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Os tempos em que a tasca do Picha servia um caldinho aos vilafranquenses

Os tempos em que a tasca do Picha servia um caldinho aos vilafranquenses

A cidade recordou as tabernas e tascas de outros tempos com um passeio nocturno

Um traçadinho, um caldinho ou uma ciganita para arrefecer a goela e animar o espírito no tempo em que a vida era cinzenta. Num passeio nocturno Vila Franca de Xira recordou tascas emblemáticas que já não existem. Ao todo chegaram a existir 60 na cidade.

Em tempos de ditadura, quando o vinho matava a dor e o padre tinha poder, a tasca do Picha em Vila Franca de Xira era uma das casas onde se podia beber um tinto, traçadinho (mistura de vinho com gasosa), um caldinho (café com aguardente e canela) ou uma ciganita (vinho numa garrafa de cerveja) e gritar sobre a manha dos toiros.Falar mais do que isso era impossível. O tipo que estava nas cadeiras a comer um chouriço com pão poderia ser da PIDE. As memórias das mais antigas tascas e tabernas da cidade – que já não existem hoje – foram o mote da “Rota das Tascas”, promovida pelo Clube de Campismo “As Sentinelas”, em colaboração com a secção cultural do União Desportiva Vilafranquense na noite de 1 de Abril. Mais de meia centena de pessoas descobriram a história de nove antigas tascas da cidade.“Rebelo”, “Pitorrilha”, “14 e 8”, “Lá vai Aço” ou “Toninho Careca” são algumas das quase 60 tascas e tabernas que já existiram em Vila Franca de Xira. E ainda o passeio não tinha começado já se falava de vinho. Um homem trocava argumentos com outro, acusando estas velhas baiucas de vender um vinho carrascão feito de qualquer forma no Ribatejo e depois transportado para Vila Franca de carroça. “Está doido? Nem pense nisso! Aqui tínhamos o vinho do Zé Manuel, que era um espectáculo”, responde o adversário. As tabernas e as tascas, mais do que memórias sócio-identitárias da cidade, foram espaços de boémia e são encarados por alguns como embriões de tertúlias. Fado, futebol e toiros eram conversa obrigatória.O dicionário diz que uma tasca é um “estabelecimento modesto que vende bebidas e refeições”. Por seu turno uma taberna é uma loja “onde se vende vinho a retalho” e uma “loja modesta de comes e bebes”, imunda e desordenada. “Antigamente a contratação de gente era tão má como é hoje em dia. Na praça da jorna (actualmente Largo Comendador Miguel Esguelha) juntava-se muita gente à procura de trabalho. A comida era pouca mas o vinho era muito, dava uma sensação de falsa energia”, recorda José Amador.À conversa com os presentes O MIRANTE encontra uma velha história da tasca do Pitorrilha. Reza a “lenda” que num funeral os dois empregados que empurravam o caixão em cima do carrinho de rodas pararam pelo caminho para matar a sede. Beberam vários copos que os tombaram mas não os venceram. “Deus nos dê saúde e sorte para continuar a beber e a enterrar”, disseram. Chamava-se “Mil Homens” e era uma das tascas mais conhecidas da cidade de Vila Franca de Xira. Hoje nada resta da sua existência, tirando umas portas fechadas com vidros estalados. “Havia aqui a feira franca e o dono do Mil Homens via o negócio a prosperar por isso manteve esta taberna e abriu do outro lado da cidade uma casa de pasto”, recorda um dos presentes. “Daí o velho adágio: Vila Franca tem mil homens à entrada e mil homens à saída”, refere.O rol, para os muitos que ganhavam à jorna, existia em muitas das tascas da cidade, que davam copo e talher a muitos vilafranquenses sem dinheiro para comer e beber. Chico Rafael, conhecido como “o mais famoso banqueiro de vinho” da cidade foi o último a ser recordado no percurso pedestre. O edifício onde funcionou o estabelecimento – hoje um restaurante - ainda existe, na rua direita. Depois da caminhada a seco foi tempo de comer coirato entalado em duas fatias de pão e beber um tinto de supermercado num petisco organizado pelo clube. Não houve tascas para visitar mas houve convívio. Como escreveu Lobo Antunes: “A taberna é o paraíso dos pobres”.
Os tempos em que a tasca do Picha servia um caldinho aos vilafranquenses

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