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O cavador que dedicou uma vida à terra

O cavador que dedicou uma vida à terra

Grupo “Os Casaleiros” de Casais dos Britos homenageou Joaquim Mendes Simões

Joaquim Mendes Simões, um dos mais antigos cavadores de Azambuja, foi homenageado no sábado pelo grupo tradicional “Os Casaleiros” de Casais dos Britos. Aos 76 anos continua a trabalhar a terra em Casais de Baixo, onde reside.

Joaquim Mendes Simões, 76 anos, é o único homem que se encontra durante a manhã nos campos de Casais de Baixo, Azambuja. Traz uma mão cheia de caracóis. “É uma praga, destroem-me a agricultura”, conta com o passo apressado. Veste uma camisa cheia de buracos. O chapéu não está em melhor estado. É roupa de andar no campo, conta. O grupo tradicional “Os Casaleiros” de Casais dos Britos homenageou o cavador no sábado, 19 de Março, pelo trabalho de uma vida dedicado à terra. Sempre se lembra de trabalhar nos campos. Tinha oito anos quando viu o pai gravemente doente. “Fui trabalhar para uma quinta de Azambuja onde tratava de cães, patos e galinhas. Por dia trazia no bolso sete escudos para ajudar os meus pais”, recorda. O pai ainda insistiu para Joaquim Mendes Simões ir à escola mas o pequeno cavador preferia os campos. Mesmo assim ainda tirou, em 1955, a terceira classe na tropa, nas Caldas da Rainha, o que lhe permite fazer contas de cabeça e escrever “alguma coisa”.Esteve um ano a tratar dos animais na quinta até o pai melhorar. Depois voltou ao trabalho nos campos de Azambuja. Lembra-se de semear à mão o arroz e de ver as mulheres a arrancar as ervas. Ou então de apanhar os restos das vinhas que eram podadas para fazer molhos de lenha. Os bois é que lavravam a terra, existiam poucos tractores na altura. Já com 18 anos foi, nos meses de Verão, trabalhar para as terras que se estendiam desde a Póvoa de Santa Iria até Alhandra. Fez de tudo, desde semear trigo e cevada até carregar fardos de palha às costas. À noite, enrolado numa manta, deitava-se num monte de trigo para dormir até o sol nascer. Numa pequena fogueira cozinhava o almoço com os companheiros que também andavam nos campos.Do primeiro casamento, aos 24 anos, não fala muito. “Foi um tempo mal empregue”, deixa escapar. Um ano depois foi trabalhar para a extinta Mague, em Alverca. Saía de bicicleta de Azambuja às 5h00 e apanhava o comboio. Levantava-se cedo e dormia poucas horas. Três anos depois mudou-se para a Ford, em Azambuja, onde trabalhou 29 anos. Uma vida de tanto trabalho paga-se caro e por volta dos 50 anos o cavador teve um problema grave na coluna que praticamente o incapacitou. Uma operação ajudou a acalmar a dor, mas já não tinha corpo para tanto trabalho. Aos 57 anos reformou-se. Vive agora da reforma e dos produtos da agricultura que vai vendendo aos vizinhos. Embora não fume, diz que sempre vai “ganhando para o tabaco”. Hoje vive-se muito melhor, na opinião de Joaquim Mendes Simões, que se recorda as dificuldades que passava para conseguir comer. O que piorou foi a “ladroagem”, assegura. “As pessoas não querem trabalhar e andam atrás dos idosos. Tenho agora muito medo de andar à noite e antigamente ninguém tinha problemas”. A manhã está quase passada e Joaquim Mendes Simões deixa a conversa para poder desfazer a barba e tomar um banho antes de ir almoçar ao Centro Paroquial de Casais de Baixo. De lá vai trazer uma sopa e dois papos secos para o jantar. Há quatro anos que vive sozinho, depois da segunda esposa - uma mulher de arregaçar as mangas, que tomava conta dos animais e trabalhava na agricultura - falecer. Existem agora mais ervas no campo, mas o gosto do cavador pela terra continuará até que todas as forças o abandonem.
O cavador que dedicou uma vida à terra

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