era completamente desconhecido. Há muita coisa que hoje faço como presidente que já fazia antes como membro do conselho fiscal. A diferença é pouca.O que é que o motiva no movimento associativo?Lidar com as pessoas e estar com elas. Além disso, sentir que se não formos nós, de forma gratuita, sem interesses nem segundas intenções, as coisas não andam para a frente. Às vezes as pessoas pensam que quem está no associativismo tem segundas intenções como ambições políticas ou notoriedade. É verdade que algumas estão para se servirem como plataforma para outras ambições, mas eu estou cá porque gosto e porque faço parte de uma equipa que prezo.Quais são as maiores dificuldades com que se defrontam na associação?O grande problema das colectividades é não existirem pessoas disponíveis para trabalhar de forma gratuita. Se a presidência dos dadores de sangue, por exemplo, fosse um cargo remunerado tenho a certeza que tinham aparecido várias listas a concorrerem ao cargo. Mas como não é não aparecem candidatos. Os jovens procuram participar no meio associativo?Cada vez menos. Não é bonito dizer que devemos obrigar as pessoas a fazerem algo, mas no caso dos jovens por vezes têm que ser motivados de forma convincente.Como assim?Primeiro temos que os obrigar a vir à colectividade, nem que seja dizendo que estamos ‘enrascados’ e precisamos de ajuda naquele dia, e a partir daí eles podem ganhar o gosto pelo meio associativo. Se conseguirmos que um em cada dez jovens ganhe o gosto por este mundo acho que a nossa função está cumprida. Mas é muito difícil concorrer com a internet, televisão e playstation.Afirmou recentemente que as colectividades são um excelente negócio para as autarquias.É verdade. Se pensarmos no trabalho que as colectividades desenvolvem num concelho, sejam iniciativas desportivas, culturais, humanitárias; se pensarmos em tudo o que seria necessário por parte de uma autarquia, quantas pessoas seria necessário envolver para que essas iniciativas ocorressem, aquilo que as autarquias gastam em subsídios com as colectividades é muito inferior àquilo que seria necessário.O funcionamento de uma associação como esta é muito dispendiosa?Ao contrário do que as pessoas pensam o associativismo não vive apenas dos subsídios das autarquias, do poder central. Grande parte das receitas que obtemos não é por parte das autarquias. As nossas receitas vêm da angariação de fundos que fazemos junto de empresas e particulares, com ofertas, no nosso caso, de produtos alimentares. No almoço de aniversário, por exemplo, tivemos um particular que nos ofereceu dois porcos. Sem as ofertas que nos fazem não conseguíamos realizar algumas iniciativas. Onde estão a angariar mais receita?Este ano poupamos imenso dinheiro não fazendo convocatórias, como sempre fizemos, através de cartas. Agora informamos os nossos associados das dádivas que realizamos através de um ‘infomail’ que colocamos directamente na caixa do correio de cada pessoa. Recentemente criamos um número de telefone (760 45 20 90) em que basta a pessoa telefonar – chamada custa 60 cêntimos mais IVA – e 46 cêntimos dessa chamada reverte a favor da associação.Este ano as vossas contas não se vão ressentir do corte de 50 por cento do Instituto Português do Sangue (IPS)?Não podemos estar à espera que os cortes aconteçam para que coloquemos a nossa imaginação a funcionar. Mal de nós se só reagíssemos depois das coisas más acontecerem. Estamos preparados para este corte do IPS porque, como se costuma dizer, já levamos muita ‘tareia’.Porque diz isso?Em 2007, fomos ‘aliciados’ pelo IPS para realizar o Encontro Nacional e Internacional de Dadores Benévolos de Sangue. Na altura disseram-nos para avançarmos porque o IPS comparticipava nas despesas. Tínhamos a garantia que o IPS e a Câmara de Alpiarça nos iam apoiar e que esta organização não significaria custos a mais para o nosso grupo. A iniciativa custou cerca de 17 mil euros e tivemos somente um apoio de 3 mil euros da autarquia. O IPS não nos apoiou porque entendeu que entregamos a candidatura fora de prazo.Como resolveram a situação?Quando nos apercebemos que não íamos ter o apoio por parte do IPS nós não tínhamos dinheiro, não tínhamos os 17 mil euros para pagar as despesas. Pedimos dois mil euros emprestados ao Grupo de Dadores de Sangue de Almeirim que muito gentilmente nos cederam essa importância sem qualquer tipo de compromisso. Já pagámos mil euros. Com muito esforço nosso e imaginação temos andado a angariar fundos.Já conseguiram pagar a dívida?Sim. Três anos depois a dívida está paga com os mais diversos apoios. A autarquia compensou-nos com mais uma pequena importância. Mas conseguimos pagar sobretudo com ofertas de empresas, particulares, cabazes de Natal, rifas, quermesses. Neste momento só nos falta pagar mil euros ao Grupo de Dadores de Sangue de Almeirim.Estas situações não fazem as pessoas desmotivar do meio associativo?Completamente. Se formos racionais poucas coisas nos motivam a estarmos envolvidos no associativismo, nomeadamente no grupo de sangue. Todos reconhecem que há falta de sangue e que é preciso envolver a comunidade de forma altruísta e sem qualquer tipo de interesse para que as provisões do IPS sejam suficientes para as necessidades do nosso sistema nacional de saúde. Só existem duas formas: ou compramos sangue ou arranjamos forma de o angariar de forma gratuita através dos trabalhos das associações. E sem apoios é difícil fazer este trabalho.O associativismo está condenado?Não. Acho é que vai ter momentos difíceis porque cada vez mais as pessoas sentem-se menos motivadas para este tipo de trabalho sem qualquer compensação. E cada vez mais as pessoas estão atraídas por outra forma de conviver que não passa pelas colectividades. Cada vez mais as autarquias vão ter que compreender que precisam das colectividades.Porquê?O presidente da câmara já disse que vai haver um corte aproximado de dez por cento nas subvenções estatais para este ano e que isso se vai repercutir na capacidade da câmara realizar iniciativas. Só há uma forma de ultrapassar esta situação que é envolver a comunidade para substituir aquilo que a autarquia vai deixar de conseguir fazer. O município vai ter que continuar a apoiar as colectividades.Alpiarça sempre foi uma terra muito politizada. As forças políticas procuram controlar as colectividades?Sempre houve interesse por parte dos políticos e forças políticas da terra em terem o domínio nas colectividades, porque quem está numa colectividade tem uma visibilidade que não tem de outra forma. A mudança política que existiu há ano e meio partiu não só do descontentamento que as pessoas tinham em relação à política que vinha sendo desenvolvida pelo PS, mas também pelo reconhecimento de que existiam pessoas da CDU que estavam a desenvolver um trabalho nas colectividades meritório e em que os resultados estavam à vista.A mudança passou também pelas colectividades?Para mim a reviravolta que aconteceu há ano e meio começou muito tempo antes com o trabalho que as colectividades têm vindo a desenvolver desde essa altura. Enquanto que há muitos anos tínhamos uma série de colectividades em que as pessoas que estavam à sua frente eram claramente do PS, houve um momento em que isso se inverteu. Ainda quando o PS estava no poder.Isso foi um sinal de mudança?Foi. As pessoas começaram a ver na vida associativa, na vida do concelho, pessoas que não estavam ligadas ao poder autárquico. E reconheceram que o trabalho que essas pessoas estavam a desenvolver era muito válido.O gosto de observar as estrelas e andar de motoMário Santiago tem 40 anos e sempre viveu em Alpiarça. Faz diariamente o percurso Alpiarça/Caldas da Rainha onde trabalha como director financeiro num grupo do sector automóvel. Apesar da centena de quilómetros que tem que realizar diariamente Mário Santiago nunca pensou deixar Alpiarça. Depois de passar por Santarém, Lisboa e Torres Vedras espera um dia ficar a trabalhar mais perto de casa.Além de director financeiro é também dirigente associativo no Grupo de Dadores Benévolos de Sangue do Concelho de Alpiarça e, desde Outubro de 2009, presidente da Assembleia Municipal de Alpiarça, cargo a que concorreu como independente eleito pelas listas da CDU. É a sua primeira experiência no mundo da política. O dinheiro das senhas de presença nas reuniões de assembleias municipais (cerca de 80 euros) é directamente transferido para a conta do Grupo de Dadores de Sangue. “É o meu donativo para a associação. Acho que não tenho o direito de ser beneficiado economicamente por desempenhar uma função política, num cargo que não é pago a tempo inteiro”.Nos tempos livres dedica-se à astrofotografia. Construiu um observatório em casa onde fotografa estrelas e galáxias com o seu equipamento. Se pudesse gostava de embarcar numa viagem ao espaço. Também é fã de motas e de vez em quando junta-se ao grupo de Mototurismo do Águias de Alpiarça, do qual é membro, para dar umas voltinhas. “São momentos de relaxe e descompressão”, diz.Está à frente do Grupo de Dadores de Sangue há cerca de quatro anos e diz que se a equipa considerar que deve continuar está disponível para novo mandato. O grupo, que conta com cerca de 1100 sócios, realiza cerca de 12 dádivas de sangue por ano, nas quais cerca de oito centenas de pessoas dão sangue com regularidade.
“Houve abuso de poder durante os 12 anos de gestão socialista em Alpiarça”

Mais Notícias

    A carregar...