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Trabalho em equipa é decisivo para o êxito da formação de jovens jogadoras

Marco Seco Santos homem que levou o andebol feminino do JAC de Alcanena aos mais altos patamares da formação nacional da modalidade

Chegou a treinador após desistir de um curso de informática. E não está arrependido do passo dado. Marco Santos é um nome conceituado na área do andebol de formação. Já foi seleccionador nacional de sub-16. É um homem feliz por ter neste momento dez jovens internacionais no seio do JAC Alcanena.

Qual é o segredo para ter atletas que conquistam tantos títulos e chegarem rapidamente a internacionais?Não há grandes segredos. Respeito e muito trabalho é o essencial. No andebol feminino quando há um trabalho estruturado torna-se tudo um pouco mais simples alcançar resultados. O bom relacionamento e a qualidade do trabalho de técnicos e atletas é fundamental para se alcançar estes resultados. É um trabalho de um homem só?Não. Todo o sucesso que temos alcançado e que podemos vir a conquistar é fruto do trabalho de uma equipa. Tenho um excelente grupo de trabalho, sem ele não conseguíamos os bons resultados que temos atingido. No JAC de Alcanena tenho o Nuno Fernandes, que me tem acompanhado ao longo dos anos, que faz parte de todos os êxitos que temos tido e é dos treinadores que tem um papel fundamental no clube. Temos também os dirigentes e outros treinadores que sem eles não conseguiríamos metade do que temos feito. Temos uma verdadeira equipa a trabalhar. O treinador tem um papel importante na prestação das atletas. O que lhes transmite antes das provas?Eu durante estes sete anos assumi sempre o treino directo de duas equipas e mais algumas atletas de outros escalões. Tenho responsabilidades na supervisão e na coordenação de todos os outros escalões. Temos seis escalões e precisamos sempre de pelo menos quatro treinadores para levar por diante este projecto. Temos ambição e transmitimos isso às atletas. Se confiarem que são capazes e se trabalharem arduamente, se tiverem uma intenção, um propósito e não se desviarem conseguem atingir patamares bem elevados. Treina atletas de alta competição. Atletas que servem a Selecção Nacional, que estão presentes em fases finais de Campeonatos da Europa, como é que isso é possível?É gratificante saber que existem em Alcanena atletas que já são do melhor que existe em Portugal, a todos os níveis. Neste momento temos 10 atletas internacionais e temos já mais quatro atletas na selecção nacional de talentos que dentro em breve vão ter o baptismo da internacionalização. As quatro atletas que ajudaram Portugal a conquistar, em Alcanena, o acesso à fase final do Campeonato da Europa que se vai realizar em Junho na República Checa, já são internacionais há quatro anos, fizeram o percurso em todas as camadas jovens, estão agora na selecção de juniores B, e a Neuza já joga na selecção de juniores A, grupo onde temos ainda outras duas atletas. Na selecção de juniores B temos a Patrícia Rodrigues, que tem apenas 13 anos e joga com companheiras de 17 anos, é um grande talento e um dos melhores talentos europeus. Tudo isto é fruto de muito e dedicado trabalho. O facto da Federação ter distinguido o JAC como Centro de Formação de andebol feminino contou para este êxito?O facto de sermos distinguidos como centro de formação de andebol feminino é importante para nós. Mas em termos de facilitar alguma coisa não é muito forte. Temos alguns proveitos, como por exemplo não pagar arbitragens. É claro que sermos distinguidos pela Federação é motivo de orgulho e talvez ajude a motivar mais as jovens jogadoras. O que sente quando vê as suas atletas a conquistarem títulos e internacionalizações?Vibro com elas. É fácil imaginar que no momento da vitória elas pensam que todo o esforço que fizeram antes valeu a pena. É uma satisfação muito grande que só quem passa por elas pode almejar alguma vez sentir. Por exemplo nesta última classificação para a fase final do europeu alcançada aqui em Alcanena acredito que as jogadores do JAC sentiram mais pressão, mas também tiveram um orgulho redobrado. Como se lida com a frustração de perder um campeonato pela diferença mínima?Quando se perde não é fácil, ainda mais quando estamos habituados a ganhar, mas sabemos que há outros clubes que trabalham bem. É o momento em que temos que manter o foco na intenção, porque a intenção é sentirmos que somos capazes. É preciso reverter esse resultado menos favorável em motivação. O papel do treinador nesse momento é quase só esse. As derrotas já aconteceram por querermos jogar em diversas frentes e assim prejudicarmos os resultados desportivos. Mas acreditamos que em termos individuais isso é sempre benéfico. Quando as coisas não correm como nós queremos temos que estar à altura de fazer ver às jovens que já ganhamos muita coisa e que o nosso grande objectivo é a formação. Que tipo de relação tem com os atletas?Muito boa. Creio que elas têm a ideia que não sou um amigo, mas sim o amigo delas. Vêem-me como alguém que sabe o caminho e está preocupado que lhes corram bem as coisas. E que tem conhecimentos suficientes para as ajudar a chegar onde elas querem. Ao longo destes anos todos trabalhamos muito, convivemos muito, tento transmitir-lhes valores e educação desportiva que com muito esforço e dedicação conseguimos atingir objectivos que muitas vezes não são só os resultados desportivos que contam. Com trabalho e disciplina conseguimos muitos outros objectivos durante toda a nossa vida.Mesmo quando é necessário falar mais alto ou mais ríspido?É uma fase que está ultrapassada há muito tempo. As nossas jogadoras sabem que existe muita amizade, mas também muito respeito. As atletas quando atingem determinada idade têm que perceber se é isto que querem ou se querem seguir outro caminho, porque a partir de determinada idade vão perceber que é muito a sério. Ninguém é obrigado a jogar a este nível. Só algumas atletas têm condições, e não estamos só a falar em questões físicas ou de talento, há outras situações de maior sacrifício para se chegar a este nível. Naturalmente está a falar de atletas que chegaram à selecção?Não só. Estou também a falar em jogadoras que não chegaram à selecção mas que tinham valor para isso. As nossas atletas são todas jogadoras de selecção.Normalmente os treinadores foram atletas. Foi o seu caso?Eu não sou um bom exemplo como atleta, porque pratiquei dezenas de desportos diferentes. Todos eles com sucesso relativo. Pratiquei futebol, joguei andebol, ténis de mesa, ténis, era bonzinho em muitos desportos mas nunca fui muito bom em nada. De qualquer modo isto tudo ajudou-me na minha formação profissional. Ajudou-me a desenvolver um número significativo de projectos em Alcanena ajudou-me a ter a carreira que tenho ao nível de técnico superior de desporto. Treinador é diferente. Aos 19 anos tirei um curso de técnico de andebol e percebi que podia continuar, e na altura ajudei a professora Anabela Ruivo numa das equipas e pouco a pouco fui avançando na carreira e fui aperfeiçoando como treinador.As andebolistas do JAC têm todas as condições para desenvolverem o seu treino?Sem dúvida que sim. As condições de trabalho que temos em Alcanena são muito boas. Temos um excelente pavilhão, temos todo o material necessário para desenvolver o nosso trabalho. Temos disponibilidade de horários. Utilizamos o pavilhão da escola secundária para a maioria dos nossos treinos, e temos também o Pavilhão Carlos Calado para trabalhar com as bambis, as miúdas de sete e oito anos.O modo de treinar dos atletas portugueses é muito diferente do modo de treinar dos estrangeiros?Já fui seleccionador nacional de sub-16, e reconheço que as grandes diferenças estão ao nível das metodologias. Hoje em dia não há segredos no andebol, a Internet coloca tudo à nossa disposição. A diferença passa muito pela personalidade dos treinadores, pela forma como tentam transmitir os seus conhecimentos, pela responsabilização pelo trabalho e depois varia um pouco de país para país. Quem assistiu de perto aos jogos de apuramento para a fase final do europeu disputados aqui em Alcanena, percebeu que países como a Rússia têm uma forma diferente de ver o desporto. O relacionamento treinador atletas é muito mais rígido.É o grande impulsionador do andebol em Alcanena. Sente o seu trabalho reconhecido?Não me preocupo muito com a questão do reconhecimento. É algo que nós quando trabalhamos em qualquer tipo de projecto, não podemos pensar que vamos recolher algo em troca, porque depois a queda é muito grande e depois vêm as frustrações. Se pensasse de outra forma já tinha desistido há muito tempo.Está a dizer que tem sentido algumas dificuldades?Naturalmente que este percurso também tem alguns espinhos. Mas vale sempre a pena. Até porque nos rodeámos de pessoas que gostam, que colaboram e acima de tudo não são os resultados desportivos, mas a própria envolvência de todo este projecto, ver as atletas a reconhecer o nosso trabalho e a mostrarem nas competições nacionais e internacionais, que vale a pena o esforço que fazemos. É isso que nos gratifica. “Temos um projecto muito ambicioso para o meio em que estamos”Este projecto não é demasiado ambicioso para Alcanena?É bastante ambicioso. Nós o ano passado estávamos bastantes sobrecarregados de jogos, as mesmas atletas jogavam ao sábado numa categoria e ao domingo noutra, e estivemos três meses a jogar três jogos por semana, o que aconteceu foi que falhámos no final da época, tivemos a possibilidade de ganhar o campeonato de juvenis, tínhamos tudo para ganhar também em juniores, mas a sobrecarga a que as atletas foram sujeitas não lhes permitiu chegar nas melhores condições ao final. Mas o objectivo é formar uma equipa de seniores?Sim. E para isso vamos abdicar de juniores e desbravar caminho já no escalão de seniores. Já realizámos alguns jogos com equipas de seniores de bom nível e os resultados foram muito bons. A categoria das nossas jovens deixa antever que podem fazer coisas bonitas mesmo no escalão de seniores.O JAC de Alcanena vai suportar ainda mais esse investimento?O JAC habituou Alcanena e o país a ter um andebol de formação de excelente qualidade, vamos tentar transportar essa qualidade para o escalão de seniores. Pode parecer um projecto demasiado ambicioso, vamos ainda analisar algumas situações. Existem muitos apoios para andebol? O nosso principal apoio é a Câmara de Alcanena, temos um contrato programa que com o novo executivo teve algumas reformulações, mas o apoio continua e é fundamental para a continuação do andebol no JAC de Alcanena. Sem este apoio não seria possível continuar. Os responsáveis sabem que desenvolvemos um trabalho honesto e leal. Somos leais com quem nos ajuda e reconhecemos o esforço que fazem para nos ajudarem. É claro que para irmos mais além seria necessário que houvesse mais gente a ajudar-nos. Vamos entrar no Campeonato Nacional de Seniores apenas com atletas da nossa formação. Naturalmente que as equipas que lutam pelo título e apuramento para as competições europeias precisam de mais ajuda.De Moçambique para AlcanenaMarco Seco Santos nasceu a 2 de Maio de 1973, na cidade da Beira, em Moçambique. Em 1976 veio com os pais para Portugal, inicialmente para Torres Novas, mas fixa residência com a família em Alcanena. Tirou o curso de professor de Educação Física e depois de leccionar nalgumas escolas, fixou-se como técnico superior de desporto na Câmara Municipal de Alcanena.“Foi-me proposto desenvolver um projecto na autarquia, aceitei e optei por me fixar também em Alcanena. Foi aliciante desenvolver um conjunto de projectos neste município e na escolha entre o ensino e a autarquia venceu este projecto”.Constituiu família em Alcanena, terra natal da sua esposa e dos seus três filhos. É um dos principais promotores do desenvolvimento do andebol feminino em Alcanena, e acompanha a educação física dos jovens das escolas do concelho de Alcanena. Diz que ainda há muita coisa por conquistar. “Eu e os meus companheiros já conquistámos muitos campeonatos em várias categorias. Mas às nossas atletas ainda falta conquistar algumas coisas e é para isso que luto diariamente, para as ajudar”, diz sorridente.É um treinador por obrigação. Sente-se responsável por este projecto do andebol de Alcanena, e apesar de se sentir cansado, garante que tem de olhar para trás para que o que já foi construído não acabe. Sente que obrigatoriamente o projecto tem que ter continuidade. Por respeito a quem o construiu e também a todas as atletas que fizeram parte das equipas.

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