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“Sou uma voz incómoda”

Santana-Maia Leonardo, vereador do PSD na Câmara de Abrantes, fala das polémicas recentes e diz que falta cultura democrática à nossa classe política

António Santana-Maia Leonardo, 52 anos, é uma voz incómoda que não se rege por taticismos e que não se verga ao politicamente correcto. Os princípios e os valores estão primeiro, assegura. E nessa linha de pensamento não tem problemas em afrontar o partido de que é militante, como não tem papas na língua a criticar a maioria socialista que governa a Câmara de Abrantes e a classe política em geral. Nesta entrevista considera que falta cultura democrática à maior parte dos nossos autarcas e diz que chegou o tempo dos municípios gerirem os parcos recursos com critério e sem megalomanias. Explica porque pede uma investigação do Ministério Público ao processo RPP Solar e porque defende que se suspenda e se redimensione o projecto do Museu Ibérico de Arqueologia em Abrantes.

É oposição no executivo camarário e também à concelhia do seu partido em Abrantes. É um homem do contra?Não. Não sou oposição à concelhia do PSD, sou oposição como vereador dentro do executivo camarário, mas não somos oposição ao próprio executivo. Queremos dar o nosso contributo pela positiva, só que como a maioria tem mais votos e nem sempre estamos em sintonia vai ganhando quase sempre a versão diferente da nossa. Tentamos levar ao executivo propostas e preocupações de todas as pessoas, independentemente de saber se votaram em nós ou não. Há muitas propostas vossas que não têm acolhimento.Exactamente. No executivo já fizemos 237 intervenções escritas, com declarações, requerimentos, pedidos de esclarecimento e propostas fundamentados. Das 33 propostas que apresentámos penso que só uma ou duas, referentes a sinalização de trânsito, foram acolhidas.Que resultados práticos é que têm tido dessa intervenção?Penso que há um lado benéfico, porque o executivo camarário tem que fazer um esforço maior. Obriga o executivo a ser mais rigoroso na sua actividade. Os esclarecimentos prestados pela maioria têm-no satisfeito?Alguns satisfazem-nos. Os que não nos satisfazem geram uma proposta nossa de correcção ou então novo pedido de esclarecimento.A transferência da militância do PSD para Lisboa indica um corte de relações com o partido em Abrantes. A minha mudança foi para me distanciar da concelhia de Abrantes. Quem está mal muda-se. Se a concelhia de Abrantes segue determinado tipo de regras com as quais não concordo, não posso continuar. Se suceder o mesmo em Lisboa farei o mesmo. O PSD se é um partido democrático tem de se comportar como tal. Deve-se cumprir as regras, dar a conhecer as convocatórias de eleições, permitir as diferentes candidaturas e não andar com cartas na manga e com justificações de meia tigela. As coisas têm de ser transparentes. Foi a primeira vez que os militantes não foram convocados por convocatória enviada por e-mail ou por correio.Com estas divisões internas no PSD de Abrantes, o PS vai governando a seu bel prazer.Não acho mal que haja conflito interno. O direito à crítica é uma liberdade que a pessoa tem, tal como tem direito a candidatar-se. Não fica mal um partido ter duas ou três correntes de opinião diferentes e as pessoas depois votarem em quem entenderem. Não se pode é pôr em causa os princípios estruturantes da democracia.Sentiu que era uma voz incómoda no seio do partido?Sou uma voz incómoda quer para o partido quer para os meus amigos quer para o PS. Porque ajo de acordo com a minha consciência e com os meus valores.É um franco-atirador?Não, mas também não tenho receio de estar sozinho se achar que tenho razão. Não sou “Maria vai com as outras”. Se estou num grupo com linhas de actuação definidas sou leal.Apesar dessa polémica, a presidente da concelhia de Abrantes do PSD diz que os vereadores do partido continuam a merecer a sua confiança política. O inverso também é verdadeiro?Até hoje os vereadores do PSD têm sido completamente leais com as pessoas que nos elegeram e com a concelhia do partido. Estamos a cumprir com aquilo que nos comprometemos. Trabalhamos com qualquer comissão política, mesmo que haja divergência de opiniões.“Não volto a ser candidato por este PSD de Abrantes”Já se arrependeu desta aventura política em Abrantes?Acho que houve um equívoco das duas partes, meu e de pessoas ligadas ao PSD/Abrantes. Pensei, quando me foi feito o convite, que sabiam o que eu pensava relativamente a todas estas questões, até porque escrevia regularmente em jornais da cidade. As coisas que exigíamos aos outros tínhamos também de exigir a nós. Dar a ética do exemplo. Era um princípio de que não podíamos abdicar. Só que, penso, algumas pessoas do PSD devem ter julgado que eu, perdendo as eleições, me iria embora para o meu escritório. O que não aconteceu.Houve aí um engano terrível. Porque a partir do momento em que aceitei ser candidato foi para levar isto até às últimas consequências, com o sacrifício da minha vida pessoal e profissional. É uma questão de honra. E eles ficaram surpreendidos porque pensaram que eu me iria embora. Mas se me conhecessem saberiam que não poderia ser de outra forma. Porque eu sou mesmo assim. Pensava que eles me conheciam e eles esperavam que eu fosse uma coisa que não era quando me fizeram o convite. Em todo o caso a política ajuda-nos a conhecer as pessoas. Há algumas de que temos uma ideia conceituada e depois esvai-se tudo e outras a quem não damos valor nenhum e que depois na prática se revelam de uma grande estatura moral.Apanhou algumas desilusões?As grandes desilusões foi das pessoas de quem mais esperava. Como Armando Fernandes ou Pedro Marques?Não. Aquilo que sucedeu estava rigorosamente à espera. Aquilo que se está a passar relativamente ao engenheiro Marçal, a Pedro Marques e a Armando Fernandes se fosse uma coisa boa surpreendia-me. Porque me leram logo a sina quando pedi a primeira opinião se me devia candidatar. E está-se a cumprir aquilo que me foi dito. Agora pessoas que eu convidei, que estiveram comigo e de que criei uma ideia que seriam pessoas muito diferentes, essas surpreenderam-me. Tal como relativamente a pessoas que não conhecia de lado nenhum tenho hoje uma grande amizade por elas, como o dr. Belém Coelho. Equaciona a possibilidade de se candidatar em Abrantes novamente nas autárquicas de 2013?O único compromisso que assumo, porque o mundo dá muitas voltas, é que não volto a ser candidato por este PSD de Abrantes. Se houver um milagre qualquer, eu não excluo. Agora digo: se o dr. Belém Coelho fosse candidato e me convidasse para integrar a sua lista eu não teria coragem de lhe dizer que não.“A dra. Maria do Céu é extremamente autoritária”Que balanço faz do mandato autárquicos até à data?Sem querer comparar com o anterior, penso que a dra. Maria do Céu tem melhorado alguma coisa em termos de relação democrática e no respeito pelos direitos da oposição. Se bem que ainda não consiga compreender que o facto de haver ideias diferentes para o município não significa que todas elas sejam más. Não é a maioria dos votos que dá razão. O futuro é que diz quem tinha efectivamente razão num determinado momento. A dra. Maria do Céu é extremamente autoritária, daí que a situação connosco por vezes ferva um bocadinho, porque isso é uma coisa que não consinto. Ela pensa que a unanimidade é que é a razão. Não é!Esperava outra atitude da presidente da câmara?Não, porque já sabia que a dra. Maria do Céu era assim. Os nossos presidentes de câmara e grande parte dos nossos políticos funcionam assim, são capazes de fazer o que for preciso para ganhar eleições. Os fins justificam os meios. E depois, quando se apanham no poder, acham que são o Deus nosso senhor na terra. A razão é deles, o dinheiro da autarquia é deles e eles é que fazem e que mandam. Não tenho essa visão e tenho-a combatido quer na concelhia quer na distrital do PSD. Mas penso que a dra. Maria do Céu tem feito um grande esforço para ouvir as nossas opiniões sem se exaltar tanto.Há ainda alguma falta de cultura democrática por parte dos nossos agentes políticos?No país inteiro. De norte a sul, os presidentes de câmara parece que são todos do mesmo partido. A forma como este país se desenvolveu, as obras que fizeram, a forma como as fizeram, como contrataram os seus para o aparelho autárquico, a forma de distribuição dos subsídios, os concursos fantoche para contratação de pessoal é tudo rigorosamente igual. “O povo português é autenticamente irresponsável”António Santana-Maia Leonardo, 52 anos, nasceu em Lisboa mas reparte a sua vida desde há muito entre Abrantes e Ponte de Sôr, cidades onde tem escritórios de advocacia e onde é ou já foi vereador eleito pelo PSD, embora nunca tenha vivido da política nem pense vir a viver. O advogado diz que falta em cultura democrática à maior parte da nossa classe política o que sobra em irresponsabilidade, defende a verticalidade, o carácter e a “ética do exemplo” como ferramentas essenciais na prática política. “Sou visceralmente democrata”, enfatiza.O avô salazarista dizia-lhe que um dia havia de reconhecer que Salazar é que tinha razão e que os países do sul da Europa só podiam ser governados com rédea curta. “O povo português é autenticamente irresponsável e se lhe derem dinheiro para a mão esturra-o todo. Durante 20 anos lutei acreditando que os valores democráticos eram implantados e que nós éramos capazes de, tal como sucede no norte da Europa, cumprir o nosso destino com o respeito pelas regras democráticas. Se o meu avô me estiver a ouvir há-de estar a rir-se, porque nós levámos isto para o mesmo sítio que já a primeira República tinha levado”.Ministério Público deve investigar processo da RPP SolarTem levantado muitas dúvidas acerca do projecto da RPP Solar para instalar uma fábrica de painéis solares no concelho, que previa a criação de mais de mil postos de trabalho. Há pouco tempo propôs que a câmara enviasse o processo para o Ministério Público para investigação. As informações que nos chegam acerca desse processo levantam-nos muitas dúvidas. Não só em relação ao próprio investimento mas também do lado da aprovação pela câmara.Porquê?A Câmara de Abrantes já tem uma dimensão e um quadro técnico que tem obrigação de ser extremamente competente. O que significa que um projecto deste tipo e deste tamanho, depois de já ter havido aqui dois ou três processos do mesmo tipo que deram mau resultado, exigia que houvesse um cuidado especial na abordagem.Os direitos da câmara não ficaram devidamente acautelados?Não ficaram e nota-se ali um grande desleixo. Comecemos logo pelo terreno: não foi acautelada a cláusula de reversão. No caso do hotel e de outros processos ficou.A presidente da câmara alega que isso está implícito no protocolo, caso o terreno não seja utilizado para os fins propostos.A partir do momento que passa do real para o obrigacional significa que assim que haja penhoras outros credores ficam à frente da câmara. Se aquilo for tudo ao ar, a câmara fica com direito a reaver o dinheiro do terreno. Mas vai reavê-lo onde? Vai pedi-lo a quem? A câmara tinha era que ficar com a garantia de que se aquilo não fosse feito o terreno ficaria para ela. Isso devia ter ficado salvaguardado.Tem tido informações acerca do andamento do projecto?Compete também a outras entidades fazer essa investigação, porque nós não somos da Polícia Judiciária nem do Ministério Público. Mas há uma série de indicadores que têm de fazer tocar as sinetas. Vende-se um terreno que custa um milhão de euros por 150 mil euros. Aqui há um benefício. Depois há 100 mil euros de venda de eucaliptos que deviam ser recebidos pela câmara e ninguém se preocupa com isso. Depois vêm as declarações do ex-presidente da câmara Nelson Carvalho, que fez a apresentação do projecto na assembleia municipal e que disse que esta era a melhor coisa do mundo, dizendo que afinal vai para director da empresa e depois acaba por não tomar posse.Isso não quer dizer que o projecto esteja em risco.Quando ele diz que já não vai para director então as sinetas ainda têm de tocar mais. Temos de ler para além das palavras dele. Sai da câmara para ir para lá, contra tudo e contra todos, arrisca a sua própria reputação, e depois diz que já não vai. Depois sabemos que há uma penhora de 4 milhões de euros sobre o terreno. Fez-se alguma coisa? Tudo na mesma! Agora vem a resposta da câmara a dizer que não recebeu o dinheiro dos eucaliptos nem recebeu coisa nenhuma. A situação é muito grave. E das duas uma: ou há aqui incompetência ou uma grande negligência. Mas não vejo processos disciplinares levantados, tudo segue naturalmente. Quando começamos a ver estes factos, é tudo muito suspeito. E por isso tem de passar para outro nível, porque estamos a falar de dinheiros públicos. É por isso que propõe a investigação do Ministério Público?Acho que nestes casos deve-se fazer a investigação e fazer o levantamento. Devemos estar de porta aberta para todas as situações. Pode ter sido negligência, pode ter sido incompetência, pode ter havido mais qualquer coisa. Agora uma coisa é certa: isto que aqui está não bate certo. Parte do pressuposto que existem irregularidades.O que eu digo é que o que se passa neste processo, a soma dos factos, não indicia nada de bom. Mas isso é o que vemos de fora, com os indícios que temos. Agora também sabemos que pode haver uma explicação para aquilo tudo. E isso deve ser investigado por uma entidade externa e não por uma entidade interna, porque aí toda a gente arranja as desculpas e justificações que quer. Quando se está perante a suspeita de ilícito, já não é ao campo político que cabe a investigação mas a uma entidade externa que tem essa competência. “Temos de fazer um museu à nossa dimensão”Já quanto ao Museu Ibérico de Arqueologia é mais uma questão política do que técnica.Exactamente. Os vereadores do PSD pediram que fosse suspenso o projecto dada a actual conjuntura.Desde o início, mas agora penso que é claro como a água. Há pessoas em Abrantes que são contra o projecto do museu, outras são a favor. A nossa posição é prévia a essa situação. Antes de discutir se deve ser ali ou noutro lado, se deve ser ou não daquele tamanho, temos dois pontos. Primeiro: se é para uma colecção, temos de aferir se aquela colecção justifica ou não o investimento. O que foi decidido continuar agora a fazer. E depois há a sustentabilidade do museu. Podemos ter uma extraordinária colecção de seis mil peças mas o município não ter capacidade financeira e económica para sustentar um museu dessa grandeza. Não podemos querer fazer aqui o museu de Londres ou o museu do Prado. Qual a solução que advoga?Temos de fazer um museu à nossa dimensão e dos nossos parcos recursos e não avançar para um projecto deste tipo, que custará cerca de 20 milhões de euros. Depois é o equipamento do próprio museu e os encargos de manutenção de uma obra daquelas.E quanto à questão estética?Isso é à posteriori. Depois de vermos qual é o museu e a sua dimensão temos também de colocar a questão estética. Defendo um museu de menor dimensão e tentando poupar o máximo.Isso implicaria deitar por água abaixo o que já foi investido no projecto.Exactamente. Na campanha eleitoral eu disse claramente que havia quatro obras do regime que não iam ser feitas, independentemente de eu estar de acordo ou em desacordo com elas, porque não ia haver financiamento. Estamos a falar de que obras?Estamos a falar da travessia para o Tramagal, do Museu Ibérico, da nova câmara e do projecto para o edifício do mercado diário. A questão agora não é querer ou não querer. Não há dinheiro. Os bancos não têm dinheiro para emprestar e o Estado está falido.A solução é o executivo adaptar-se a esse cenário?Pois. Andamos há dois ou três anos a gastar dinheiro numa coisa que não vai ser feita. E as pessoas deviam perceber que não vai ser feita. Chamam-lhe profeta da desgraça quando fala assim?Não é ser profeta da desgraça. É uma coisa evidente.Esta seria uma boa altura para os políticos mudarem de discurso e dizerem claramente aos cidadãos que já não há dinheiro para a festa?Neste momento acho que já não vale a pena. Neste momento acabou. E por isso é que as próximas eleições são as mais estúpidas, porque independentemente de quem ganhe todos eles vão cumprir o mesmo. O que qualquer Governo vai fazer é o que os credores decidirem. Vamos escolher apenas o carrasco que vai aplicar uma decisão. As pessoas ainda não têm ideia do sofrimento que vão viver.As câmaras também vão ter de se adaptar e apertar o cinto.Sim. Alguém se preocupou quanto é que custou o estádio de Abrantes? Não. Alguém se preocupou quanto custou o Aquapolis? Não.O senhor não fazia essas obras?Temos de olhar para essas coisas como olhamos para a nossa vida. O autarca deve avaliar se a obra é importante ou não e se está adequada à dimensão. Porque se só precisamos de um estádio para mil pessoas não vamos fazer o estádio da Luz. Veja-se o que aconteceu com os estádios de Leiria e de Aveiro. Esta é a minha posição.

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