Cínicos, corruptos e camaradas
Quando vires sangue nas ruas podes começar a comprar propriedades. Se não é a mais cruel das frases para explicar um tempo de crise certamente que será uma das mais cruéis. Ouvi-a há cerca de dez anos quando a crise actual começou a desenhar-se. Daí para cá tenho visto, com os olhos bem abertos, como algumas pequenas e médias empresas ficam pelo caminho, regra geral às mãos da banca e dos banqueiros.Tenho um “ódio de estimação” pelos bancos que não me canso de repetir. No tempo em que o dinheiro valia dinheiro, e tudo o que se ganhava era para investir, cheguei a trocar de carro, passando de cavalo para burro, para ter dinheiro para fazer compras sem correr o risco de ficar a dever e fazer má figura.Quem era pobre e nada tinha de seu jamais conseguiria comprar sem dinheiro. No início da minha vida de comerciante (empresário é um termo mais moderno) os bancários faziam-me sofrer ao balcão obrigando-me a expor as minhas necessidades financeiras perante pessoas da terra que eram clientes de conta ordenado ou simples tarefeiros.Cada vez que precisava de investir, e investir nesse tempo era comprar a pronto para beneficiar de todos os descontos, o meu coração tremia. A vergonha que me faziam passar por pedir emprestado era ultrapassada no limite das minhas forças porque eu tinha quase a certeza que um dia chegaria a hora da vingança.Escrevo e falo de coração ao alto mas não perco a noção da realidade. Todos os castelos têm pedras ruins e não há projectos empresariais sem alguns alicerces de barro. A verdade é que eu hoje (ainda) não pertenço aos cerca de oitenta por cento dos pequenos e médios empresários portugueses que não conseguem financiar-se na banca.Recuso-me perante esta realidade a ver e ouvir os políticos na televisão a falarem ao povo. O país de brandos costumes, dos três efes (futebol, fado e Fátima) tornou-se, na minha fraca opinião, no país dos três cês (cínicos, corruptos e camaradas).Há empresas com muitos postos de trabalho por preencher e não há gente para trabalhar apesar do desemprego em Portugal ter ultrapassado os onze por cento da população activa. Há empresas que definham todos os dias porque os seus velhos trabalhadores se recusam a aprender as novas regras do negócio. Há empresas em dificuldade que para obterem crédito, mesmo sob hipoteca, pagam mais do dobro dos juros que ditam as boas regras do mercado.Há uma lei da selva na economia portuguesa que está a desfazer os alicerces de uma geração de empresários que são gente séria e de vergonha. E o que é que fazem os governantes perante o descontrolo das conta públicas e o assalto ao poder dos grandes grupos económicos? Acobardam-se, fogem, rendem-se com conversas da treta e viagens à China e à Venezuela.A região de Lisboa e Vale do Tejo é a mais rica do país mas também é a que mais sofre em tempo de crise de valores. Vem aí uma campanha eleitoral em que não vão faltar novas linguagens para nos desorientarem ainda mais. Como alguém já escreveu “nada mais velho do que uma nova linguagem política”. JAE
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