
Ruy Duarte Carvalho evocado na terra que o viu nascer
Antropólogo, poeta, cineasta, foi uma personalidade multifacetada que Santarém esqueceu durante muitos anos
Ruy Duarte Carvalho foi uma voz importante da lusofonia, um exemplo de interculturalidade. Tirou o curso de regente agrícola em Santarém, cidade onde nasceu, mas foi em Angola que desenvolveu a alma de artista.
Quando morreu, em 12 de Agosto de 2010, na longínqua Namíbia aos 69 anos, já poucos o conheciam em Santarém, sua terra natal, mas Ruy Duarte Carvalho teve uma vida que dava um filme e que merece ser recordada. E foi isso que se fez na tarde de 23 de Março na Escola Secundária Ginestal Machado, em Santarém, onde familiares, amigos e admiradores viajaram pela vida do regente agrícola que cultivou outros saberes, da antropologia à etnologia, passando pelo cinema e pela poesia. Uma personalidade multifacetada, uma constelação de talentos que deixou marcas por onde passou. E foram muitas as paragens no percurso: Santarém, Coimbra, Paris, Londres, São Paulo, Berkeley, Luanda, Namíbia.Ruy Duarte de Carvalho nasceu e viveu a infância em Santarém, cidade a que voltou para fazer o curso de regente agrícola na Escola Agrária, regressando depois a Angola, país que adoptou como seu, tendo optado pela nacionalidade angolana, embora tenha decidido, nos últimos anos, residir na Namíbia.Uma prova de que Ruy Duarte Carvalho é praticamente ignorado na sua terra natal foi a fraca adesão à sessão evocativa realizada na Escola Ginestal Machado, onde apenas uma dúzia de alunos e outros tantos professores fizeram as honras da casa, com os participantes externos à comunidade escolar a não ultrapassarem também esse número. Quem não esquece o antropólogo, escritor, poeta e artista plástico é a sua filha Eva Carvalho. Residente na Chamusca há 13 anos, onde é funcionária numa escola, cedeu parte do material patente na exposição biográfica e documental dedicada ao pai no átrio da Secundária Ginestal Machado. “Era um homem que tinha uma grande honestidade e sinceridade. Isso está bem explícito na obra que deixou”, afirmou visivelmente emocionada. Eva Carvalho diz que não foi por acaso que o pai tirou o curso de regentes agrícolas, na Escola Agrária de Santarém. “Tem a ver com a terra, com o corpo”, conceitos fundamentais na sua obra. “Tinha um grande respeito pela família e filhos”, acrescentou, dizendo que a última vez que esteve com o pai foi no Natal de 2009 na Namíbia. “Foi o pai que pôde ser, à maneira dele”, declarou.“A sua origem determinou toda a sua vida”O sobrinho Jaime Araújo, que está a traduzir a obra do escritor para inglês, referiu que Ruy Duarte Carvalho assumiu-se como um angolano “de condição” e que quando se deu a independência de Angola já estava implicado com a causa nacionalista, mas “nunca escondeu a influência que a sua origem portuguesa teve” na sua vida e obra. “Acho bem que os escalabitanos evoquem esta figura, sempre tendo em conta que era um angolano mas que a sua origem determinou toda a sua vida”, afirmou.O dramaturgo Rui Guilherme Lopes, também com raízes em Santarém, adaptou em 2008 a obra de Ruy Duarte Carvalho “Vou lá visitar pastores” (1988), sobre os Kuvale, uma sociedade pastoril do sudoeste de Angola, encenada e interpretada por Manuel Wiborg e que esteve em cena no Teatro A Barraca, na Culturgest, no FITEI (Porto), no Festival de Almada e no Festival de Agosto em Maputo. “Sou de Santarém mas não conhecia o Ruy Duarte Carvalho. Conhecia sim parte da sua obra. Foi um enorme prazer conhecê-lo. Para além de ser de Santarém era uma pessoa extraordinária no trato, de uma seriedade enorme”, disse.Margarida Gabriel, a professora que orienta a Oficina de Teatro da Escola Ginestal Machado e membro da comissão criada em 2010 por várias associações para “pensar a cidade”, disse que a homenagem a Ruy Duarte de Carvalho surgiu no âmbito do trabalho que tem vindo a realizar com os alunos sobre a diversidade cultural.Promovida pela Oficina de Teatro da ESDGM em colaboração com o Centro Cultural Regional de Santarém, Cineclube de Santarém e Teatrinho de Santarém, a homenagem incluiu uma dramatização feita pelos alunos e uma sessão de cinema, à noite, com a exibição do seu filme mais premiado, Nelisita, seguindo-se um debate com Jaime Araújo e João Carmo, da Escola Superior de Educação de Santarém.

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