Joaquim Saramago
66 anos, director da Adega Cooperativa de Alcanhões, Santarém
É director da Adega Cooperativa de Alcanhões, presidente da Junta de Freguesia de Achete mas mora na sede de concelho, Santarém. Joaquim Saramago, 66 anos, gosta da aldeia mas não dispensa as comodidades da cidade onde criou os dois filhos com a ajuda da esposa. O antigo funcionário das Finanças está reformado há oito anos. Os pombos-correio, que tem no casal, na Póvoa de Santarém, onde nasceu, ocupam-no nos tempos livres.
Nasci em casa a 15 de Maio de 1945 na Póvoa de Santarém. Foi lá que passei a minha infância. A jogar ao pião e ao berlinde. Estava no extremo da Póvoa e por isso foi no Verdelho que tive todas as minhas vivências. A minha mãe era do Verdelho e puxava mais para o Verdelho. O meu pai era da Póvoa e puxava mais para a Póvoa. Levávamos o sacho para cortar as ervas da escola. Tínhamos uma professora à antiga que usava a régua e a vara. Todos os dias dois alunos iam à fonte buscar água com uma quarta. A escola foi sempre mista e funcionava com as quatro classes ao mesmo tempo. Depois fui estudar no Liceu Sá da Bandeira em Santarém. Fiquei mal a uma secção que era de letras. Não encarrilava com Português e Francês. Tive a felicidade de nunca chegar a ir ao Ultramar. Ia ser mobilizado mas depois troquei com um rapaz amigo que era cabo-verdiano. Ele é que foi no meu lugar. Ele tinha lá a família e eu tinha cá a minha. Naquela altura faziam-se muitas trocas. Era mais fácil na minha especialidade de Polícia Militar que não era de combate.A tropa ensinou-me a ser homem. No meu tempo havia disciplina na Escola Prática de Cavalaria de Santarém. Estive lá 36 meses. Tínhamos que ser responsáveis, saber enfrentar os problemas e decidir. Havia aprumo. Os sapatos tinham que estar bem engraxados. A brilhar. Fui funcionário das finanças durante 36 anos. Estou reformado há oito anos. Estou director da adega há três anos e presidente da junta há nove anos. Trabalho com boas equipas e sei com o que posso contar. Passo muito tempo na praça, em Santarém. Costumo parar no Norberto. Convivem ali muitos reformados. Almoço em casa. A seguir é que venho à aldeia. Passo na adega quando é necessário mas reunimos todas as semanas. Na junta a mesma coisa.Os pombos-correio são o meu passatempo. No Verdelho tenho um casal onde tenho cães, pombos, um pedaço de vinha e o tractor apesar de não ser eu a usá-lo. O casal está entre a Póvoa e o Verdelho. Já se sabe que se perde ali um bocado de tempo. Há dois anos, desde que tive um problema de saúde, que não posso entrar na vinha porque faço alergia. Tive um tumor há dois anos. Foi uma altura difícil mas consegui ultrapassar. Detectei o problema na bexiga e um mês depois, nem tanto, estava a ser operado. Passei um ano a fazer fisioterapia. Ao princípio custou muito. Enfraquece-nos. Deixei de fazer tratamento há um ano. Já estou melhor e voltei a ganhar apetite. Não sou muito de caminhadas ou corridas. Costumo subir a calçada do monte.O meu filho é o polícia que escapou à morte na Cova da Moura. Foi há quatro anos. Mataram-lhe o colega. Ele ia a conduzir o jipe e conseguiu salvar-se. Foram 36 tiros contra ao jipe. As balas passaram-lhe todas ao lado. Não apanhou nenhuma. Fazer karaté tem-no ajudado a ultrapassar esse problema. Tem 33 anos. Vivo com a minha esposa e com os dois filhos. Tenho também uma filha com 37 que trabalha num banco. Gosto de viver num apartamento em Santarém. Quando estamos na aldeia chegamos a um certo ponto em que nos fartamos. Andamos sempre a curar as ervas. Na cidade não é preciso. Fui para a cidade porque era lá que tinha condições. Deu muito jeito para criar os filhos. Estávamos perto de tudo e a mãe pôde dar-lhes apoio. Quem vive na aldeia, como eu vivi, passa a vida a andar de autocarro. Ia de camioneta de manhã e vinha à tarde. Ia para o café Portugal jogar matraquilhos. E todos os dias acabo por vir à aldeia. Estou há três anos como director da Adega Cooperativa de Alcanhões. Como não tínhamos vida para fazer vinho em casa eu e um cunhado meu viemos os dois para sócios da adega. Um dia convidaram-me para dar apoio até que passei a presidente da direcção. Estamos a expandir o nome da adega e a vender para o estrangeiro. Temos ganho alguns prémios. No ano passado produzimos mais de dois milhões de litros. Há tempo para tudo desde que se queira. Hoje não penso tanto à distância mas preocupo-me com o dia a dia. Cada dia é um dia. Não vale a pena andar a correr. De um momento para o outro a vida dá um trambolhão. Ana Santiago
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